As conclusões da auditoria da Inspeção-geral da Administração Interna (IGAI) ao SIRESP, que a ministra da Administração Interna tem em mãos, limitam-se a apontar os “procedimentos” que devem ser adotados na operação daquele sistema de comunicações. Por isso, um mês e meio depois de, pelo menos, 64 pessoas terem perdido a vida em Pedrógão Grande, Constança Urbano de Sousa vai apenas anunciar, esta quarta-feira, em conferência de imprensa, a abertura de um novo inquérito — desta vez para apurar “eventuais responsabilidades” no incêndio de junho. “Nem significa que haja, necessariamente, responsabilidades” nas decisões tomadas, admite ao Observador fonte do Governo.

Depois de a IGAI ter feito uma “análise macro” ao SIRESP — que contratos existem e que entidades têm responsabilidades na operação daquele sistema de comunicação –, a ministra vai agora ordenar um novo inquérito à mesma IGAI. Ou seja, para já, não há culpados nesta história. E pode nem chegar a haver. “As insuficiências que possam estar apontadas nas conclusões da auditoria da IGAI não indicam que haja lugar à instauração de um processo disciplinar”, diz a mesma fonte. A edição online do Expresso dizia, esta quarta-feira, que a IGAI recomendava a instauração de um processo disciplinar ao secretário-geral-adjunto da Administração Interna, Francisco Gomes.

Ministra ordena estudo e auditoria ao SIRESP

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O relatório da IGAI, segundo o Observador pode apurar, faz referência ao secretário-geral-adjunto da Administração Interna. Mas apenas para indicar que é Francisco Gomes quem, no ministério de Constança Urbano de Sousa, coordena a rede de comunicações das várias forças de segurança e socorro, como a PSP, a GNR, a Proteção Civil, os Bombeiros, entre outros. Contactado, o gabinete de comunicação do MAI recusou-se a confirmar ou negar a informação da instauração de um processo disciplinar a Francisco Gomes, remetendo mais explicações para a conferência de imprensa que a ministra Urbano de Sousa dá, esta quarta-feira à tarde, no ministério.

Nessa conferência de imprensa, a ministra vai ainda fazer um balanço das mudanças introduzidas no SIRESP desde o grande incêndio de Pedrógão Grande. Entre essas mudanças está a entrada em ação de duas novas unidades móveis, acionadas quando são detetadas falhas de funcionamento nas antenas fixas do sistema. Na Assembleia da República, o MAI — através da ministra e do secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, — avançaram que tinha sido feito um reforço da cobertura da rede SIRESP em vários pontos onde tinham sido detetadas fragilidades (por exemplo, o Aeroporto de Lisboa e Metro do Porto). Foi também instalado serviço de georeferenciação em todos os rádios SIRESP, disse o secretário de Estado, no final de junho.

O passa-culpas das várias entidades

A (des)responsabilização sobre os acontecimentos de Pedrógão Grande ficou expressa nos relatórios pedidos pelo primeiro-ministro e produzidos pela SGMAI, ANPC e GNR.

A secretaria-geral do MAI abriu as hostilidades. “A ANPC, ao verificar que a situação se estava a tornar excecional, requisitando mais meios de combate ao incêndio, deveria também em simultâneo ter solicitado preventivamente a mobilização da estação móvel em tempo útil, mesmo antes de alguma estação rádio fixa se encontrar em modo local”, escreveu Francisco Gomes.

O responsável pela gestão do SIRESP refere que recebeu duas comunicações dando conta da falha do sistema de comunicações — uma às 21h15 e outra 14 minutos mais tarde. Mas, acrescentava, “nesse momento era já impossível ter a estação móvel em Pedrógão Grande a tempo de ajudar a minorar as ocorrências que resultaram em mortes”.

Pedrógão Grande. A quadrilha de acusações e comunicados que parece tirada do poema de Drummond de Andrade

O presidente da Autoridade Nacional da Proteção Civil respondeu menos de uma semana depois. Na carta que enviou ao Governo, Joaquim Leitão refere que só às 21h12 do dia 17 de junho recebeu da SGMAI a primeira indicação de que três estações SIRESP tinham revelado problemas: as estações de Serra da Lousã, de Malhadas e de Pampilhosa da Serra. Não a de Pedrógão Grande.

Segundo os dados do SIRESP, as falhas na estação de Pedrógão Grande começaram a verificar-se antes das 20h e foi já perto das 22h que o equipamento entrou em modo local.

Sendo a secretaria-geral da Administração Interna a gestora da rede SIRESP, a questão que se coloca é o motivo para a não comunicação atempada à ANPC desse facto e o porquê de, nessa altura (19h38) não terem sido acionadas as estações móveis para a região afetada”, escreveu Joaquim Leitão.