Em plena época de incêndios, no ano passado, o Presidente da República preveniu o Governo de que estaria atento a medidas sobre o ordenamento do território, para ter a “certeza que no pino do inverno ninguém se esquece do que aconteceu no pino do verão“. Perante a tragédia de Pedrógão Grande, a reação política tem sido diferente e até articulada entre Presidente e Governo, sintonizados na prioridade no combate ao fogo e na assistência às famílias das vítimas. O apuramento de responsabilidades virá depois e aí pode abrir-se outra “frente”.

“Já temos muitas frentes pela frente, não vamos juntar mais frentes neste momento”, disse Marcelo para afastar questões sobre as causas da catástrofe de sábado. O Presidente deixou em aberto a possibilidade de, uma vez fechada a frente das chamas e das vítimas, poderá haver uma frente política para gerir. Por agora, a solidariedade com as famílias afetadas tem sido a cola entre atores políticos. Esta segunda-feira, o líder da oposição, Pedro Passos Coelho, veio concordar — e o chefe de Estado até o saudou por isso — que “os políticos terão de deixar para uma ocasião posterior uma avaliação mais detalhada para tudo o que se passou”. Também diz que “em face destas consequências as pessoas quererão saber o que é que se passou”, mas noutro momento.

Por agora, o Governo pôs em campo os responsáveis pelas várias áreas setoriais. Não só do Ministério da Administração Interna, para as questões operacionais, mas também do Ministério das Infraestruturas e Planeamento, para a reposição das infraestruturas básicas (como postes de eletricidade e de comunicações) e o acesso aos fundos comunitários. E ainda o Ministério da Segurança Social, para apoio às famílias com alojamento e apoios sociais, ou o Ministério da Saúde (resposta dos hospitais), o Ministério da Defesa, com o exército envolvido no combate às chamas nesta frente, ou o Ministério da Justiça, para os contactos da Polícia Judiciárias e com o Instituto de Medicina Legal.

É este o plano que fonte do Executivo diz ao Observador estar montado nesta hora. Apesar de dizer também que o apuramento das responsabilidades está encaminhado: “Vai haver discussão a nível técnico. Haverá um momento para avaliar e analisar tudo. As autoridades policiais estão no terreno. Está a ser feito o levantamento de dados” para depois se apresentarem conclusões e atribuírem responsabilidades.

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Há um ano, quando o Presidente da República avisou para a necessidade de se debaterem, durante o inverno, medidas concretas na área da floresta e do território, da identificação dos proprietários dos terrenos, por exemplo, António Costa deixou acabar a época de incêndios e apresentou um Plano Florestal. Mas “isso são coisas que levam tempo” a aplicar, adverte fonte do Governo, e o Conselho de Ministros que o aprovou inicialmente definiu logo que o tempo de execução das medidas se balizava entre os 15 e os 16 meses. Ou seja, não estava previsto que estivessem em vigor nesta altura.

Além disso, as informações disponibilizadas a António Costa, pelos autarcas locais, vítimas e proteção civil, no terreno este domingo, fazem o primeiro-ministro (e antigo ministro da Administração Interna) apostar no argumento de que a causa maior do que se passou em Pedrógão Grande foram as condições meteorológicas excecionais.

Há outro ponto cuja polémica não evitará com tanta facilidade: o falhanço do Sistema de Comunicações (SIRESP), usado por INEM, bombeiros e polícias, durante a noite de sábado, nos incêndios.

SIRESP. As polémicas do sistema de comunicações que falhou (outra vez)

Os avisos e as propostas que estão paradas na Assembleia

O Governo respondeu aos avisos presidenciais de há um ano com um Conselho de Ministro em outubro de 2016 dedicado à floresta — curiosamente realizado no Centro de Operações e Técnicas Florestais, na Lousã, mesmo na fronteira a norte da região que agora arde intensamente — que daria origem a uma reforma do setor florestal divulgada em março deste ano.

Há um ano, de visita à área ardida na região de Gouveia, Marcelo Rebelo de Sousa dizia que não se podia “deixar arrefecer o tema”, pedindo medidas “para que não seja possível no futuro ninguém saber bem a quem pertencem certas terras” e , com isso, não seja possível fazer a manutenção necessária para evitar o risco de incêndios. As principais medidas que constam do plano que o Governo traçou para as florestas dizem respeito precisamente à titularidade da propriedade florestal. Exemplos:

  • A criação de um Banco de Terras, que vai conter não só o património rústico do Estado como também daquele que tem proprietário desconhecido.
  • Este património pode passar a ser gerido pelo Estado ou então cedido a Entidades de Gestão Florestal. O dono desconhecido tem 15 anos para reclamar a posse do terreno.
  • Um Sistema de Informação Cadastral Simplificada em que, durante os 30 meses em que estiver em vigor, quem regularizar a situação das suas propriedades rústicas terá um regime excecional de isenção de custos com taxas e emolumentos.

Mas também estão na calha medidas relativas à gestão florestal, como:

  • Revisão do regime jurídico das Ações de Arborização e de Rearborização com a intenção de travar a expansão da área de plantação de eucalipto.
  • Criação de um Programa Nacional de Fogo Controlado para controlar a realização de queimadas, por exemplo.
  • Reconhecem-se as entidades de gestão florestal, que devem ter uma área mínima de 100 hectares, em que 50% deverá ser constituída por propriedades com área inferior a 5 hectares.
  • Os municípios passam a ter uma maior intervenção na decisão sobre o uso do solo.

Algumas das medidas do Plano Florestal do Governo que tomaram corpo em março, seguiram para o Parlamento em abril, tendo sido debatidas dia 20 desse mês, descendo à comissão de Agricultura para serem melhor trabalhadas e aprovadas pela maioria de esquerda.

Também o Bloco de Esquerda viu as suas propostas sobre arborização e banco público de terras serem viabilizadas nessa altura, mas estão paradas na comissão de Agricultura, por falta de entendimento à esquerda. Aguardam as “audições de algumas das entidades envolvidas nestes processos”, esclarece Joaquim Barreto, o presidente da Comissão, que espera ter esse debate feito “até ao final do ano” para que o Plano possa avançar no terreno.

Paralelamente, funciona na Assembleia da República um Grupo de Trabalho para o Acompanhamento da Temática dos Incêndios Florestais, que foi criado no final do verão passado, depois da vaga de incêndios que assolou o continente e a Madeira. O grupo reuniu-se apenas cinco vezes e não registou quaisquer conclusões.