Os soldados norte-coreanos atacaram subitamente. Primeiro caiu o capitão Bonifas, que estava a cinco dias de voltar para casa onde o esperavam mulher e filho. Mark Barett só seria encontrado uma hora depois, num vale. Os tambores de guerra soavam. Kissinger queria bombardear Pyongyang. Kim Il-sung preparava-se para o pior. Em 1973, Estados Unidos e Coreia do Norte estiveram muito perto de entrar em guerra e arrastar consigo para um conflito as maiores potências nucleares. Tudo por causa de uma árvore.
Desde que a Coreia foi dividida que os incidentes na península são a norma. Mesmo depois do armistício que colocou um ponto final a três anos de guerra entre as duas Coreias, e por detrás de cada uma delas os seus patronos – a União Soviética e a China a Norte; os Estados Unidos e as Nações Unidas a Sul – as escaramuças são a ordem do dia.
Nenhuma das duas Coreias dava o braço a torcer. A culpa era sempre do vizinho, fosse ele qual fosse, e por várias vezes estiveram perto de acabar em guerra. Uma das ocasiões em que a Coreia do Norte e os Estados Unidos estiveram mais próximos de entrar em guerra, em 1976, foi devido a um acontecimento, no mínimo, bizarro.
No início da década de 70, as Nações Unidas estabeleceram vários postos de comando na zona desmilitarizada, na fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Um dos postos mais importantes era o Posto de Comando das Nações Unidas n.º 3, na ponta mais a norte do território controlado pela Coreia do Sul, que tinha vista para território norte-coreano.
As tentativas de rapto de oficiais das Nações Unidas por militares norte-coreanos eram frequentes. Uma delas, depois de um longo período de tensão que até teve um impasse, com armas apontadas de cada lado, acabou por ser resolvida pacificamente pelo capitão Arthur Bonitas, que liderava o contingente dos Estados Unidos.
O Posto de Comando n.º 3 era um dos alvos mais frequentes das tentativas de sequestro pelos norte-coreanos, mas os postos de controlo mais recuados não tinham uma visão clara devido à folhagem densa no local. Nos meses de verão, a situação piorava devido a uma árvore em particular que obstruía o campo de visão dos postos mais recuados.
Sem surpresa, na quarta-feira de 18 de agosto de 1976, sob ordens das Nações Unidas, cinco soldados sul-coreanos, escoltados por uma dezena de militares norte-americanos, entre eles o capitão Arthur Bonifas e o tenente Mark Barett, tentaram resolver o assunto.
Na zona desmilitarizada não eram permitidas armas de fogo, por isso os militares levaram consigo apenas catanas e machados para tratar da árvore. O plano era apenas podar a árvore e desbloquear parcialmente a vista para o Posto de Comando n.º3, tal como já tinha sido feito várias vezes no passado.
Quando os militares começaram a cortar os ramos mais acessíveis da imponente árvore, um grupo de soldados norte-coreanos, liderado pelo tenente-coronel Pak Chul – conhecido pelos norte-americanos como o tenente ‘bulldog’ por ser dos mais conflituosos – dirigiu-se ao local onde a árvores estava a ser podada e questionou os militares sobre o que se passava.
Segundo relatos de militares no local nesse dia, enquanto trocavam algumas palavras, o responsável norte-coreano enviou um soldado passar a Ponte de Não Retorno, entre as duas Coreias, para ir buscar reforços. Os números mudaram, a favor dos militares da Coreia do Norte. Os reforços que chegaram com o ‘estafeta’ fizeram com que os norte-coreanos passassem a ser três vezes mais que soldados do lado do Sul.
“Quando os militares começaram a podar a árvore, foi-lhes dito pelos soldados norte-coreanos que não o podiam fazer por que Kim Il-sung (o líder e fundador da Coreia do Norte) tinha plantado e cuidado desta árvore, e esta estava a crescer sob a sua supervisão”, recordou o Major Wayne Kirkbride, numa entrevista em 2008, autor de um livro sobre a operação que se seguiu.
Os relatos que seguiram são ainda mais curiosos. Depois de ver a sua ordem ignorada pelo capitão Arthur Bonifas, o tenente Pak Chul tirou o relógio que usava naquele dia, embrulhou-o num lenço e guardou-o no bolso. De seguida gritou algo em coreano, que os presentes no local dizem ter sido “matem os americanos”.
Armados de bastões e facas, os norte-coreanos atacaram. Pak Chul foi o primeiro atacar, incapacitando o capitão Arthur Bonifas com um golpe na nuca.
