O protesto dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica tem vindo a subir de tom. Depois de se terem recusado a executar funções especializadas pelas quais dizem não ser remunerados, em julho, voltaram a fazê-lo em agosto e agora estão a entregar títulos de especialista na Ordem em forma de contestação. À boleia destes protestos, dois sindicatos convocaram uma greve nacional de cinco dias para a próxima semana. Será uma greve para todos os enfermeiros e não apenas feita pelos especialistas, sendo que um dos motes da paralisação é a exigência da recompensa remuneratória destes profissionais.

O Governo já veio dizer que a entrega de títulos de especialista é ilegal e não está prevista nos regulamentos, assim como ilegal diz ser, também, a greve da próxima semana, por incumprimento dos prazos de entrega de pré-aviso.

Esta terça-feira, o ministro da Saúde avançou que um entendimento razoável parece estar a caminho — há reuniões marcadas para o dia 8 e 12 de setembro — e acusou a Ordem dos Enfermeiros de estar a “promover o abandono de serviços e de funções”, deixando claro que os hospitais não estão a ameaçar enfermeiros.

O clima está de tal forma tenso que o Presidente da República defendeu, esta terça-feira, o diálogo, anunciando que vai receber, na próxima semana, as ordens profissionais ligadas à saúde, no Palácio de Belém, em Lisboa.

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Para perceber melhor o que está em causa, o Observador reuniu e resumiu os principais pontos nas cinco perguntas e respostas que se seguem.

O que querem os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica?

Os enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica (bem como enfermeiros de outras especialidades) exigem há oito anos uma compensação financeira pelo desempenho de funções especializadas. No fundo não é uma reivindicação nova. Foi em 2009 que a carreira de enfermagem deixou de contemplar a categoria de enfermeiro especialista, com correspondente salário.

Ao Observador, Guadalupe Simões, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, explicou que, na altura, os quatro sindicatos de enfermagem estiveram de acordo em acabar com a categoria de enfermeiro especialista da estrutura da carreira “porque desde 2002 o número de lugares para especialistas diminuiu de 2.600 para 940 lugares” e “os hospitais não abriam concursos e quando abriam eram poucas”.

Concordámos que a categoria desaparecesse e isso permitia que um enfermeiro que fizesse especialidade não ficasse dependente de uma vaga a concurso. A proposta do SEP é que todos e quaisquer enfermeiros que fossem fazer especialidade automaticamente passariam a ganhar mais”, o que acabou por não acontecer. De lá para cá, nunca outro governante aceitou qualquer proposta relativa a esta matéria, garantiu.

A Ordem dos Enfermeiros continuou porém a atribuir esse título de especialista em seis áreas distintas: comunitária; médico-cirúrgica; reabilitação; saúde infantil e pediátrica; mental e psiquiátrica, além da materna e obstétrica.

E, segundo a Ordem, existem em Portugal cerca de 6.000 enfermeiros especialistas, dos quais cerca de 2.000 são especialistas em saúde materna e obstétrica, pouco mais de 1.500 nos hospitais do SNS, excluindo parcerias público-privadas. Nas contas feitas pelo movimento que lidera este protesto, 60% a 70% destes profissionais não estão a ser remunerados pelas funções executadas, como escreveu, este fim de semana, o jornal Expresso.

Que formação têm e que funções desempenham estes enfermeiros?

Para adquirir o título de especialista, os enfermeiros têm de fazer dois a dois anos e meio de formação (teórica e prática) extra-laboral, cujos custos rondam os 6.000 euros, sendo que só o podem fazer quando já tenham dois ou mais anos de experiência profissional.

Do leque de funções que desempenham, quando em causa estão partos normais, fazem parte a realização dos CTG (cardiotocografia), administração de medicação via vaginal, corte do cordão e reanimação de recém-nascidos.

Estes enfermeiros integram sempre uma equipa mista, juntamente com enfermeiros de cuidados gerais que apenas podem administrar medicação via endovenosa à grávida e prestar cuidados aos recém-nascidos, bem como apoiar em atividades cirúrgicas como realização de uma cesariana.

