A forma como o Governo socialista tem feito a gestão política do assalto aos paióis de Tancos está a causar desconforto entre altas patentes militares. Na página de Facebook da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) multiplicam-se críticas dirigidas à atuação do Ministério da Defesa liderado por Azeredo Lopes.
O tenente-general Joaquim Formeiro Monteiro, presidente da Assembleia-Geral da AOFA, é um dos que assume publicamente o seu desagrado, deixando uma série de perguntas e denunciando a “suborçamentação sucessiva” que afeta o normal funcionamento das Forças Armadas.
Há quanto tempo, o Ministério da Defesa era conhecedor das dificuldades que afetam as Forças Armadas? (…) Os Chefes militares não têm alertado a tutela política, para essa realidade, ao longo do tempo? (…) O que é que o Ministério da Defesa tem feito para responder a tais preocupações?”, começa por pergunta Formeiro Monteiro.
Para este tenente-general, “enquanto o poder político não encarar” as dificuldades que existem nas Forças Armadas, situações como a do assalto aos paióis de Tancos “tem uma elevada taxa de probabilidade de se repetir, neste ou noutros moldes”. Resta a pergunta se esta realidade será premeditada, ou meramente fruto da incompetência de quem tem responsabilidades políticas na matéria?”, questiona.
Cinco comandantes demitidos na sequência do roubo de armas em Tancos
De resto, Formeiro Monteiro dá voz a uma crítica apontada por vários militares que escrevem na página de Facebook da AOFA: a exoneração dos cinco comandantes das unidades com ligação direta aos paióis — interpretada como uma imposição da tutela, como escreve o Diário de Notícias esta segunda-feira — é uma forma de desresponsabilizar o poder político pelas debilidades nas Forças Armadas.
“Perante a extrema gravidade dos factos, será que a admissão das responsabilidades da tutela, se deverá reduzir simplesmente a um encadeado de palavras e intenções, ou se não se deveria estender a atos concretos, porventura mais coerentes com responsabilidades acumuladas até ao momento? Será que a demissão noticiada de cinco Comandantes, mesmo que provisoriamente (ato administrativo que, em várias décadas de serviço ativo, nunca vi invocar, e que, em absoluto, desconhecia) poderá servir para responder, no imediato, a certos sectores da oposição, que contribuíram, decisivamente, no passado recente, para a desconstrução e desprestígio das Forças Armadas, e ao mesmo tempo saciar a voragem da comunicação social sobre a matéria?”, desafia o presidente da assembleia-geral da AOFA.
Também Vítor Paiva Duarte, tenente-coronel e vogal do conselho nacional da AOFA, aproveita a mesma página para denunciar os cortes orçamentais que provocaram, diz, a degradação das Forças Armadas.
No Exército há consequências, ao contrário do resto das instituições do país, no Exército há comandantes exonerados”, começa por escrever Paiva Duarte.
“Mas quando o cidadão regozija e não percebe que o sacrifício dos comandantes não resolve o problema e serve apenas para mostrar que a ética também é um valor a defender. Quando o cidadão manifesta o seu contentamento pelos cortes no orçamento da Defesa, ou quando se manifesta contra a compra de viaturas Pandur, contra os gastos em submarinos ou quando abana a cabeça a dar razão às opiniões estúpidas e ignorantes vomitadas pelo cidadão Miguel Sousa Tavares sobre a tropa, ou quando o cidadão que sempre viveu em paz não é capaz de ler o mundo perigoso em que atualmente vive ou quando julga na praça pública os instrutores do Curso de Comandos sem lhes dar o mínimo benéfico da dúvida. O cidadão que regozija com o fim do serviço militar obrigatório apenas porque não quer contribuir para defesa da pátria nem para a segurança da nação é o mesmo cidadão que vem agora com piadinhas parvas sobre o roubo deste equipamento militar”, escreve este tenente-coronel.
Na mesma medida, o major-general Bargão Santos responsabiliza diretamente o poder político. “A modalidade (aliás nunca vista) de exonerar cinco Comandantes de Unidade, pelo General Chefe do Estado-Maior do Exército, mesmo considerando as razões evocadas para o efeito, é aparentemente uma decisão: que dá “cobertura” ao poder político; que atenua responsabilidades do Exército ao nível da Chefia; [e] que se constitui em si mesmo, como uma forma (desnecessária) de desprestigiar e minorar a dignidade de Comando a militares de carreira. (…) O que aconteceu não desresponsabiliza quem quer que seja e a todos os níveis e não deixa de fora necessariamente o poder político”, conclui.
Num tom particularmente duro, o tenente-coronel Pedro Tinoco de Faria ataca a classe política que tem liderado o país a partir de um “mundo da luxúria, da corrupção, da falta de sobriedade e de desrespeito pela ética e pela moral e de nos submeterem sob a ditadura da democracia”, nomeando “os seus delfins para o comando das tropas” e afastando “aqueles que se lhes opõem”.
Queremos paióis ou honra? Sem honra, sem moral, sem formação dura e exigente, sem tropa, sem honrarem os nossos mortos e protegerem os nossos órfãos, não há paióis que resistam. Para defendermos os nossos paióis temos de exigir que nos honrem. Sinto me enojado”, escreve Pedro Tinoco de Faria.
O coronel António Feijó aproveita a mesma rede social para sugerir que quem conduziu o assalto ao paiol de Tancos sabia o que estava a fazer, “não olhando a meios, incluindo, muito provavelmente, a eliminação de quem, eventualmente, se lhes opusesse”. E acrescenta: “A descredibilização da Defesa e a segurança do país tem sido uma constante dos agentes políticos que têm exercido o poder, sejam de que partido forem. Olham para a estrutura do Estado, como uma sua quinta para colocarem os seus boys na manjedoura do orçamento. E se dúvidas houver, basta olhar para a Proteção Civil e SIRESP. Choram lágrimas de crocodilo. Já é tempo de dizer basta”.
Recorde-se que na sequência do assalto em Tancos, o Chefe do Estado-Maior do Exército decidiu exonerar cinco comandantes para não interferirem nas averiguações, na sequência do roubo das armas, em Tancos. Esta tarde está agendada uma reunião do Conselho Superior do Exército, o órgão máximo de consulta daquele ramo das Forças Armadas, onde têm assento o CEME, o vice-CEME e todos os generais de três estrelas do Exército.