Em 2015, e descontando os efeitos do envelhecimento, 152,2 portugueses em cada 100 mil habitantes morreram de cancro, o que revela um aumento de 0,46% face ao ano anterior, depois de, pelo menos, quatro anos de quebra. Os números constam do relatório do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas que está, esta quinta-feira, a ser apresentado no Porto, e que confirma ainda um aumento da incidência do cancro em Portugal.
A análise das variações de mortalidade por cancro mostra, em 2015, um aumento anual da taxa bruta de 2%, mesmo assim inferior ao aumento esperado da incidência, que deverá rondar os 3%, escrevem os autores do estudo. Mas a novidade deste relatório é que apresenta a taxa de mortalidade padronizada, que desconta os efeitos do envelhecimento da população, e essa revela um aumento de 0,4%, “contrariando a tendência dos últimos anos de descida sustentada“.
O “discreto aumento da mortalidade padronizada” em 2015, em contraciclo com o que vinha sendo registado durante os últimos anos deixa o diretor do Programa Nacional, Nuno Miranda, “alerta” e obriga-o a ficar atento para perceber a que se deve o aumento. Como o mesmo referiu ao Observador é preciso perceber “se será o efeito de um melhor registo das causas de morte ou se se deve a um eventual efeito da crise económica, por dificuldades no acesso aos cuidados de saúde”, lembrando o indiano Mahiben Maruthappu que relacionou a crise económica com o aumento da mortalidade por cancro nos países da OCDE.
“É importante ver o que se passa no próximo ano”, remata.
O que não espanta é o aumento da incidência do cancro, a uma taxa constante de 3%, à semelhança do resto da Europa. Afinal, os portugueses estão a viver mais anos e o sucesso no tratamento do cancro e de outras doenças está a crescer, o que aumenta a probabilidade de surgirem novos cancros. Estas duas premissas, aliadas a comportamentos de vida menos saudáveis, são responsáveis pelo aumento da incidência de cancro, como refere o relatório que traça o ponto de situação sobre a oncologia em Portugal.
“Tomar medidas de prevenção primária, que promovam comportamentos saudáveis (modificação de estilos de vida e programas de vacinação) como de prevenção secundária (diagnóstico precoce) são a única forma de mitigar a atual epidemia do cancro”, lê-se no relatório.
De ressalvar que os homens morrem mais de cancro do que as mulheres: a taxa padronizada para os homens rondava, em 2015, os 213 casos por cada 100 mil habitantes e nas mulheres não ia além de 105,5 mortes por 100 mil.
E olhando para a evolução da taxa de mortalidade padronizada em menores de 65 anos verifica-se que também houve um aumento da mortalidade por cancro em pessoas mais novas.
Os dados não constam do relatório divulgado esta quinta-feira, mas questionado sobre o cancro pediátrico, Nuno Miranda avançou que os dados que tem mostram que “a mortalidade não tem aumentado”. Por outro lado, “tem havido um aumento da incidência que é comum a todos os países ocidentais, de 1% ao ano, e que não sabemos explicar porque não há evidência científica, não há ainda explicações”. Esse aumento não é contudo “ainda preocupante”.
Cancro do pulmão matou mais mulheres em 2015
Outra das novidades do relatório é que, em 2015, mais mulheres morreram vítimas de cancro do pulmão. Ao todo, perderam a vida 980 mulheres, mais 130 do que no ano anterior, o que corresponde a um aumento “significativo” de 15%, ao passo que nos homens a mortalidade por este tipo de cancro desceu pelo segundo ano consecutivo, embora continuem a morrer muitos mais (3.035).
“Embora esperado, este aumento da mortalidade por cancro do pulmão nas mulheres é preocupante. As mulheres começaram a fumar mais e estamos apagar agora a diminuição da assimetria de género no consumo de tabaco”, explicou ao Observador Nuno Miranda, diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, acrescentando que “as mulheres têm cancro do pulmão mais cedo do que os homens”.
No relatório é dito, aliás, que este aumento, “previsivelmente vai-se acentuar nos anos mais próximos, em linha como a diminuição da assimetria de género, no consumo de tabaco nas idades mais jovens”.
