É inegável o uso maciço que hoje damos às redes sociais e ao tempo que gastamos em aplicações para tudo e mais alguma coisa. Uma das mais recentes chama-se Sarahah, mas o conceito não é novo. A “febre” ganhou dimensão nos últimos dias e não mostra sinais de grande abrandamento, como se pode ver através da evolução do número de pesquisas do termo “Sarahah” no Google.
O fenómeno está a somar seguidores e já atingiu o pódio das aplicações mais descarregadas em vários países, ultrapassando grandes aplicações como o YouTube ou o Instagram. Mas o que pode esconder uma aplicação que visa receber opiniões alheias de forma anónima? Vamos por partes.
O conceito
“Get honest feedback from your coworkers and friends”, é assim que a aplicação se apresenta. Ou seja, para receber opiniões de amigos e de colegas de trabalho. Mas o Sarahah – que significa “honestidade” em árabe – tem sido muito mais do que isso. O conceito é simples: um utilizador regista-se e a partir daí pode receber comentários anónimos.
O objetivo é, segundo a aplicação, o de conhecermos os nossos pontos fortes e melhorar as áreas em que não somos tão bons, através de opiniões anónimas.
Mas como funciona?
O utilizador que se registe na aplicação vai ficar com um link URL, por exemplo, utilizador.sarahah.com. Esse link terá depois de ser partilhado, caso contrário não há maneira de se chegar ao perfil, já que não é “pesquisável”.
“Deixe uma mensagem construtiva”, é o convite que nos é deixado quando acedemos a um perfil. Só o utilizador é que pode ver os comentários que lhe são deixados e não existe possibilidade de resposta – pelo menos na app.
Isto porque a tendência tem sido responder aos comentários através das histórias no Instagram – os designados Instastories. O utilizador tira uma captura de ecrã – o vulgar print screen – e partilha-o nas histórias, escrevendo a resposta a essas perguntas.
“O vício do elogio”
Mas o que leva um jovem adolescente a submeter-se ao escrutínio de anónimos? Para a psicóloga Bárbara Ramos Dias, trata-se, sobretudo, de problemas de “autoestima”, tanto de quem tem a app como de quem a utiliza para rebaixar outros utilizadores. No caso de quem se sujeita às “avaliações anónimas”, Bárbara considera-as pessoas “inseguras consigo mesmas” e pessoas que ambicionam ser conhecidas por “tudo e mais alguma coisa”. “Fazem de tudo para dar nas vistas. Pode é dar errado“, afirma Bárbara Dias ao Observador.
Na opinião da psicóloga, o interesse da aplicação para os jovens adolescentes parte por querer saber “o que os outros acham, o que é que eles irão dizer”, mas também é uma maneira de se obter “likes” e de promoção da própria pessoa – uma forma de se sentirem “seguros”, “importantes” e, sobretudo, “para obterem o reconhecimento do outro”. Para muitos dos casos, acredita que se trata de um vício: “o vício do elogio”.
É o vício do vazio pelo outro. A moda deles é esta: serem reconhecidos por pessoas diferentes, por pessoas que não conhecem”, diz Bárbara Ramos Dias.
A prática levanta, no entanto, alguns perigos. Por um lado, verifica-se uma perda (maior) de autoestima de quem recebe os comentários depreciativos de outras pessoas. Por outro lado, existe o perigo de os próprios utilizadores passarem a ser reconhecidos pelas piores razões. “Pode acontecer passarem a ser reconhecidos pelos pares através de certos comentários que lhes são apontados”, admite a psicóloga.
O que diz quem utiliza o Sarahah
Fomos tentar perceber o que leva os utilizadores a experimentar o Sarahah e qual tinha sido o feedback. A maioria teve conhecimento da aplicação através de amigos e através de outros utilizadores que partilhavam as respostas através de prints nos Instastories.
Foi o caso de Iuri, 20 anos, que viu algumas dessas partilhas da aplicação no Instagram. “Achei graça e acabei por querer experimentar. Achei que podia ser divertido ver as opiniões que as pessoas me tinham a dar”, conta ao Observador. Confessa que teve um feedback positivo e que os comentários que recebeu eram “maioritariamente elogios”.
Mariana, de 23 anos, teve uma experiência semelhante já que os únicos comentários que teve foi de crianças de quem foi monitora numa colónia de férias. No seu caso, os comentários não eram anónimos porque os autores assinavam essas perguntas, mas, confessa, já teve conhecimento de comentários inapropriados.
Mas nem todos têm essa sorte. Tiago, 20 anos, conta-nos que instalou o Sarahah porque queria ver o tipo de perguntas que as pessoas lhe fariam. “Houve várias perguntas sobre sexo e basicamente eram todas assim. De 50 e tal perguntas, a maioria era de teor sexual”, relata-nos. Depois de alguns dias a experimentar o Sarahah, Tiago já a desinstalou. “Não estava interessado em responder a mais esse tipo de perguntas. Quando vi que não passava disso, decidi parar com a app”.
A experiência de Nuno, 22 anos, também é semelhante à de Tiago. Diz-nos que instalou por curiosidade, e que chegou a receber mensagens que eram apenas opiniões acerca dele, mas que “a maioria era de caráter sexual e físico”. Ainda assim, garante, não teve comentários ofensivos.
Os utilizadores com quem falamos apontam a curiosidade como a principal razão para instalar o Sarahah, sobretudo em saber “o tipo de perguntas que as pessoas me tinham a fazer”, como nos contou Iuri. O próprio considera que a principal razão para se instalar esta aplicação tem a ver com o interesse de as pessoas quererem saber o que outros “acham sobre nós”. “Achei que podia ser divertido ver as opiniões e perguntas que as pessoas me tinham a fazer”, confessa.
O fenómeno repete-se
Este conceito de “portal aberto” com perguntas anónimas não é novo. Em Portugal, por exemplo, o ask.fm teve os seus minutos de fama em 2013. O sucesso deu-se sobretudo entre os mais jovens, e o site rapidamente passou a um portal de bullying cibernético e de ofensas anónimas.
Desde agressões verbais pessoais, físicas e até a familiares, vários foram os casos que ganharam projeção, como neste exemplo de uma jovem de Cascais cuja pronúncia foi atacada por um utilizador em anónimo. A resposta não tardou e rapidamente se tornou viral.
https://www.youtube.com/watch?v=OtXzGndj3Es
O que fazer então nestes casos? Para Bárbara Dias tudo passa por uma “moderação” no uso que é feito das redes e deste tipo de aplicações. “Não podemos dizer para eles não usarem, porque eles vão usar. A proibição é a pior coisa”, diz-nos. A prevenção, diz Bárbara, terá de partir de uma educação, ou seja, em “educar na forma como se devem usar as redes sociais, de modo a não haver perigo”.