De que forma tem evoluído o protesto?

Embora a reivindicação tenha anos, foi a 3 de julho deste ano que os enfermeiros-parteiros endureceram a forma de luta, deixando de exercer as funções especializadas para os quais estão treinados nos blocos de partos. O serviço de urgências da Maternidade Alfredo da Costa chegou mesmo a encerrar, como noticiou na altura o Expresso.

Tendo logo considerado o protesto “desorganizado” e a atitude dos enfermeiros obstetras “ética e deontologicamente condenável”, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, acabaria por pedir um parecer à Procuradoria Geral da República (PGR), cujo resultado foi conhecido a 20 de julho, e dava razão ao Governo. Segundo o parecer do conselho consultivo, quem se recuse a exercer as funções especializadas pode ser “responsabilizados disciplinarmente”.

PGR: Enfermeiros obstetras que recusem executar tarefas “podem ser responsabilizados disciplinarmente”

Acrescentava ainda a PGR que a diferença de habilitações, só por si, não “obriga a diferenciação remuneratória”.

Embora discordando da conclusão do parecer, quatro dias depois os enfermeiros viriam a suspender esta decisão, bem como a greve marcada para o período de 31 de julho a 4 de agosto, contra o não pagamento do trabalho especializado, devido ao compromisso do Governo de iniciar negociações.

Mas, no final de agosto, os enfermeiros-parteiros voltaram a recusar-se a executar as funções especializadas, perante aquilo que fontes sindicais disseram ser a falta de resposta política. E à boleia destes protestos o Sindicato dos Enfermeiros e o Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem, afetos à UGT, convocaram uma greve nacional de cinco dias (11 a 15 de setembro), em defesa da introdução da categoria de especialista na carreira de enfermagem, com respetivo aumento salarial, mas também da aplicação do regime das 35 horas de trabalho para todos os enfermeiros, entre outras medidas que abrangem todos os enfermeiros e não apenas os especialistas.

Enfermeiros estão a entregar títulos de especialista. Governo fala em ilegalidade

As formas de protesto não se ficam por aqui. À Ordem dos Enfermeiros têm chegado, desde o início desta semana, títulos de especialista de vários enfermeiros. À Lusa, a bastonária Ana Rita Cavaco comentou que vê tal decisão com “muita preocupação”, mas que a Ordem não pode fazer outra coisa senão “dar a suspensão do título”. “O título é deles, a vontade é deles.”

O Ministério da Saúde considera a iniciativa “um conflito laboral coletivo, que põe em causa os direitos dos cidadãos e pode ter consequências graves do ponto de vista da prestação de cuidados de saúde”. Além de que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), em comunicado, informa, suportada em parecer jurídico, “que não é legalmente possível a suspensão da inscrição como enfermeiro especialista na Ordem dos Enfermeiros sem que haja suspensão da inscrição como enfermeiro”.

Não é legalmente possível a suspensão da inscrição como enfermeiro especialista na Ordem dos Enfermeiros sem que haja suspensão da inscrição como enfermeiro”, lê-se no comunicado da ACSS.

Nesse mesmo comunicado, a ACSS informa que, da recusa da prestação de serviço especializado por parte desses enfermeiros, pode resultar a marcação de faltas injustificadas e processos disciplinares. Enfermeiros acusam o Ministério de estar a ameaçar os profissionais, mas o ministro explica que a circular serve para as instituições estarem informadas sobre a lei.

Enfermeiros. Suspensão de título de especialista é ilegal, acusa o Governo

Em reação aos pareceres, a bastonária Ana Rita Cavaco reforçou, citada pela TSF, que o problema é político.

Acaba por ser um bocadinho ridículo que o Governo onde os conselhos de administração todos os dias cometem ilegalidades dentro dos hospitais, relativamente ao número de enfermeiros que deveriam ter e que todos os dias aplicam nos serviços horários ilegais, é o mesmo governo que está a pedir pareceres jurídicos relativamente a uma questão que é um problema político”, reagiu a bastonária dos enfermeiros.

