Rue de Turenne, a morada que realmente interessa a quem, por estes dias, vem a Paris à procura do melhor design de moda português. Dir-se-á crème de la crème, se for para entrar já no espírito, embora, em plena semana da moda, os 30 designers e empresários portugueses que voaram até à capital francesa falem todas as línguas e mais algumas para poderem ver a sua criatividade sobressair. Até domingo, todos os olhos estão postos na moda masculina da próxima primavera/verão. Nas ruas, jornalistas e buyers, sobretudo, saltam de porta em porta para antecipar a temporada. Como um pouco por toda a cidade, nesta rua há industriais estabelecidos e pequenos autores ainda a dar os primeiros passos.
Luís Carvalho está a meio caminho. Na sexta-feira, já passava das quatro da tarde, dez modelos irromperam pelo jardim da Galerie Perrotin, um cenário só por si suficientemente inspirador. Foi com aviso prévio. A apresentação, numa escala mais modesta do que a de um desfile, fazia parte do programa do Showcase Moda Portugal. O evento é organizado pelo CENIT – Centro de Inteligência Têxtil e acontece pela primeira vez com a presença de 27 marcas e criadores portugueses. Luís Carvalho trouxe, pela primeira vez, o seu trabalho até Paris. No verão de 2018, os cortes continuam exímios, o vício do color block incurável, com a diferença de que, desta vez, o criador ganhou asas, contemplou a paisagem lá do alto e batizou a coleção de “Eagle Eye”.
Nuno Gama, Filipe Faísca, Kolovrat e Ricardo Preto — os veteranos da moda lisboeta vieram todos medir a pulsação à cidade luz. Trouxeram coleções — alguns apresentaram-nas, ao estilo do que fez Luís Carvalho, outros não –, mas todos, sem exceção, se prepararam para estar aqui. Para lançar charme sobre a imprensa internacional, para que nenhum detalhe escape aos olhos treinados dos possíveis compradores. Os acessórios trazem um quê de instalação para o espaço. Vemos as joias de Valentim Quaresma, as cestas de palha de Christophe Sauvat e os cadernos da Fine & Candy numa única correnteza. Essa parte, tal como o casting de design nacional, ficou a cargo da curadora, Eduarda Abbondanza.
“Para mim moda não é só roupa, é muito mais do que isso. A minha ideia para este projeto, que eu considero estar na edição zero, foi deixar uma boa marca em Paris. Isso faz-se com a seleção de marcas e com um ambiente cool“, afirma Eduarda Abbondanza.
Na hora de escolher o sítio, a também presidente da ModaLisboa não teve dúvidas. Assim que pôs o pé na galeria percebeu que tinha de ser aqui: um espaço amplo, cheio de luz e com um pé direito que deixa a moda respirar — a moda e a música de Ana Moura, banda sonora de sexta-feira à tarde. Quanto à altura coincidir com a Semana da Moda Masculina, o “início do corredor da moda”, como Abbondanza lhe chama, parece ter sido um tiro certeiro. O mundo tem os olhos postos em Paris, mas sem a exaustão da semana de moda feminina.
Lisboa-Paris, Paris-Mundo
Na sala principal, o ambiente é de descontração. Ouvem-se conversas em francês, inglês e, claro, em português. Durante a manhã de sexta-feira, além de um punhado de compradores, passaram pelo Showcase Moda Portugal uma televisão canadiana e a revista Fucking Young. Quase todos os criadores estão presentes e disponíveis para dois dedos de conversa. Valentim Quaresma é um deles. Está longe de ser um estreante no circuito parisiense. No entanto, este ambiente é diferente de qualquer salão especializado. “Estamos todos juntos e é mais fácil promover o made in Portugal assim do que se estivéssemos cada um no seu salão”, afirma o criador. E se a joalharia é um ramo cheio de especificidades: os compradores são extremamente rigorosos, os valores mais altos, além de estarmos no país que é um dos maiores exportadores de joias do mundo. Ainda assim, o designer dá-se por bem instalado, com a gigante Vicri mesmo ao lado.
