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“Ganhou tantos títulos e foi número 1 tantas semanas. Mas é fácil falar com ele e essa é uma das razões pelas quais ganha o prémio fair-play todos os anos. Nos balneários há uma atmosfera diferente do que havia com Borg, McEnroe, Lendl e todos aqueles que ficavam sozinhos no seu canto. O Roger não é assim e cria o ambiente ideal. Ele mostra como se pode ser competitivo e criar amizades ao mesmo tempo“.

Michael Chang, o pequeno e combativo americano que é ainda hoje o mais novo de sempre a ganhar um torneio do Grand Slam (o Roland Garros de 1989, com 17 anos e 110 dias), falou ao Sport Klub sobre Roger Federer, que se tornou o mais vencedor de sempre em Wimbledon a três semanas de fazer 36 anos. Explicou uma das razões que fazem do ex-número 1 uma figura tão especial. Pode gostar-se mais ou menos, mas todos gostam dele. E também é que nos ajuda a gostarmos mais de nós.

Vamos fazer aqui um pequeno resumo do jogo. Bom, se calhar bastam uma ou duas linhas. Logo no primeiro set, Marin Cilic chegou a dispôr de um break para fazer o 3-2; Federer deu a volta, fez ele o 3-2 e a seguir quebrou o serviço ao croata. Depois, fechou uma série de jogos a servir a zero. E quando demos por ela, depois dos problemas de Cilic num pé que o deixaram num pranto, já íamos no último set, prontos para arrumar as contas. Para a história fica o resultado: 6-3, 6-1 e 6-4. Ou seja, durante duas semanas, o terceiro cabeça-de-série do torneio foi afastando adversários sem perder sequer um único set.

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Não valerá muito a pena nesta altura fazer a vida e obra de Roger Federer, o maior ente os maiores. É o jogador com mais torneios do Grand Slam, só isso resume tudo. Mas convém recuar até 2013, após a vitória em Inglaterra do ano anterior, quando as eliminações nas meias-finais do Open da Austrália, nos quartos-de-final de Roland Garros, na quarta ronda do US Open e, sobretudo, na segunda eliminatória de Wimbledon lançaram dúvidas sobre o momento do suíço. Conseguiria algum dia voltar a ganhar? Roger voltaria a ser Roger?

Em 2014, foi à final de Wimbledon mas perdeu; no ano seguinte, chegou sem sucesso aos jogos decisivos em Inglaterra e no US Open; em 2016, atingiu as meias-finais do Open da Austrália e de Wimbledon, falhou Roland Garros e o US Open. Havia uma linha claramente descendente na carreira. Mas, com o suíço, há uma outra linha que separa essa conclusões precipitadas da realidade e, depois de já ter ganho o Open da Austrália (frente a Rafa Nadal, outro trintão em ascensão), conquista o seu oitavo Wimbledon.

Se repararmos com atenção, não só no ténis como em muitas outras modalidades, a média de idades dos melhores continua a ser cada vez maior. O tempo trouxe uma espécie de elixir da juventude aos desportistas que, por sua vez, se tornam o elixir da juventude para nós, comuns mortais. Federer é um exemplo paradigmático. Se calhar, e a nível global, só mesmo ao nível de Michael Phelps.

Um trabalho assinado por Kiko Llaneras e Jordi Pérez Colomé no El País da semana passada foi fazer as contas a essa verdadeira metamorfose invisível no mundo do desporto. Em relação ao ténis, a conclusão é esmagadora: nos últimos 30 anos, a média dos tenistas no top-100 do ranking passou dos 25 para os 29 anos no setor masculino e dos 23 para os 26 anos no feminino. Hoje, por exemplo, 39% desses jogadores têm 30 ou mais anos, contra 37% com menos de 27 anos e 24% entre os 27 e os 30 anos. É a maior evolução na Open Era do ténis, que também teve reflexos em Wimbledon: este ano, chegaram aos quartos-de-final de Wimbledon seis dos oito tenistas que tinham estado nessa prova há dez anos; em 2007, esse número em relação a 1997 foi apenas de dois.