Horas depois, também o vice-presidente da Ordem, Luís Barreira, disse à Lusa que a Ordem vai continuar a tratar os pedidos de suspensão que têm chegado à instituição, através dos conselhos diretivos das suas secções regionais, afirmando que isso está “instituído nos estatutos”.

Contrariando o Ministério da Saúde, Luís Barreira afirma: “temos um departamento jurídico e pareceres que dizem que é possível” suspender a atividade de especialista pois a inscrição como enfermeiro especialista é diferente da inscrição como enfermeiro generalista, cada um com o seu preço.

A verdade é que, lendo o regulamento da atribuição de cédula profissional, em momento algum está referida a suspensão ou cancelamento do título de especialista. Está apenas previsto o pedido de suspensão do exercício da profissão, bem como o cancelamento da inscrição para quem não quer mais ser enfermeiro.

Governo diz que greve da próxima semana é ilegal

E não é só a entrega de títulos que está a gerar polémica. A Secretaria de Estado do Emprego considera igualmente ilegal a greve agendada para a próxima semana, por incumprimento dos prazos de pré-aviso de greve.

Ao Observador, o Ministério do Trabalho explicou que a greve teria de ser convocada com 10 dias úteis de antecedência em relação ao início da greve “sob pena de esta não ser considerada regularmente convocada”. “Ora, o pré-aviso para uma greve a iniciar-se às 00h00 de dia 11 e fim às 24h00 de 15 de setembro, foi remetido pelos sindicatos no dia 28 de agosto [na contagem do prazo não conta o dia de receção do pré-aviso]. Assim, o e-mail com o pré aviso foi remetido com 9 dias úteis” de antecedência.

Os dois sindicatos afirmam que mantém a paralisação e adiantam que vão fazer queixa por má-fé do secretário de Estado do Emprego ao Departamento de Investigação e Ação Penal. “A greve é para se fazer, tal como está programada, a não ser que venham garantias escritas dos ministros implicados: Saúde e Finanças. Diz o povo: ‘Na 1ª quem quer cai; na 2ª só cai quem quer'”, lê-se no site do Sindicato dos Enfermeiros.

Governo diz que marcação da greve dos enfermeiros é irregular, sindicato contesta

Para juntar à confusão, o Expresso noticia esta terça-feira que, no mesmo dia em que o secretário de Estado do Emprego declarou ilegal a marcação da greve, os dirigentes sindicais foram chamados pelas Finanças para clarificarem os serviços mínimos dessa mesma greve. O Observador contactou os ministérios liderados por Mário Centeno e por Vieira da Silva para obter mais esclarecimentos sobre a diferença de entendimentos, mas não obteve resposta até ao momento.

E, mesmo entre os enfermeiros, nem todos estão de acordo com esta paralisação.

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) ficou de fora e Guadalupe Simões explicou ao Observador porquê: “temos uma reunião técnica com a ACSS agendada para dia 8 [sexta-feira] por causa da avaliação de desempenho dos enfermeiros com contrato individual de trabalho e da operacionalização da regularização dos vencimentos dos enfermeiros especialistas e outra reunião política no próximo dia 12 com o ministro”. Por isso, acrescentou a sindicalista, não faz sentido avançar para greve.

Guadalupe Simões lembrou, ainda, os “compromissos assumidos no dia 22 de março pelo ministro da Saúde”, de que iria ser feita a regularização dos vencimentos aos enfermeiros especialistas através da mudança de posição remuneratória, e referiu que “alguns desses já foram implementados como o pagamento de todo o trabalho extraordinário por completo e a regularização das horas extra que eram devidas aos enfermeiros, num total de 700 mil horas”.

“O que importa para nós é que, nem que se tenha de fazer mais reuniões em setembro, a medida seja introduzida no Orçamento do Estado para 2018.”