A premissa é esta: a Assembleia da República tem 230 deputados: 89 do PSD, 86 do PS, 19 do BE, 18 do CDS, 15 do PCP, 2 do PEV e 1 do PAN. Nesta sessão legislativa, que começou em setembro de 2016 e terminou a 19 de julho, houve um total de 109 sessões do plenário da Assembleia da República (realizadas habitualmente às quartas, quintas e sexta-feiras). Todos os anos, os serviços da Assembleia da República fazem o levantamento das faltas, justificadas e injustificadas, e da assiduidade de cada um dos deputados. Nunca em todos os anos de democracia parlamentar houve “chumbos”, ou perdas de mandato, por faltas — que aconteceria caso um deputado desse pelo menos quatro faltas sem justificação, mas, este ano, a deputada social-democrata Maria Luís Albuquerque esteve a um triz de chumbar.
Vamos aos números.
Quais foram os deputados mais faltosos?
Ao todo, este ano, houve um total de 1.517 faltas, sendo que os partidos maiores, PSD e PS, são naturalmente os que registam maior número de faltas. Em comparação, o CDS tem praticamente o mesmo número de deputados do que o Bloco de Esquerda mas os centristas deram bastante mais faltas do que os bloquistas: 151 contra 45. Já o PCP, que tem menos quatro deputados do que o Bloco de Esquerda, deu mais faltas do que os bloquistas: 58 contra 45.
Em média, e por cada sessão parlamentar, faltaram este ano 14 deputados. Número superior ao registado no ano passado, em que a média foi de 11 faltas. Já em 2015 a média foi maior, de 17 faltas por sessão, e em 2014 foi de 16 faltas por sessão parlamentar.
O PSD, o maior grupo parlamentar, com 89 deputados, é também o que mais faltas regista, 667, seguido do PS, com 86 representantes, e que tem 590. O CDS, com uma representação de 18 parlamentares, soma 151 faltas. Entre os partidos à esquerda, o Bloco de Esquerda, com 19 deputados, tem 45 faltas, menos do que o PCP, com 15 parlamentares e 58 faltas. O Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) tem dois eleitos e também duas faltas (ambas de José Luís Ferreira, em missão parlamentar). André Silva, único deputado do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), deu quatro faltas.
Mas há conceitos a ter em conta: o de faltas justificadas e injustificadas, sendo que o conceito de falta justificada engloba muitos subconceitos. “Considera-se motivo justificado a doença, o casamento, a maternidade e a paternidade, o luto, a força maior, a missão ou o trabalho parlamentar e o trabalho político ou do partido a que o deputado pertence, bem como a participação em atividades parlamentares“, segundo se lê no n.º 2 do artigo 8.º do Estatuto do Deputado. Com uma ressalva, que consta do n.º 4 do mesmo artigo: “em casos excecionais, as dificuldades de transporte podem ser consideradas como justificação de faltas”.
O motivo mais invocado, ao longo do ano, para justificar as ausências foram o trabalho político (170) e missão parlamentar (115).
Assim sendo, quem foram os mais faltosos? Eis o top 15.
- Teresa Caeiro (CDS): 41, uma por força maior, 31 por doença, cinco por trabalho político, duas por assistência à família, duas injustificadas;
- Paulo Pisco (PS): 36, duas por missão parlamentar, uma por força maior, 29 por trabalho político, duas por assistência à família, uma por luto e uma por trabalho parlamentar;
- Miranda Calha (PS):, 35, 34 por missão parlamentar, uma por trabalho político;
- Adão e Silva (PSD): 33, 32 por missão parlamentar, uma por força maior;
- Pedro Roque (PSD): 29, 24 em missão parlamentar, cinco por trabalho político;
- Carlos Costa Neves (PSD): 29, 14 por missão parlamentar, sete por doença, oito por trabalho político;
- José Cesário (PSD): 29, sempre por trabalho político;
- Carlos Alberto Gonçalves (PSD): 28, incluindo 19 em missão parlamentar, nove por trabalho político;
- Carlos Páscoa Gonçalves (PSD): 25, quatro por missão parlamentar, 21 por trabalho político;
- Luís Soares (PS): 21, 11 por trabalho político, dez por paternidade;
- Luís Campos Ferreira (PSD): 21, 15 em missão parlamentar, cinco por doença, uma por luto;
- Cristovão Simão Ribeiro (PSD): 20, quatro por trabalho político, 16 por paternidade;
- Isabel Galriça Neto (CDS-PP): 19, duas por missão parlamentar, uma por força maior, 16 por trabalho político;
- Ana Catarina Mendes (PS): 19, 11 por missão parlamentar, oito por trabalho político;
- Telmo Correia (CDS-PP): 19, 11 por missão parlamentar, duas por doença, cinco por trabalho político, uma por assistência à família.
