O ‘Huaweigate’ — caso em que vários políticos fizeram viagens à China pagas pela empresa Huawei — pode fazer a primeira baixa no Governo de António Costa. O adjunto do secretário de Estado das Comunidades, Nuno Barreto, fez uma viagem à China em que a estadia foi paga pela empresa chinesa em janeiro de 2017, já depois de o Governo ter aprovado um Código de Conduta que proíbe governantes e membros de gabinetes de aceitarem ofertas superiores a 150 euros. Fonte oficial do ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) foi clara a antecipar, em resposta ao Observador, o que poderá acontecer a Barreto: “Se o adjunto em causa tiver desrespeitado o limite aí fixado, estar-se-á perante um caso de violação de deveres, incompatível com a continuidade do exercício de funções.”

Ora, o próprio Nuno Barreto admitiu em declarações ao Observador que a estadia (hotel e refeições) nos vários dias em que esteve na China foi paga pela Huawei, embora tenha pago as viagens de avião. Está assim reunida a condição necessária para o membro do gabinete de José Luís Carneiros ser afastado: aceitou uma oferta superior a 150 euros. A mesma fonte oficial do MNE disse que o Código de Conduta do Governo — aprovado num Conselho de Ministros chefiado pelo ministro Augusto Santos Silva — “estabelece com clareza as condições em que a eventual aceitação de bens constitui um condicionamento dos princípios do exercício de cargos públicos”.

O adjunto não será afastado porque a garantia que deu ao Observador é insuficiente para tomar a decisão: é preciso que o próprio o confirme ao governante que o tutela. No entanto, o ministério está a avaliar se há razões para a saída. “O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, de cujo gabinete o referido adjunto faz parte, pediu-lhe a informação necessária para determinar se houve ou não essa violação, a qual se aguarda“, explica a mesma fonte oficial do MNE. A tutela garante ainda ao Observador que nem Augusto Santos Silva nem José Luís Carneiro tinham, até agora, conhecimento da ida do adjunto à China.

O Código de Conduta do Governo — aprovado em setembro de 2016 — estabelece que “existe um condicionamento da imparcialidade e da integridade do exercício de funções quando haja aceitação de bens de valor estimado igual ou superior a € 150”. O mesmo código “vincula todos os membros do XXI Governo Constitucional e os membros dos respetivos gabinetes“.

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O próprio Nuno Barreto tenta justificar a ida à China com o facto de se encontrar de férias naquele período. Em resposta ao Observador, o adjunto esclarece que viajou “a título pessoal e, portanto, da reserva íntima, e no gozo do período de férias“. O membro do gabinete explica que “a mesma foi de facto a convite de um amigo” e não da empresa, o que ainda adensa mais o mistério, já que Nuno Barreto sabe que foi a Huawei a pagar mas recusa-se a esclarecer quem foi o amigo. O adjunto insiste que este é um “assunto do foro estritamente pessoal e reservado”.

Filho de dirigente do PS apresentou livro de cacique do PSD

Nuno Barreto foi na viagem à China em janeiro de 2017. Nessa mesma deslocação, como noticiou o Observador a 4 de agosto, seguiu o presidente do Conselho de Administração da Informantem, Henrique Muacho, o vereador do PS na câmara de Odivelas, Paulo César, e o vice-presidente do PSD/Lisboa, Rodrigo Gonçalves.

‘Huaweigate’. Vereador do PS e um dos maiores caciques do PSD/Lisboa juntos na China

No mês seguinte à viagem, Nuno Barreto foi convidado para apresentar o livro de Rodrigo Gonçalves, “Política de A a Z”, escrito em coautoria com Pedro Correia, na apresentação realizada em Braga. Ao Observador, embora não tenha esclarecido quem foi o “amigo” que o convidou para ir à China, o socialista fez questão de esclarecer que não foi Rodrigo Gonçalves.

Nuno Barreto (o primeiro da esquerda para a direita) com Marques Mendes e Rodrigo Gonçalves na apresentação do livro “Política de A a Z”. (Foto do Facebook de Nuno Barreto)

Nuno Barreto pertence à Federação Distrital do PS de Braga que é liderada pelo seu pai, Joaquim Barreto. Fez também parte da comissão política da federação. O militante socialista foi nomeado técnico especialista para “realizar estudos e trabalhos técnicos específicos em matéria de relações institucionais” pelo secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro a 9 de dezembro de 2015.

Tem um salário de 3 455,78 euros na secretaria de Estado. Não é licenciado, mas — segundo a nota curricular publicada em Diário da República — frequentou o curso de Gestão de Recursos Humanos na Universidade Lusófona. Foi bancário no BES e no Novo Banco entre 2003 e 2015. Neste período exerceu as funções de assessor do gabinete do secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, de novembro de 2009 a junho de 2011, foi membro do Conselho Consultivo da Juventude, da Comissão Interministerial da Juventude e do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural. Entre julho de 2011 e 2013 desempenhou os cargos de vogal do Conselho de Administração da Fundação Bracara Augusta, entidade gestora de “Braga 2012: Capital Europeia da Juventude”. Nuno foi também dirigente da JS de Braga.

Nuno Barreto com Cavaco Silva em 2012, ano em que Braga foi Capital Europeia da Juventude.

A empresa Huawei pagou viagens à China (a alguns voos, a outros voos e estadia) a diversos responsáveis políticos e titulares de cargos públicos. Até agora o Observador apurou que viajaram à China o vice-presidente da bancada do PSD, Sérgio Azevedo, o presidente da junta de freguesia da Estrela, Luís Newton, o presidente do PSD/Oeiras, Ângelo Pereira, o vice-presidente do PSD/Oeiras, Nuno Custódio, o presidente da câmara municipal de Oeiras, Paulo Vistas, o vice-presidente do PSD/Lisboa, Rodrigo Gonçalves, e um ex-diretor do Instituto de Informática da Segurança Social, João Mota Lopes.

Deputado, vereador e presidente de junta do PSD viajam à China pagos pela Huawei