No total, cerca de 40 pessoas, entre organização, criadores e respetivas equipas, voaram até Paris para os dois dias do evento. O projeto partiu de Manuel Lopes Teixeira, CEO do CENIT. A ANIVEC/APIV (vestuário), a APICCAPS (calçado) e a AORP (joalharia) atenderam à chamada. “Há pelo menos 15 anos que eu ouço falar na necessidade de se comunicar o nosso negócio na área da moda de uma forma integrada. Em 2015, apresentámos um projeto, porque precisávamos de contar com algum financiamento público. Em 2016, tivemos a aprovação” afirma Manuel Lopes Teixeira. A iniciativa é cofinanciada pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização do Portugal 2020 e para estes dois dias de showroom e apresentações em Paris, sexta-feira e sábado, foram canalizados quase 300 mil euros.
“Uma ação com estas características é absolutamente inédita”, completa Manuel Lopes Teixeira, empenhado em realçar a diversidade de marcas e empresários reunidos no número 60 da Rue de Turenne. Para Eduarda Abbondanza, o conceito é demasiado bom para ficar só por aqui. “Este formato é pensado para poder ir para qualquer sítio. Está a ser testado aqui, mas, por mim, viajaria por outros sítios, como Nova Iorque, Tóquio, Copenhaga e Milão.”
Um olho na Ásia, o outro no Irão
O périplo pela Rue de Turenne é que não tem de esperar. Uns metros à frente, no número 83, Alexandra Moura instala-se num dos muitos showrooms deste bairro. O Marais está um corrupio e a criadora, apesar de ausente, também. Durante a manhã, recebeu a visita de um cliente, a Opening Ceremony do Japão. Pela terceira estação consecutiva, já escolheu quais as peças que vai querer vender do outro lado do mundo e ainda prometeu aparecer mais tarde com o buyer norte-americano da mesma cadeia. Em outubro, a designer lisboeta monta showroom em Xangai. China, Japão e Hong Kong já são mercados familiarizados que lhe conhecem o estilo, mas a estratégia é continuar a apontar a mira para a Ásia. Londres vem em setembro, com desfile e showroom. É na capital britânica que, há três temporadas, Alexandra faz o seu statement, inserida na comitiva do Portugal Fashion. A aposta é para continuar e conta com o apoio da ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários, que, atualmente, leva criadores de moda portugueses às quatro principais semanas da moda: Nova Iorque, Londres, Milão e Paris.
Pela primeira vez nestas andanças, Nycole é a outra inquilina portuguesa do London Heavy Showroom. Em Março, estreou-se na plataforma Bloom do Portugal Fashion e a coleção com que agora entra em solo francês (e a história por trás dela) já lhe valeu uma encomenda para uma loja no Japão. “Parti de um documentário sobre dois DJs iranianos. Lá, é proibido fazer música eletrónica, então começaram a enviar CDs para outros países. Foram convidados para ir a um festival na Suíça. O filme mostra uma mulher a recomendar-lhes que destruíssem os passaportes, assim que chegassem à Europa, para não serem presos. Foi o que eles fizeram”, conta. E como é que isso se reflete no guarda-roupa masculino de Nycole? Estampados étnicos, materiais técnicos a puxar ao Ocidente e detalhes militares, numa alusão à repressão do regime iraniano.
Por hoje já chega. Amanhã há mais
As histórias não ficam por aqui. Novamente uns metros mais à frente, conhecemos Antony Dang, dono do Idao Showroom. Na constante pesquisa por novas marcas e designers emergentes, deu de caras com o trabalho de Hugo Costa no Instagram. Cá está ele. Em vésperas da apresentação da nova temporada, o jovem criador expõe as peças da nova e de outras coleções. Para Antony, foi uma espécie de amor à primeira vista. “As peças podem ser ótimas, mas a comunicação e a forma como são apresentadas, o styling, é essencial”, confessa o proprietário, mais do que disposto a dar um empurrão na carreira do designer do Norte. Este sábado à tarde, Hugo Costa apresenta a coleção primavera-verão 2018 na Maison des Métallos, também em Paris. Espera-se uma mistura de desfile e instalação, mas já fora da rua onde quase tudo acontece.
O Observador viajou para Paris a convite do Portugal Fashion.