Quais foram os mais assíduos?
No lado oposto ao dos faltosos, estão 34 deputados (15% dos 230) que nunca faltaram a nenhuma das 109 sessão plenária na Assembleia da República: 15 do PSD nunca faltaram a qualquer sessão, nove do PS também estiveram sempre presentes, sete do BE nunca faltaram e, tanto no CDS como no PCP e PEV apenas um deputado de cada bancada teve 100% de assiduidade.
Já quanto ao Presidente da Assembleia, Eduardo Ferro Rodrigues, teve nove faltas este ano, todas elas justificadas por missões parlamentares. Entre os líderes partidários que são deputados, Pedro Passos Coelho deu quatro faltas justificadas por trabalho político, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, deu igualmente quatro faltas por trabalho político e uma por doença, enquanto Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, deu duas faltas, uma para dar assistência à família e outra por trabalho político. À direita, Assunção Cristas, do CDS, teve oito faltas, todas elas justificadas com trabalho político.
Eis os mais assíduos de cada partido, isto é, os que nunca faltaram:
PSD: Paulo Neves, Maurício Marques, Firmino Pereira, Joel Sá, Fátima Ramos, Pedro Pimpão, José Silvano, Emília Cerqueira, Helga Correia, José António Silva, Jorge Paulo Oliveira, José Carlos Barros, Feliciano Barreiras Duarte, Carlos Silva, Pedro do Ó Ramos;
PS: Nuno Sá (na AR apenas desde maio), José Manuel Carpinteira, Luís Graça, Eurídice Pereira, Sandra Pontedeira, Santinho Pacheco, João Azevedo Castro, Ricardo Leão, Fernando Jesus
Bloco de Esquerda: Carlos Matias, Heitor de Sousa, Pedro Filipe Soares, Jorge Campos, Maria Manuel Rola, João Vasconcelos, Moisés Ferreira
CDS-PP: António Carlos Monteiro
PCP: Bruno Dias
PEV: Heloísa Apolónia
Quem esteve em risco de “chumbar” por faltas injustificadas?
À semelhança do que tem acontecido todos os anos, nenhum dos 230 deputados atingiu as quatro faltas injustificadas com que perderia o mandato.
A deputada social-democrata e ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque foi a única a atingir três faltas injustificadas. Mais uma e corria o risco de “chumbar” por faltas. Cenário que nunca aconteceu. Desde 1975, ano em que foi eleito o primeiro parlamento após a Revolução dos Cravos, nenhum deputado perdeu o mandato por faltas.
Das 1.517 faltas dadas, apenas 16 são faltas injustificadas. Segundo a alínea b) do artigo 3.º do Regimento da Assembleia da República, há perda de mandato “quando o deputado não tome assento na assembleia até à quarta reunião ou deixe de comparecer a quatro reuniões do plenário por cada sessão legislativa, salvo motivo justificado”.
Mas a “sanção” não fica por aqui: segundo o artigo 23.º do estatuto do deputado, deve ser descontado 1/20 do vencimento mensal do deputado por cada falta, nas três primeiras, e 1/10 nas seguintes.
Eis os deputados com faltas injustificadas:
Maria Luís Albuquerque (PSD): 3
Maria Antónia Almeida Santos (PS): 2
Miguel Morgado (PSD): 2
Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP): 2
João Almeida (CDS-PP): 2
Teresa Caeiro (CDS-PP): 2
António Leitão Amaro (PSD): 1
José Manuel Pureza (BE): 1
Cecília Meireles (CDS-PP): 1
As histórias das faltas: faltas encapotadas e faltas para ir à bola
Embora desde que a Assembleia Constituinte tomou posse pela primeira vez, em 1975, nunca tenha havido perda de mandatos por faltas ao longo dos anos, o tema das faltas já fez correr muita tinta. As polémicas têm anos, a discussão foi muitas vezes tensa e há alguns episódios caricatos.
