O Novo Banco divulgou, finalmente, os termos da operação decisiva para a venda (de 75%) da instituição ao fundo norte-americano Lone Star. E a primeira surpresa, que o banco manteve em segredo até agora, é que não irá haver uma troca de obrigações (com condições diferentes) mas, sim, um reembolso antecipado, em dinheiro, para os investidores que aceitarem vender os títulos de dívida ao banco — com descontos que superam os 90%, face ao valor nominal.

Segundo apurou o Observador, 40% a 45% do valor das obrigações em risco de perdas (três mil milhões de euros) está nas mãos de investidores de retalho, sobretudo clientes do Novo Banco.

É pegar ou arriscar perder tudo, ou quase tudo. “Caso as ofertas e as propostas não seja bem sucedidas e o investimento pela Lone Star não se concretize, os detentores dos valores mobiliários poderão enfrentar perdas substanciais face aos preços de mercado secundário atuais”, pode ler-se no comunicado enviado pelo Novo Banco à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e aos investidores na madrugada desta terça-feira.

A oferta em dinheiro foi especialmente pensada para atrair os mais de dois mil investidores particulares, cuja adesão é decisiva para o sucesso desta operação do Novo Banco. As condições são ainda menos penalizadores para os detentores de títulos que aceitem manter o dinheiro recebido em depósitos a prazo, com taxas de remuneração que minimizam as perdas. Esta solução também é vantajosa para o banco porque limita o impacto que a recompra de obrigações terá na sua liquidez — estamos a falar de um valor bruto de 2.500 milhões de euros — ao reter dinheiro em depósitos, além de permitir preservar a relação comercial com o cliente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O Novo Banco preparou uma tabela em que especifica os valores que se disponibiliza a pagar. São 36 linhas de obrigações, todas com condições e datas de vencimento diferentes. Para cada uma, o banco define um valor de reembolso antecipado — em quase todos os casos correspondente a uma fração daquilo a que se chama o valor nominal dos títulos.

As taxas de desconto, que foram calculadas tendo por base os preços a que os títulos têm sido negociados no mercado, entre os investidores, vão desde os 11% até mais de 90%, o que quer dizer que alguns títulos serão reembolsados a menos de 10% do seu valor nominal.

No entanto, na maioria dos casos essas obrigações foram compradas muito abaixo do valor nominal, sobretudo quando estamos a falar de títulos com cupão zero e um prazo longo de maturidade. O seu valor vai subindo à medida que se vão acumulando os juros.

O desconto não corresponde por isso ao grau das perdas dos investidores, porque falamos da taxa de desconto em relação ao valor nominal. Até pode haver investidores que, por exemplo, compraram títulos de dívida a pagar em 2052 a 6% do seu valor nominal, em setembro de 2016, e agora têm a oportunidade de vender mais caro, a quase 10% do valor nominal (que é diferente para cada linha de obrigações). Em quase metade das linhas, o cash oferecido corresponde a menos de metade do valor nominal. Em 20 das linhas, a taxa de desconto ronda os 80% a 90%.

Novo Banco quer comprar dívida a preço de mercado e avisa para perdas maiores em caso de recusa

Do ponto de vista dos investidores, esta é uma oportunidade para deixarem de ter exposição ao Novo Banco e beneficiarem de condições de venda que são fixas. Caso todos quisessem vender no mercado, ao mesmo tempo, é altamente provável que nem mesmo estas condições fossem possíveis — oferece-se, portanto, uma possibilidade de escape com condições que os investidores podem analisar até ao início de outubro, altura em que têm de tomar uma decisão.

Para o banco, tão importante quanto o preço oferecido é a poupança obtida com o pagamento de juros que, uma vez reembolsados os títulos de forma antecipada, deixam de ser contabilizados. Em cada proposta está implícito um valor dos títulos e uma perspetiva de juros que, assim, deixarão de ser pagos em alguns casos. Se a operação tiver sucesso, o Novo Banco sairá com os capitais reforçados em 500 milhões de euros — capital que, depois, corre o risco de ser consumido com o reconhecimento de perdas no valor dos ativos (ou seja, esta é uma forma de envolver credores no esforço de reconhecimento de perdas).

Valor contabilístico dos títulos é de três mil milhões

Mostrar Esconder

O valor nominal total destas 36 linhas de obrigações é de 8,3 mil milhões, mas o seu valor contabilístico é de pouco mais de 3 mil milhões, dada a forte desvalorização destes títulos — vários dos quais vêm do tempo do Banco Espírito Santo (BES).

