Sabe-se que o juiz Nuno Tomás Cardoso — que rejeitou a candidatura de Isaltino Morais à câmara de Oeiras — é afilhado de casamento de Paulo Vistas, que decidiu no último dia antes de ir de férias e que o principal problema que levantou está relacionado com as assinaturas dos proponentes da lista. Mas, afinal, o que está em causa? O Observador consultou o despacho, os dossiers com as assinaturas das três candidaturas independentes, o manual da CNE e a lei e, resumindo, a candidatura foi rejeitada por culpa do cabeçalho das folhas.

Os argumentos do juiz: o que diz o despacho

O juiz considera que os cidadãos, no dia em que assinaram, não tiveram acesso — na folha em que colocaram os seus dados e a respetiva rubrica — ao nome de todos os candidatos. Nuno Tomás Cardoso considera esse detalhe obrigatório por lei, utilizando para fundamentar essa decisão antigos acórdãos do Tribunal Constitucional.

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No despacho, o juiz explicou que “as declarações de propositura apresentadas não identificam em qualquer local do seu texto, os cidadãos candidatos que integram a lista.” Acrescentou ainda que “nem no anverso nem no verso, existe qualquer identificação de candidatos, ou qualquer folha anexa, não obstante as referidas folhas para ela remeterem”. No “verso” foi, aliás, onde colocou os nomes Paulo Vistas.

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Ora, consultando as folhas de Isaltino, de facto, na folha em que as assinaturas fora feitas apenas aparece o nome do primeiro proponente: Isaltino Afonso Morais. O candidato, como o Observador verificou, entregou 27 dossiers com assinaturas para a câmara e cada bloco de assinaturas tinha três folhas com a identificação dos 19 candidatos (efetivos e suplentes).

Frente e verso de uma das milhares de folhas entregues por Isaltino Morais.

Além destas folhas, Isaltino entregou depois 27 vezes repetida uma lista em três folhas com os 19 candidatos.

Lista que Isaltino entrega 27 vezes

No entanto, o juiz considera que isso não chega, já que “nada permite concluir que as listas contendo a identificação dos candidatos e que constam em cada pasta do processo de candidatura tenham sido exibidas aos cidadãos eleitores aquando da recolha das declarações de propositura, o que determina a falta de um pressuposto legal da própria constituição do grupo de cidadãos eleitores”. Ou seja: nada garante que no momento em que as pessoas assinaram, sabiam quem eram os 19. Mas também nada garante que não sabiam.

O juiz vai então à jurisprudência do Tribunal Constitucional, citando um acórdão de 2005 que fala na necessidade de “identificação da lista candidata no cabeçalho”; um outro de 2009 que diz que a declaração de propositura só seria válida se “qualquer documento a ela anexo (com o qual a declaração formasse um todo incindível) constasse alguma lista, o que não ocorreu”; e ainda outro de 2013 com os mesmos argumentos. Ora um todo “incindível” efetivamente Isaltino não apresentou já que a lista dos 19 pode ser separada das folhas de assinatura. Resta a questão: a lei eleitoral exige isso?

A lei diz — no ponto 3 do artigo 19.º — que “os proponentes devem subscrever declaração de propositura da qual resulte inequivocamente a vontade de apresentar a lista de candidatos dela constante.” No entendimento do juiz, por o cabeçalho (ou o verso da folha) não ter o nome dos 19 candidatos, as pessoas não demonstraram “inequivocamente” essa vontade.

A candidatura de Isaltino — que apresentou esta quinta-feira a reclamação (que será decidida pelo mesmo juiz) — está a escudar-se no facto todas as folhas de assinaturas (ver em cima) dizerem que “os abaixo assinados declaram, por sua honra, apoiar a lista de candidatos à eleição acima identificada, constituída pelos cidadãos que constam da lista anexa e encabeçada por Isaltino Morais”. Ora, se os cidadãos declararam pela sua honra ter visto a lista, esta é, no entender da candidatura de Isaltino, uma prova inequívoca que o juiz decidiu mal.

Juiz rejeitou candidatura de Isaltino no último dia de turno

Quem melhor seguiu o exemplo da Comissão Nacional de Eleições?

Tendo como bitola o Manual de Candidatura de Grupos de Cidadãos Eleitores disponibilizado pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) o que mais se aproxima do “modelo exemplificativo” é o de… Isaltino Morais.

Modelo exemplificativo da CNE foi o seguido por Isaltino Morais.

O modelo que a CNE dá como exemplo só tem o primeiro proponente na folha de rosto e não a lista de candidatos completa como exige o juiz. A CNE destaca que os modelos são “meramente exemplificativos” e que a competência da decisão é dos tribunais. O problema é que a CNE poderá, caso Isaltino seja excluído, ter induzido em erro esta e centenas ou milhares de outras candidaturas pelo país.

No próprio manual, e não nos exemplos, a CNE explica que “cada folha de subscrição deve repetir o cabeçalho com indicação da eleição, da denominação do GCE [Grupo de Cidadãos Eleitores], do órgão a que apresenta candidatura e elementos de identificação do ‘primeiro proponente’. Tudo isto, Isaltino tinha na folha, já que em nenhum momento é indicada a necessidade de estar em todas as folhas a lista completa de candidatos.

O que fez Paulo Vistas?

Ao contrário de Isaltino Morais, a candidatura de Paulo Vistas (Independentes, Oeiras Mais à Frente) tinha em todas as folhas a lista com os 19 candidatos no verso. O facto de estar no verso da página torna a lista “incindível” porque não se pode separar da frente da folha, onde estão as assinaturas. Ou seja: tudo o que o juiz exigiu a Isaltino, Paulo Vistas fez escrupulosamente.

Frente e verso das folhas de assinaturas de Paulo Vistas. No verso, todas têm a lista dos 19 candidatos.

Paulo Vistas foge ao exemplo que a CNE dá, mas corresponde a todas as exigências do juiz Nuno Tomás Cardoso, que viabilizou a candidatura do movimento “Independentes, Oeiras Mais à Frente”.

O juiz foi coerente com a decisão? Sim e não.

Foi coerente com as decisões que tomou esta terça-feira, incoerente com a decisão tomada há quatro anos. De acordo com o Público, Nuno Tomás Cardoso terá utilizado o mesmo argumento numa decisão em sentido contrário, quando em 2013 recusou um pedido de impugnação contra a lista Isaltino, Oeiras Mais à Frente (IOMAF) que na altura integrava Paulo Vistas e Isaltino Morais, respetivamente para presidentes da câmara e da Assembleia Municipal.

Mas neste processo eleitoral em concreto há mais um movimento que serve para comparar critérios. O mesmo juiz recusou a terceira candidatura independente à Câmara Municipal de Oeiras: o Movimento Independente Renascer Oeiras. O Observador também consultou os dossiers da candidatura Renascer, encabeçada por Rui Costa Santos, que foi igualmente rejeitada por Nuno Tomás Cardoso.

A tipologia da folha apresentada pelo grupo Renascer Oeiras é parecida com a de Isaltino Morais, já que só tem o primeiro proponente na folha das assinaturas. Com uma diferença: não tem a lista dos 19 candidatos por cada dossier. No entanto, também tem uma folha-tipo idêntica ao exemplo dado pela CNE. A justificação dada pelo juiz para a rejeição é exatamente a mesma: “As declarações de propositura apresentadas (…) não demonstraram uma vontade inequívoca dos seus proponentes de subscrever qualquer lista de candidatos”.