Era hoje. Tinha de ser hoje. Há 20 anos, Portugal conseguiu quatro medalhas nos Campeonatos do Mundo no meio-fundo e no fundo. O ouro de Carla Sacramento nos 1.500 metros, a prata de Manuela Machado na maratona, a prata e o bronze de Fernanda Ribeiro nos 10.000 e nos 5.000 metros, respetivamente (primeira atleta nacional a fazer dois pódios nos Mundiais). Agora, a realidade é bem diferente e as maiores esperanças nacionais, mesmo que mais reservadas do que eram antigamente, passam pelas disciplinas técnicas. Em específico, no triplo salto. Patrícia Mamona e Susana Costa ficaram fora do top-8 na final. Como seria com Nelson Évora, o único português a ganhar medalhas em Mundiais de 2005 para cá?

Nelson encontra-se num ano de transição. Mudou de clube, mudou de treinador, mudou o local de residência. Tem 33 anos. Mas ninguém poderá mudar um currículo de excelência. Um ouro olímpico, as três medalhas em Campeonatos do Mundo, o bronze no Mundial de Pista Coberta, os ouros nos Europeus de Pista Coberta. É por isso que, ainda hoje, nas análises da final, ninguém exclui o português. No entanto, os tempos mudaram e a “aliança” Estados Unidos-Cuba no triplo tornou-se demasiado forte para ser furada por alguém.

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O sorteio ditou que quem começaria o concurso era o dominicano Yordanys Durañona. Por aqui, não deveria existir problema. Mas logo a seguir vinha o americano Chris Benard, uma das grandes revelações do ano (foi vice-campeão nacional) e que passou sem problemas à final no primeiro salto com 17,20. Lázaro Martínez (bicampeão mundial júnior de Cuba), Alexis Copello (Azerbaijão), Jean-Marc Pontvianne (França) e Ruiting Wu (China) eram os atletas seguintes antes de Nelson Évora. Ou seja, e por sorteio, os grandes candidatos às medalhas ficaram para o final: o favorito Christian Taylor (11.º), depois do também americano Will Claye (oitavo) e do cubano Andy Díaz (décimo) e antes de Cristian Nápoles (Cuba).

Havia duas grandes diferenças entre a final do triplo salto feminino e masculino: 1) enquanto Patrícia e Susana não costumam dar-se bem em Mundiais (e a primeira esteve muitíssimo bem nos Jogos, batendo o recorde nacional), Nelson já ganhou o ouro em 2007, a prata em 2009 e o bronze em 2013; 2) enquanto a prova feminina ia ser aberta a três grandes candidatas à principal medalha a grande distância de todas as rivais, a masculina tinha um grande favorito ao ouro (Christian Taylor), um grande favorito às medalhas (Will Claye) e quatro potenciais medalhados além destes, entre os quais Nelson Évor. Estavam lançados os dados para a grande esperança portuguesa num pódio a três dias do final dos Mundiais.

Duranona começou o concurso com 16,42, longe dos 16,71 de qualificação e dos 17,02 de máximo da época. Seguiu-se Benard com uma tentativa modesta de 16,88, ele que tinha conseguido 17,20 logo no primeiro salto de segunda-feira. Martínez, o cubano, teve um salto nulo. Alexis Copello foi o primeiro a passar a barreira dos 17 metros: 17,16, uma surpresa neste contexto mas que passou para a frente com o melhor registo da temporada. Pontvianne também fez nulo. Wu era o último a saltar antes de Nelson, ficando-se pelos 16,47. O português foi o segundo a passar a fasquia dos 17 metros, com um 17,02 que, à partida garantiria a passagem aos melhores oito. Will Claye foi para a frente do concurso com 17,54, Torrijos ficou com 16,60, Andy Díaz chegou aos 17,13, Christian Taylor quedou-se pelos 16,97 e Nápoles teve um salto nulo. Nelson acabou a primeira ronda na quarta posição.

No segundo salto, o português melhorou a marca e chegou aos 17,19, ficando de forma provisória na segunda posição. Christian Taylor passou a liderar com 17,57 mas Nelson conseguiu terminar a série na terceira posição, até porque houve cinco nulos (como Andy Díaz ou Nápoles). Contas feitas, confirmava-se mesmo o favoritismo dos americanos mas os cubanos estavam a ter uma prestação abaixo do esperado e ainda houve a surpresa inicial de Copello na primeira tentativa (que a seguir fez dois nulos seguidos).

Na terceira série de saltos, Duranona voltou a fazer nulo e ficou afastados dos oito primeiros classificados, Benard melhorou apenas ligeiramente o seu registo (16,94) e Lázaro Martínez caiu também do top-8. Com os 16,79, Pontvianne passou para a frente de Wu e ficou “livre” do que pudesse fazer Nápoles, ainda sem qualquer marca válida. Nelson não conseguiu melhorar a sua marca (fez 16,58), mas a primeira meta estava atingida: passar para os últimos oito. Torrijos, que se ficou pelos 16,60 de melhor registo, e Wu foram outros “cortados”, porque Nápoles saltou a 17,16, igualando Copello na quarta posição. De resto, Claye passou para a frente com 17,63, Taylor respondeu com 17,68 e o cubano Andy Díaz somou mais um nulo.

Com a ronda final, a ordem de saltos mudou. Pontvianne fez nulo. De seguida, Benard também voltou a saltar nulo e manteve a sétima posição. E parecia mesmo uma onda: saltou Andy Díaz, registou-se mais um nulo. Copello foi o primeiro com uma tentativa válida, mas também não melhorou os 17,16, ficando pelos 16,87. Nápoles fez nulo e Nelson Évora já sabia que iria acabar a quarta ronda em lugar de pódio. O português não fugiu à “febre” e registou o primeiro nulo da noite. Taylor e Claye também não melhoraram as suas marcas.

Benard somou mais um nulo na penúltima ronda e Copello saltou a 16,91. As coisas corriam bem para as aspirações do português e melhor ficaram quando Nápoles fez o quarto nulo em cinco tentativas. Nelson arriscou e fez nulo, outra vez. O concurso estava numa fase quase estática e voltou a ficar tudo na mesma.

Na derradeira ronda, Chris Benard ainda conseguiu um salto mais em consonância com o seu estatuto mas não passou dos 17,16, a três centímetros de Nelson, igualando Copello (que voltou a não superar os 17,16, ficando em 17,06) e Nápoles. E Andy Díaz já estava fora. Nelson Évora confirmava assim a sua quarta medalha em Campeonatos do Mundo: ouro em 2007, prata em 2009, bronze em 2015 e 2017. A última tentativa também foi nula e o pódio acabou mesmo com Claye na prata e Taylor com o ouro. Afinal, o americano é bicampeão olímpico e, agora, tricampeão mundial. Mas a noite foi sobretudo do português que não se cansa de ganhar.