Trata-se de 36 linhas de dívida com datas de maturidade entre 2019 e 2052.

Se não houver um número suficiente de obrigacionistas a aceitar, de forma voluntária, todos os investidores podem ser forçados a participar, se na assembleia-geral de obrigacionistas a convocar (em termos formais, uma relativa a cada linha específica), houver 66% do valor representando e pelo menos três quartos dos credores (em função do valor que detêm) derem luz verde à operação. Este tipo de cláusulas está, normalmente, previsto nas emissões de obrigações em mercado.

Para persuadir os investidores a aderir o Novo Banco garante que, caso esta operação falhe, isso significará, também, que a venda à Lone Star irá falhar. Pode haver investidores que achem este aviso um bluff, mas o banco avisa que quem não aceitar “poderá ficar sujeito ao mecanismo de resolução, sendo que esse mecanismo prevê um bail-in e que as autoridades podem obrigar a conversão de dívida em capital”.

Isto faz com que, na opinião da consultora CreditSights, especializada em análise de dívida empresarial, esta seja uma oferta “algo coerciva”. Em nota de análise distribuída aos investidores, a firma nota que “a linguagem [utilizada pelo Novo Banco] nos documentos em que se lança esta oferta é, deliberadamente, dura”, o que se percebe tendo em conta que, na opinião da CreditSights, “a alternativa [a aceitar a oferta] é, presumivelmente, que o banco seja colocado em resolução, o que levaria a que os credores fossem implicados” — além disso, as regras europeias preveem, em termos gerais, que os depositantes com mais de 100 mil euros também podem ser chamados a participar, caso esta operação falhe.

Para muitos investidores, porém, a oportunidade de deixar de ter exposição a títulos com pouca liquidez, a um preço próximo dos atuais valores de mercado poderá ser uma opção menos arriscada, tendo como termo de comparação a falta de visibilidade sobre o que aconteceria numa resolução e as dúvidas acerca da viabilidade a longo prazo do banco”, diz a CreditSights, que recomenda aceitar esta oferta “coerciva”.

Os visados são, também, grandes investidores institucionais — alguns dos quais os mesmos que ficaram a perder quando o Banco de Portugal decidiu, no final de 2015, escolher algumas linhas de obrigações para fazer regressar ao Banco Espírito Santo (o BES mau). Mas entre 40% a 45% do valor em circulação está nas mãos de investidores particulares, de retalho, que podem ter comprado no mercado, através dos seus intermediários financeiros, e agora têm a possibilidade de receber em numerário ou em depósitos bancários com condições especiais.

Foi, apurou o Observador, a pensar nesses investidores de retalho que o Novo Banco optou por esta operação de reembolso antecipado e não uma troca (que poderia ser mais atrativa para os institucionais).

Uns filhos, outros enteados na dívida do BES

Quanto aos investidores de maior dimensão, a Pimco é um dos investidores que tem exposição a estes títulos — e também tinha à dívida que chegou a ser do Novo Banco mas que, no final de 2015, voltou para o BES. Uma das circunstâncias mais curiosas da operação é que, apesar de o Banco de Portugal ter dito várias vezes que não considera que essa decisão de retransmissão tenha afetado o banco, o Novo Banco não tem pejo em afirmar que esse é um dos fatores que faz com que os preços da dívida do Novo Banco tenham descido para níveis tão reduzidos — e, portanto, também é por isso que agora não se está a oferecer condições melhores.

Está nas mãos de quem evitar o pior no Novo Banco?

Os preços de mercado secundário dos valores mobiliários têm estado sob pressão devido a um número de fatores, nomeadamente devido ao estatuto do Novo Banco como banco de transição e todas as implicações emergentes conforme resulta do regime legal aplicável (incluindo a capacidade de a autoridade de resolução portuguesa fazer alterações ao perímetro de ativos e passivos do Novo Banco, ao abrigo do regime aplicável) à decisão da autoridade de resolução portuguesa de retransmitir certos ativos e passivos do Novo Banco para o BES após a medida de resolução” (Novo Banco)

A instituição liderada por António Ramalho explica que não ajuda “a existência de processos judiciais relativos às decisões adotadas no quadro da medida de resolução e a decisão pelas agências de rating de rever ou reduzir a notação dos valores mobiliários”.