Os exemplos não ficam circunscritos ao ténis: há cada vez mais medalhados na natação em Jogos Olímpicos com mais de 24 anos, algo raro no final dos anos 80 (logo à cabeça, veja-se o exemplo de Michael Phelps); e a última final da Liga dos Campeões teve a média de idades mais elevada de sempre, de quase 30 anos. Mas agora interessa é perceber o porquê. E existe uma mão cheia de justificações para o fenómeno no mundo do ténis, com alguns pontos em comum com outros desportos de alta competição.

Antes era bom para as ‘lebres’, agora está mais para as ‘tartarugas’

A fábula da lebre e da tartaruga serve bem para explicar a primeira grande mudança no ténis do mundial: a importância, ou não, do serviço e do jogo em força. Deixemos de parte as questões das raquetas: os campos estão mais lentos do que eram, porque o piso duro deixou de ser supersónico e até a relva de Wimbledon já não é o que era. Com isso, os jovens que assentavam todo o seu jogo num bom serviço e na célere resolução dos pontos perderam espaço e foram esmagados por um estilo onde se privilegia a técnica, a estratégia e a capacidade de preparar um ponto sem perder a paciência e entrar numa espiral de erros não forçados.

O corpo que deixou de ser uma ‘caixa negra’

Pedro Emílio Alcaráz, diretor do Centro de Investigação da UCAM (Universidad Católica San António de Murcia), tem uma frase muito curiosa sobre o passado e o presente dos atletas em relação ao conhecimento do seu corpo: “Antes era uma caixa negra, metia-se a carga e não se sabia o que depois saíria de lá”. O que significa esta analogia em concreto? Com os métodos de hoje, com os detalhes a nível de treino que permitem analisar ao pormenor a reação às cargas de treino e uma melhor adequação da resposta do corpo às perguntas que o trabalho diário levantam, os jogadores mais velhos adiam a sua curva descendente e têm maior facilidade de recuperação entre os jogos. Perdem os jovens, que atingem o seu desenvolvimento ideal mais tarde.

Uma constante aproximação à ideia do perfecionismo

Quando Usain Bolt bateu o recorde mundial dos 100 metros nos Mundiais de 2009, ninguém conseguiria admitir que, oito anos depois, a marca se mantivesse. Mas isso acontece por uma razão simples: para baixar a fasquia dos 9,58 é necessária uma espécie de conjugação cósmica que envolve não só a preparação para a prova mas também a saída e até o próprio clima. Não mais houve essa conjugação, mas a mesma também pode ser fabricada, como a Nike está a fazer com três maratonistas para a prova rainha da estrada ser feita apenas em duas horas. O investimento nos estudos e na ciência do desporto é cada vez maior, por forma a levar o corpo humano ao seu limite na obtenção da glória desportiva. Isso também se aplica ao ténis. E aos ‘Federers’ da modalidade. Que se não forem ‘Federers’ nem entram nas contas: o talento não vive sozinho, mas é essencial para fazer viver.

As lesões como as desculpas: não se pedem, evitam-se

A evolução dos tempos traz um outro “resultado” umbilicalmente ligado a tudo o resto: a prevenção das lesões. Também se consegue recuperar mais rápido de uma mazela, mas o segredo é mesmo evitar os problemas físicos. Hoje não existem atletas de alta competição com sobrecarga de treino. Nunca conseguem ter a frescura dos mais jovens, mas como raramente param, fazem imperar a sua experiência em jogo. E aqui surge um exemplo do futebol e da Premier League. O Chelsea teve grande mérito em ser campeão em campo, mas o trabalho fora dele fez toda a diferença: durante a época, os jogadores de Antonio Conte estiveram lesionados 324 dias, contra 758 do Tottenham e 675 do Manchester United de José Mourinho. As lesões traumáticas são “inevitáveis”, podem sempre acontecer, mas nas musculares a história é outra.

Afinal, o que parecia muito eram apenas uns tostões

Olhando para a realidade espanhola, neste caso, no final dos anos 90 era muito raro ver os jogadores a viajarem para torneios em diferentes continentes com treinador; hoje, no mínimo, vai o técnico, o preparador físico, o fisioterapeuta e mais um ou outro elemento do staff. Porquê? Se as despesas não aumentaram assim tanto, as receitas dispararam. Hoje, Federer recebeu três vezes mais por vencer Wimbledon do que quando completou o penta, em 2007. E ainda há todos os acordos de patrocínios e publicidade: se os prémios dos torneios têm vindo a crescer, a realidade da venda dos direitos de imagem deu um salto ainda maior…