Em 2002, depois de um debate sobre Europa, com pouquíssimos deputados, o então presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, chegou a ameaçar faltas injustificadas a quem não estivesse no hemiciclo do Palácio de São Bento.
Outro presidente do parlamento, Almeida Santos, dois anos antes, em 2000, admitiu vetar a presença de jornalistas depois de o semanário “Expresso” ter publicado uma foto de um hemiciclo quase vazio durante um debate – era uma sexta-feira. O “Tal & Qual” foi ver os mapas de faltas e descobriu que em 4 de fevereiro de 2000, 42 deputados fizeram “gazeta”.
No caso de Mota Amaral a ameaça nunca chegou a ser concretizada, abrindo-se, isso sim, uma discussão sobre as maneiras de justificar as ausências. No caso de Almeida Santos, o histórico socialista pediu desculpa aos jornalistas e tudo continuou como dantes.
Mas 2001 foi um ano tumultuoso depois de, em julho, o Diário de Notícias noticiar que 30 deputados deram mais do que as quatro faltas injustificadas permitidas pelo regimento e que, por isso, como dizia o título, estavam “chumbados por faltas”. Os recordistas eram José Lamego, do PS, com 18, e Henrique Chaves, do PSD, com 15. À esquerda, não havia deputados “chumbados”. Apesar da polémica, as direções do PSD e do PS recusaram qualquer sanção aos faltosos.
Uma semana depois, o Expresso noticiava que apenas dois não tinham justificado a ausência. E o DN explicava existir “uma espécie de reação corporativa” na Assembleia: mesmo que os deputados não apresentassem as justificações em tempo útil, elas acabavam por ser aceites. Conclusão: nenhum deputado perdeu o direito ao cargo em São Bento.
Passados alguns meses, em outubro de 2001, registou-se mais um episódio. Marcelo Rebelo de Sousa, que deixara de ser líder do PSD dois anos antes e era comentador político, levantou a dúvida sobre se uma lei que precisava de maioria reforçada, a Lei de Programação Militar, tinha obtido, de facto, os 116 votos necessários. Porquê? Tinha faltado um deputado do PS.
O problema foi resolvido depois de António Marqueiro, assim se chamava o deputado do PS, ter dado a palavra de honra de ter estado no hemiciclo no momento da votação, tendo como testemunhas o líder parlamentar socialista, Francisco Assis, e o secretário da mesa, Artur Penedos, também socialista.
O tom das acusações subiu. Marcelo Rebelo de Sousa chegou a acusar Almeida Santos, presidente da Assembleia, de esconder uma violação da Constituição. O clima em torno das faltas era tal no Parlamento que, em novembro de 2001, o jornal Público titulou “Deputados sequestrados no plenário”, tal era o controlo de quem entrava e quem saia do hemiciclo durante o debate do Orçamento do Estado de 2002.
“Estamos aqui sequestrados pelo professor Marcelo Rebelo de Sousa”, atirou o socialista Manuel Alegre, aplaudido pelo PS, mas também por deputados do PSD e do CDS. Fez-se um grupo de trabalho para tentar resolver o problema das faltas e em 2003 foram alargados os motivos para justificar as ausências. Passou a ser possível invocar “força maior”, “motivo justificado”, além do “trabalho político” e “trabalho parlamentar”, justificações que se mantêm até hoje.
O futebol também atravessou a polémica das faltas: 30 deputados faltaram ao plenário para assistir à final da Taça UEFA, em Sevilha, entre o FC Porto e o Glasgow, em maio de 2003. Mota Amaral, presidente do Parlamento, não aceitou a justificação dada pelos deputados.
O ano de 2006 foi, de novo, um ano crítico com o problema das faltas. Em 12 de abril, vésperas da Páscoa, 110 deputados faltaram às votações. O debate aqueceu outra vez e um deputado do PS, Ricardo Gonçalves, chegou a propor que os parlamentares apresentassem um pedido de desculpas públicas, mas a direção socialista recusou.