Jesus Correia, mais conhecido pelo Necas, foi um dos melhores jogadores portugueses de futebol nas décadas de 40 e 50. Era um dos famosos Cinco Violinos do Sporting, jogava como extremo direito, mas era uma máquina de fazer assistências e golos. Ao mesmo tempo, era também um dos melhores jogadores portugueses de hóquei em patins, alinhando no Paço de Arcos. Ninguém sabe ou pode dizer ao certo o que praticava melhor, mas o coração do próprio encarregou-se de responder a essa dúvida: aos 28 anos, quando estava na Seleção Nacional das duas modalidades, teve de escolher um só amor. E optou pelo hóquei em patins, por ser quase trintão e obrigar a um menor esforço físico. Mas não mais ninguém se esqueceu do perfume de futebol que deixava nos relvados.

Hoje estamos no século XXI e o futebol feminino tem um papel que naquela altura nem sequer se imaginava. No caso português, e apesar do enorme salto que a modalidade deu nos últimos anos, ainda somos pequeninos a comparar com as outras equipas europeias mas grandes de espírito, de vontade, de querer. Na segunda jornada do grupo D da fase final do Campeonato da Europa, depois de uma derrota por 2-0 com a Espanha, Portugal tinha pela frente o adversário mais acessível (ou menos complicado, é mais por aí). Era uma oportunidade única para deixar uma marca ainda maior no período de maior glória desta Seleção comandada por Francisco Neto. E foi mesmo.

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Mas porquê recordar Jesus Correia, questiona agora o estimado leitor. Porque Carolina Mendes, jogadora que andou também nas Seleções Nacionais de hóquei em patins e de futebol, acabou por optar pela segunda e marcou frente à Escócia o primeiro golo de sempre numa fase final de um Europeu naquele que foi um dia histórico: Portugal conseguiu vencer por 2-1 e carimbou um triunfo que deixa tudo em aberto para a última jornada.

Nascida em Estremoz, Carolina Mendes começou por jogar hóquei em patins e passou também para o futebol aos 16 anos, quando passou a alinhar no Elétrico de Ponte de Sôr. Ainda esteve no Desportivo e no Estrela de Portalegre antes de viajar para Lisboa. Os desempenhos pelo Ponte Frielas valeram-lhe depois o ingresso no ‘gigante’ 1.º de Dezembro, onde foi bicampeã nacional. Ainda assim, e mesmo quando representava o clube de Sintra, viajava ao sábado para a cidade natal, onde jogava hóquei em patins pelo Externato São Filipe.

Um dia, convocada para as duas Seleções, preferiu a de futebol por estar em Lisboa. Não mais voltaria à de hóquei em patins. E os rinques ficaram de vez de lado quando foi de Erasmus para Barcelona, prosseguir o curso de fisioterapia. Agora, joga desde 2011 no estrangeiro, tendo passado por Espanha (UE Estartit e Llanos Olivenza), Itália (ASD Riviera), Rússia (Rossiyanka), Suécia (Djürgarden) e Islândia, onde representa agora o Grindavik.

Portugal até voltou a deixar uma boa imagem nos minutos iniciais, mas foi a Escócia a assumir o controlo do jogo e a ter as melhores oportunidades, incluindo uma bola ao poste de Caroline Weir depois de uma grande defesa de Patrícia Morais a remate em arco de Lana Clelland (17′). Dez minutos depois, Carolina teve o seu momento de glória, no seguimento de um cruzamento de Diana Silva da esquerda em que a central Barsley falhou a bola e a avançada teve apenas de desviar para a baliza escocesa. Ao intervalo, a Seleção Nacional vencia por 1-0 e Cláudia Neto, a CN7 desta equipa, começava a aparecer muito mais no encontro.

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O segundo tempo trouxe uma Escócia apostada em chegar ao empate mas sem grandes oportunidades até aos 66′, quando Erin Cuthbert chegou atrasada por centímetros a um cruzamento de Fiona Brown. No entanto, apenas dois minutos depois, Cuthbert conseguiu mesmo marcar, num bom golo após combinação na área com Weir.

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Iria Portugal tremer? Francisco Neto não quis mexer na estrutura, mas apostou em refrescar o ataque com a entrada de Ana Leite para o lugar de Carolina Mendes, que tinha desperdiçado nesse mesmo minuto 70 uma boa oportunidade após boa incursão de Diana Silva pela direita. Foi chegar, ver e vencer: a Escócia acabou por provar do seu veneno do jogo direito e, após um pontapé de baliza de Patrícia Morais que Amanda conseguiu desviar de cabeça, a avançada nascida e criada na Alemanha que começou a jogar na escola com os amigos aos dez anos e representou Duisburgo, Essen-Schönebeck e Borussia Möenchengladbach (vai agora reforçar o Sporting) recebeu bem, avançou e conseguiu recolocar a Seleção na frente do marcador com o primeiro golo com a camisola das Quinas.

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As escocesas arriscaram tudo, ainda atiraram uma bola ao poste a cinco minutos do final pela inevitável Caroline Weir, mas Portugal agarrou com unhas e dentes a vantagem, escrevendo mais uma página gloriosa no futebol feminino do país e quebrando um jejum de 23 anos sem vitórias diante da Escócia.

Hoje, a Seleção esteve no “seu” Campeonato. E ganhou, mesmo tendo pela frente um adversário bem mais cotado. Segue-se a Inglaterra, melhor equipa do grupo. Ainda com hipóteses de apuramento para a fase seguinte. Mas, independentemente do que se possa passar na última jornada do grupo, o Campeonato “está feito”. De Estremoz à Alemanha, houve um caminho para a história.