O défice orçamental tem vindo a baixar, mas a dívida pública mantém uma trajetória ascendente. O facto tem suscitado críticas ao Governo e levantado a suspeição de que estaria a ser realizada despesa que escaparia à contabilização no valor do défice e entraria diretamente no stock da dívida pública, através de práticas já usadas por diversos executivos, conhecidas como “desorçamentação” e “suborçamentação”. Mas é isto que está a suceder atualmente? Joaquim Miranda Sarmento, professor de finanças no ISEG, em Lisboa, tem dúvidas e, na nota de conjuntura da agosto do Forum para a Competitividade, faz contas e explica porquê.
Miranda Sarmento começa por constatar que, no início de janeiro de 2016, a dívida pública líquida de depósitos totalizava 213 mil milhões de euros, equivalentes a 119,2% do PIB, tendo aumentado para 228 mil milhões em julho de 2017, correspondentes a 122% do produto. A diferença de 15 mil milhões de euros é explicada, em parte, pelo valor do défice de 2016, em contabilidade pública, que se fixou em 4,2 mil milhões de euros, e pelo saldo negativo nas contas das administrações públicas registado até julho deste ano, que atingiu quatro mil milhões de euros. Conclusão: dos 15 mil milhões de euros de aumento da dívida pública, “cerca de 8,2 são explicados pelo défice”.
A que se devem os restantes 6,8 mil milhões? Joaquim Miranda Sarmento refere que três mil milhões de euros são relativos a dinheiro injetado no Banif, 2,5 mil milhões foram destinados a parte do plano de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e 600 milhões entraram na Infraestruturas de Portugal (IP) já em 2017.
Fecho de swaps e empréstimos a empresas do Estado explicam 700 milhões
Sobre os restantes 700 milhões de euros que não são explicados “pelo défice em caixa, pelas operações com o setor financeiro e por recapitalização de empresas públicas”, o professor do ISEG e colaborador do gabinete de estudos do Forum para a Competitividade admite a hipótese de se tratar de valores pagos em contrapartida pelo cancelamento de contratos swap subscritos por diversas unidades do setor empresarial do Estado, bem como de somas que refletem empréstimos contraídos por empresas públicas que se encontram no interior do perímetro orçamental.
Joaquim Miranda Sarmento reconhece não ser “possível saber quanto é que o Estado terá pago com o cancelamento” dos swaps e adianta haver, “também, escassa informação sobre que empréstimos as empresas públicas dentro do perímetro têm feito, bem como dos empréstimos do Estado a entidades fora do perímetro”. Afirma, ainda assim, que os “motivos para preocupação” terão mais a ver com “o crescimento da dívida pública pelos efeitos atrás descritos” do que por “hipóteses de suborçamentação” que o professor não exclui que não “possam estar a ocorrer”, mas com um peso que, acredita, não será superior a “0,1%-0,2% do PIB”.
“As mudanças que foram feitas na gestão financeira do Estado nos últimos 10 anos, e sobretudo no período 2011-2014, tornaram muito difícil que possa estar a haver desorçamentação em valores muito elevados”, considera Joaquim Miranda Sarmento. “Até porque o ‘truque’ da desorçamentação passava sobretudo pelas entidades fora do perímetro e, neste momento, há muito poucas entidades públicas que estejam fora do perímetro” orçamental, o que obriga o Governo a registar os fluxos financeiros das entidades em causa nas contas públicas.
“Os grandes ‘cancros’ orçamentais como a CP, a RTP, os metros de Lisboa e do Porto, a EP e a REFER (agora IP) estão dentro do perímetro”, recorda Miranda Sarmento. Resta a área da Saúde em que o professor do ISEG admite poder haver “alguma suborçamentação” em operações como “a compra à consignação de equipamento médico por parte dos hospitais”. Sobre este assunto, comenta: “não creio que possa ser em montante muito elevado”.