Os sul-coreanos fugiram do local e abandonaram os machados e as catanas que tinham consigo para podar a árvore. Os norte-coreanos aproveitaram as armas e o que se seguiu foi um ataque brutal aos soldados norte-americanos. Munidos dos machados abandonados, os norte-coreanos mataram Arthur Bonifas.
O tenente Mark Barett foi atacado violentamente, também com os cabos dos machados durante uma hora. Foi encontrado num vale, depois de os soldados norte-coreanos o terem atacado à vez. Ainda assim sobreviveu ao ataque inicial, ao contrário do seu capitão, mas viria a morrer no helicóptero que o transportava para o Hospital de Seoul.
Nome código: Operação Paul Bunyan
O ataque aos soldados norte-americanos foi gravado em vídeo por uma câmara de um dos postos de comando da ONU no local. As reações não se fizeram esperar e toda a península coreana ficou de sobreaviso.
Em Pyongyang, culpavam-se os norte-americanos. O ataque foi levado a cabo “em auto-defesa” reclamavam os norte-coreanos, que insistiam que qualquer ação na zona desmilitarizada, incluindo o corte de uma árvore, tinha de ser acordada previamente entre as partes.
Gerald Ford, que substituiu Richard Nixon na presidência dos Estados Unidos após o escândalo do Watergate, qualificou o ataque como um “assassinato cruel e deliberado”.
Henry Kissinger, secretário de Estado de Nixon que continuou no cargo com Gerald Ford, queria uma resposta forte e disse isso mesmo a Gerald Ford. Os Estados Unidos não podiam ser vistos como fracos. A solução tinha de ser um bombardeamento em grande escala da Coreia do Norte. Menos que isso fragilizaria a posição dos Estados Unidos no Mundo, militar e diplomaticamente.
A situação era especialmente delicada naquela zona do mundo e, em plena Guerra Fria, Gerald Ford temia que um ataque levasse a uma guerra nuclear. Seria o início de uma terceira guerra mundial.
Para salvar a honra do convento, Estados Unidos e Coreia do Sul montaram uma demonstração de força menos convencional.
Foi assim que, três dias depois, os militares norte-americanos lançaram a Operação Paul Bunyan, nome do lenhador gigante do imaginário norte-americano.
Duas unidades de seis homens do destacamento de engenharia do Exército norte-americano, todos armados de serras, foram destacadas para o local. Cada uma destas unidades era guardada por trinta soldados fortemente armados, e com o apoio de duas dezenas de helicópteros de combate e bombardeiros B-52 a sobrevoar o local.
No Sul, o alerta era máximo. A força aérea lançou caças de todas as bases sul-coreanas para patrulhar os céus, a artilharia foi posicionada para destruir pontes estratégicas nas proximidades. Até o porta-aviões USS Midwaycarrier foi posicionado nas proximidades da península.
Um grupo de mais de 60 elementos das forças especiais da Coreia do Sul acompanharam os norte-americanos, armados de bastões e especialistas em Tae Kwon Do, com ordens para não carregar consigo armas de fogo. Mas assim que estacionaram os seus veículos, os militares retiraram metralhadoras, lança-granadas e minas que tinham escondidas debaixo de sacos de areia.
Nesse grupo das forças de elite norte-coreanas estava o jovem Moon Jae-in, recentemente eleito como presidente da Coreia do Sul.
Do lado Norte do paralelo 38, a Coreia do Norte respondia à altura e mandou posicionar atiradores furtivos e apontar metralhadoras ao Posto de Comando n.º 3. Em Pyongyang, as ordens eram para que as pessoas se escondessem nos abrigos subterrâneos criados após a Guerra da Coreia.
A Operação Paul Bunyan não era, no entanto, um plano para atacar os norte-coreanos. O plano era mostrar o músculo dos americanos aos norte-coreanos e cortar a árvore da discórdia. E foi isso mesmo que aconteceu em menos de uma hora.
A árvore foi cortada e a guerra, que poderia arrastar para um conflito as maiores potências nucleares daquele tempo, foi evitada. O líder da Coreia do Norte, Kim Il-sung, até enviou uma carta com um pedido de desculpas aos Estados Unidos pelo incidente.
Uma década depois, o Posto de Comando n.º 3 foi abandonado. Anos mais tarde, foi removido o que restava do tronco da árvore e no seu lugar foi colocada uma placa de homenagem aos dois soldados norte-americanos.
Na Coreia do Norte, o incidente é recordado de outra forma. No ano passado, o regime veio culpar novamente os norte-americanos pelo incidente. Um machado e um bastão que terão, alegadamente, sido usados para matar os dois soldados norte-americanos em 1976, está agora em exposição num museu de Pyongyang.