Quando o proponente de um dos 38 projetos vencedores do Orçamento Participativo subiu ao palco improvisado do Pavilhão do Conhecimento para receber a distinção, não resistiu a soltar uma crítica para ministro ouvir: “É isto que vai salvar Trás-os-Montes!”, atirou, queixando-se, num à parte improvisado, do facto de a maior parte das verbas do orçamento da cultura se centrar nas produções teatrais das cidades do litoral, descurando o resto do país. O projeto que aquele natural de Alfândega da Fé tinha em mãos intitulava-se “O Teatro e as Serras” e o ministro da Cultura estava na fila da frente a ouvir o recado.

“A malta das artes é assim, deem-lhes o microfone e vai disto”, ironizou de bom humor o apresentador do evento, que esta tarde juntou num auditório do Pavilhão do Conhecimento a ministra da Presidência e Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, a secretária de Estado da mesma pasta, Graça Fonseca, e os ministros ou responsáveis do Governo das áreas em que incidiam os projetos da primeira edição do “Orçamento Participativo Portugal”. Entre eles o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, que foi “logo falar com ele”. Aos jornalistas, no final da sessão, o ministro desvendou uma ponta do véu do orçamento que vai ser atribuído à Cultura no próximo ano.

Orçamento Participativo. Duas propostas e uma ginjinha (ou uma mini)

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As expetativas são, disse, muito positivas. “Espero, e estou bastante confiante, que o orçamento não conhecerá reduções, antes pelo contrário, conhecerá aumentos”, disse quando questionado sobre se estava prevista mais dotação para a Cultura no Orçamento do Estado para 2018. O que não garantiu foi se era desta que o orçamento para a cultura iria chegar à meta de 1% do PIB tão desejada pela esquerda. “Não considero esse número mágico. Se tivéssemos esse número seria excelente, mas o ministério tem é de distribuir o orçamento a partir de uma realidade orçamental que não chega para todos”, defendeu, numa altura em que o Governo e os parceiros parlamentares da esquerda estão em negociações para a elaboração do Orçamento do Estado para 2018.

BE e PCP têm reivindicado que o orçamento da Cultura corresponda a 1% do PIB, mas no ano passado ficou-se por 0,1%, com uma dotação orçamental de 445 milhões de euros. No próximo ano, assegura o ministro, o orçamento não vai sofrer reduções, vai até aumentar, mas ainda ficará longe daquele objetivo. Para o ministro, isso não é motivo de queixa. “A Cultura é respeitada no programa de Governo”, disse, sublinhando que a Cultura está inserida no eixo do progresso e inovação, que é um “eixo central” de atuação do atual Executivo.

Certo é que a Cultura foi a área na qual incidiram mais projetos no âmbito do orçamento participativo: 14 no total de 38 projetos vencedores. Prova do descontentamento dos cidadãos em relação aos orçamentos habitualmente destinados à Cultura? Para o ministro, não. “Acho antes que é um sinal de que o povo português estima a Cultura e defende a Cultura. Entusiasma-me ver como as pessoas querem que haja e que se faça cultura”, disse.

Projetos mais votados: museus grátis para jovens de 18 anos e touradas a património imaterial da UNESCO

Depois de 12 meses pelos “caminhos de Portugal” a fazer assembleias participativas, esta quinta-feira foi o dia D, o dia dos resultados. Numa pequena cerimónia no Pavilhão do Conhecimento, Graça Fonseca, secretária de Estado adjunta e da Modernização Administrativa, foi direta aos números. Foram apresentados 600 projetos nas quatro áreas previstas para o território continental: Cultura, Ciência, Formação para Adultos e Agricultura. Na Madeira e Açores havia só duas áreas previstas, Justiça e Administração Interna. No total, houve perto de 80 mil votos que escolheram os 38 projetos vencedores, dois de âmbito nacional, e 36 de âmbito regional, que vão utilizar 3,18 milhões de euros do Orçamento do Estado para 2018.

Uma verba “moderada” mas “adequada” a um projeto que foi “pioneiro e inovador”, segundo admitiu a ministra da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques. Em 2018, afirmou, o projeto de recolha de ideias para o orçamento vai repetir-se mas desta vez com mais dinheiro: 5 milhões para distribuir pelo projetos vencedores.

No primeiro ano desta iniciativa, os dois projetos mais votados a nível nacional foram:

  • Cultura para Todos (com 6614 votos), que propõe a doação de livros em boas condições a bibliotecas públicas, em troca de um vale para a compra de um livro numa livraria, assim como a oferta de um cheque-cultura a todos os jovens de 18 anos que lhes permita o acesso gratuito a museus e espaços culturais durante um ano. A proposta passa também pela criação de uma uma base de dados online gratuita onde reúna livros em suporte digital, em braille e em áudio adaptada para cidadãos com deficiência.
  • Tauromaquia – Património Cultura de Portugal (com 5792 votos), que passa por “apoiar os municípios com atividades taurinas nos seus esforços para proceder ao registo das expressões tauromaquicas presentes no seu território no inventário nacional do Património Cultural Imaterial de Portugal”, e por reunir a documentação necessária para registar como património cultural imaterial pelos menos duas das práticas taurinas de Portugal.

Cada um destes dois projetos terá uma verba de 200 mil euros e será implementado no âmbito do Orçamento do Estado. “O Governo vai assegurar a execução de todos os projetos vencedores, só assim podemos merecer a vossa confiança para o próximo orçamento participativo”, disse a ministra Maria Manuel Leitão Marques. O calendário? Entre 6 a 24 meses.

Questionada sobre se estava satisfeita com o facto de o projeto relacionado com a elevação da Tauromaquia a património imaterial de Portugal ter sido um dos grandes vencedores, a secretária de Estado Graça Fonseca invocou o espírito do Orçamento Participativo Portugal: “É a democracia a funcionar. Nem sempre gosto dos resultados das eleições, autárquicas, europeias, legislativas, presidenciais, mas sou democrata e aceito aquele que é o meu presidente de câmara, não tenho de gostar de todos mas isso é a democracia a funcionar”, disse.

No plano regional, dos 38 projetos vencedores, os mais votados concentraram-se na região Norte e Centro, sendo que a região de Lisboa foi a que teve menor participação. Números que Graça Fonseca dizem ser “reveladores” do país, na medida em que, enquanto que na região urbana de Lisboa “não conhecemos os nossos vizinhos”, nas outras regiões do país a “vizinhança” votou de forma mais massiva nos projetos locais. Destes 36 projetos regionais vencedores, 14 estão relacionados com Cultura; 8 com Ciência, 4 com Educação e Formação de Adultos, 1 com Agricultura, 5 com Justiça e outros 5 relacionados com Administração Interna. A ideia é cada um dos projetos ser integrado no quadro orçamental destas pastas ministeriais.

Para a secretária de Estado a moral da história é mesmo essa: estimular a participação cívica e pôr os cidadãos a exercer o seu dever de cidadão, não se limitando a ficar à espera do poder político. “O futuro depende mais de mim como cidadã do que de mim como membro do Governo”, resumiu.