Se há aspeto que não pode falhar num festival de verão é a meteorologia. O MIMO só conhece sol e calor, seja no Brasil — país em que festival nasceu — ou em Amarante, onde as altas temperaturas no verão são quase uma regra. O tempo nublado e chuvoso do final da manhã foi apenas um susto. As nuvens desapareceram para que a música, os passeios em Amarante e os negócios locais corressem de vento em popa.
A Doçaria Mário está aberta há 62 anos e funciona quase como um ponto de paragem obrigatório para quem quer deliciar-se com os doces conventuais de Amarante. Em dias de festival MIMO, o movimento é mais que muito e até se torna difícil falar com as proprietárias. “Tem de ser muito rápido”, diz Madalena Silva ao Observador.
Face a 2016, primeira edição do festival na cidade, a proprietária já nota algumas diferenças. “Acho que tem mais gente este ano”, afirma. Entre os turistas que entram no estabelecimento, movidos pela curiosidade de provar os papos de anjo, os foguetes e as lérias, outros chegam atraídos pela paisagem que a doçaria oferece para o Rio Tâmega. “Isto é tão giro, parece que entrei nos anos 70”, diz um cliente português.
“Já tivemos cá algumas pessoas do festival, não lhe sei dizer quem. Hoje teve aqui um escritor. Se calhar, já tivemos cantores, mas eles não se identificam”, adianta Madalena Silva.
Já na loja de Maria da Luz, as peças de frutas e as bebidas são os produtos mais requisitados. Há gente a entrar e a sair num rodopio constante, mas a proprietária consegue dar conta do recado. E alguns casos até lava a fruta, para que esteja pronta a ser consumida. “Pronto, já está lavadinha”, diz para uma jovem enquanto lhe entrega um cacho de uvas.
O negócio já tem 20 anos e o fim de semana de MIMO é como todos os outros, “sempre de porta aberta”, mas com mais azáfama.
E entre as tendas de campismo que se amontoam, quase sem regra, nas margens do Rio Tâmega, os novos negócios de alojamento também já têm o teste de fogo durante o festival. No Hostel Des Arts, aberto há duas semanas, a lotação está nos 100% de ocupação.
Francisca Fonseca, proprietária do novo projeto, afirma que há clientes tão diversos como o MIMO: grupos de amigos portugueses e israelitas, e pessoas que estão a trabalhar no evento. A maioria dos estrangeiros alojados não sabia o que se está passar este fim de semana em Amarante, mas alguns já pensam reservar para o ano. “Muitos falam em voltar e em marcar com antecedência”.
Porque nem sempre as palavras precisam de ser cantadas
Mostrar uma nova faceta dos artistas de música pode ser tão revelador para o público como para o próprio artista. No festival em Amarante, em workshops e nas palestras da iniciativa “Fórum de Ideias”, vários cantores enfrentam o microfone. Só que desta vez não cantam, falam e exprimem as emoções através da opinião e da troca de ideias.
A tarde começou com a cantora inglesa Ala.Ni a ser a protagonista de um workshop, em que o som e a imagem foram esmiuçados e debatidos em conjunto. A artista confessou ter procurado adquirir algumas noções de edição de imagem para poder entender o processo de elaboração dos seus videoclips.
De pé e em frente de uma mesa, numa sala do Centro Cultural de Amarante, evitou a dicotomia professor/aluno, e colocou-se mais à vontade em frente ao público.
Não fosse o concerto deste domingo e o repertório, e poder-se-ia quase dizer que a fotografia era afinal a área pela qual nutria mais interesse. Quando um participante lhe perguntou quais as maiores influências musicais de Ala.Ni, respondeu: “Não ouço música. Vamos falar de fotografia?” (ri-se).”Sei quem era Billie Holiday, The Who, Black Sabbath, mas não os estudo. Quando era miúda não tinha posters de bandas no meu quarto”, confessa.
Mais perto do rio, era o fadista Ricardo Ribeiro e mais tarde o cantor Manel Cruz, a trocar as melodias. O escritor Tito Couto moderou ambas as conversas, que tiveram resultados muito diferentes. Os dois artistas, cujos concertos encerram a edição deste ano do festival MIMO, foram questionados sobre a carreira profissional, nomeadamente todos os caminhos que os levaram até ao reconhecimento — incluindo os sucessos e os fracassos.
No caso de Ricardo Ribeiro, o fadista e o público foram surpreendidos por uma fadista de Felgueiras, Susana Cardoso, que interviu na palestra ao cantar um poema chamado “Não negues meu amor”. Quanto a Manel Cruz, conhecido como o vocalista dos Ornatos Violeta, deixou a novidade de que vem aí novos temas. A maioria vão estrear no MIMO em Amarante, mas o músico do Norte vai passar também pelo Brasil ao abrigo do mesmo festival.
O Parque Ribeirinho que vive de música
Ao início da noite, o etíope Girma Bèyènè e o grupo francês Akalé Wubé juntaram-se em palco para abrir as hostes no segundo dia de concertos junto ao Rio Tâmega. Movidos pela hora de jantar ou pelo concerto da baterista Anne Paceo do outro lado da margem, o público não teve uma forte presença no Parque Ribeirinho.
Mas os que lá estiveram deram um passinho de dança. Entre o inglês e o amárico (língua oficial da Etiópia), Girma cantou músicas de amor ao piano e em pé, de frente para o público. De vez em quando, quase como um galã disposto a conquistar senhoras, entoava: “Se me amam, digam-me a verdade”.
Já depois da hora de jantar, a noite era de Herbie Hancock, que não deixou quase espaço no recinto para mais ninguém se juntar à festa do jazz. O pianista interagiu com o público e fez velhos e novos dançar, embora comedidos, ao som de uma jam session (grupos de músicos que tocam juntos de forma improvisada), na qual todos pareciam estar convidados. Mas a maior festa fazia-se no palco, em mais de uma hora de concerto.
A noite terminaria com Hamilton de Holanda, o projeto Baile do Almeidinha e Mayra Andrade, que provocaram as danças mais libertas entre o público. Entre os passos de dança com desconhecidos às canções cantadas em conjunto, a viagem começou em Amarante, foi pelas praias de Copacabana e terminou em Cabo-Verde.
Este domingo, 23 de julho, o MIMO encerra com Manel Cruz no Parque Ribeirinho. Os amarantinos já garantiram o lugar.