Uma equipa de cientistas anunciou o nascimento de leitões cuja informação genética viral incorporada no ADN foi desativada utilizando a ferramenta CRISPR. Ainda esta semana, esta mesma ferramenta permitiu a histórica edição genética de embriões humanos, livrando-os de uma doença cardíaca genética grave, mas muito comum. Se esse processo de correção genética em porcos se tornar mais generalizada, os órgãos dos animais podem passar a ser transplantados para humanos.
Quando alguém precisa de substituir o coração, os pulmões ou os rins, tem de procurar um doador que seja compatível. Só em casos muitos particulares é que esses órgãos podem ser doados por pessoas vivas, por isso não estão a ser doados órgãos suficientes que respondam ao número de pessoas que precisam de receber novos corações ou pulmões, por exemplo. Como a anatomia dos porcos é muito semelhante à dos humanos, até mesmo em tamanho, torná-los doadores de órgãos poderia colmatar essa falta de tecidos para transplante.
Até agora, isso não era possível porque a informação genética dos corpos incorpora genes vindos de vírus chamados retrovírus endógenos. Algumas dos micróbios que os porcos transportam podem ser eliminados através de químicos ou de vacinação, mas quando a informação genética viral está incorporada no ADN dos porcos — porque é transmitida através do espermatozoide ou do óvulo dos progenitores — ela resiste a qualquer medicamento. Sempre que ps cientistas tentaram desenvolver células de porco e de humano juntos em laboratório, esses vírus conseguiram entrar nas células humanas. Isso significava que, se um coração de porco fosse posto no corpo humano, os vírus passariam para o nosso organismo e poderiam causar doenças tão graves quanto o cancro.
Agora, os investigadores da eGenesis, uma empresa de biotecnologia, encontrou uma forma de contornar esse problema. Através de uma ferramenta chamada CRISPR, que permite recortar uma parte danificada e bem identificada do ADN e substituir por nova informação saudável, os cientistas desativaram a informação genética incorporada por retrovírus no material genético de embriões de porcos. A seguir, implantaram esses embriões no útero de porcas e esperaram que eles nascessem. Todos eles se desenvolveram: 37 nasceram e 15 deles ainda continuam vivos. O mais velho tem 4 meses. Estes números ainda não indicam que a taxa de mortalidade dos porcos aumenta quando o ADN é alterado, porque é normal que os leitões morram de infeções quando ainda são muito novos.
Este é um passo muito importante, mas outro igualmente essencial já foi dado em 2002 quando uma equipa conseguiu alterar a membrana das células dos porcos. O objetivo foi bloquear uma molécula que faria com que as células fossem rejeitadas depois de introduzidas no corpo humano. Agora que os dois organismos são imunologicamente mais parecidos, é possível que, depois de estudar melhor estes processos e conhecendo os seus efeitos secundários, seja possível transplantar órgãos de porcos para humanos.
Nada disto vai acontecer brevemente. Primeiro porque o CRISPR, embora se tenha mostrado cada vez mais eficaz, é um processo novo que ainda precisa de ser mais desenvolvido. Depois, porque qualquer experiência científica precisa de um extenso estudo da comunidade científica para ser testada em humanos. Além disso, esta experiência só conseguiu desativar uma das informações genéticas virais: o ADN dos porcos tem muito desse material viral e qualquer um pode continuar a ser transmitido para o organismo das pessoas. O risco de cancro ainda não foi completamente eliminado.