E é por isso que é tão importante reforçar a “luta antitabágica, junto das idades mais jovens, e em particular no sexo feminino”. Até porque o cancro do pulmão é o mais mortífero de todos.
Olhado para os outros cancros analisados, as variações de mortalidade no cancro da mama feminina, por exemplo, mostram um aumento “muito discreto do número de óbitos de 1.660 para 1.683, bem como da mortalidade padronizada de 17,9 par 18,2”.
Já no caso do cancro da próstata e do cólo do útero, tanto o número de óbitos, como a taxa padronizada diminuíram em 2015. No caso do cólo do útero, escrevem os especialistas, “a expansão dos programas de rastreio tem-se refletido em ganhos de saúde importantes, havendo ainda alguma margem para melhoria”.
Não estando ainda disponíveis dados europeus referentes a 2015, quando comparamos os dados de 2012, relativos à incidência e à mortalidade padronizada, com os restantes países europeus, a situação portuguesa é “francamente positiva”, lê-se no relatório. “Mais importante do que a relativa baixa incidência é a baixa mortalidade comparativa.”
Ao Observador, o diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas confirmou que “em relação à incidência, isto está dividido por grupos e nós estamos no segundo melhor”.
Comportamentos menos saudáveis “podem ter uma influência dramática”
Em termos regionais, embora a mortalidade padronizada (descontando o efeito do envelhecimento) seja mais ou menos igual em todas as regiões, o diretor do programa, Nuno Miranda, destaca algumas diferenças, com especial destaque para os Açores, onde os cancros “relacionados com o consumo de tabaco têm uma maior incidência”.
Muitas das assimetrias regionais têm a ver com comportamentos evitáveis: a maior mortalidade por cancro do pulmão nos Açores, onde os impostos sobre o tabaco são menores e que acabam por se apresentar como um ‘malefício’ fiscal; na Madeira temos mais mortalidade por melanoma “que tem a ver com exposição ao sol e a posição geográfica” (latitude) e “a mortalidade por colorretal é mais alta no Alentejo e morre-se mais de cancro do estômago no Norte por causa do consumo de enchidos”
E no relatório é dado precisamente um destaque à questão dos comportamentos evitáveis e do papel do cidadão na sua própria saúde. Aliás, é mesmo dito que “as causas evitáveis de cancro são de grande importância”. E na lista desses comportamentos evitáveis é realçado o consumo de tabaco, a exposição solar, os erros alimentares, a obesidade, o consumo excessivo de álcool e a infeção por alguns vírus.
“A sociedade tem de encarar o cancro como um problema global, que não depende apenas dos serviços de saúde, mas a necessitar de um esforço concertado, que começa em cada um, com adoção de comportamentos mais saudáveis”, lê-se no documento, que acrescenta que “a maioria das variações regionais estão associadas a tumores dependentes dos estilos de vida, nomeadamente o consumo de tabaco, os hábitos alimentares e a exposição solar, fatores modificáveis e a justificar esforço maior na promoção da saúde”.
Esta é uma matéria que “irrita” o diretor do Programa Nacional das Doenças Oncológicas porque comportamentos menos saudáveis “podem ter uma influência dramática em termos de neoplasias”. “As outras, as genéticas, as do acaso, as do envelhecimento, todas estamos sujeitas a elas.”
Uniformizar e alargar rastreios de cancros evitáveis
Para este ano, as metas estabelecidas pela equipa que integra este programa prioritário relacionado com o cancro fixam-se na correção das assimetrias ainda existentes em relação ao rastreio, que passa pela “uniformização dos rastreios oncológicos, a nível nacional, com utilização de metodologias comuns” e implementação de “linhas de financiamento específicas para aumento da cobertura” dos rastreios. Estas e outras medidas serão implementadas com o objetivo de chegar a 90% dos agrupamentos de centros de saúde com rastreio do cancro da mama organizado para a população entre os 50 e os 69 anos; 25% dos agrupamentos com rastreio do cancro do colon e reto organizado para população entre os 50 e os 74 e rastreio do cancro do colo do útero organizado na população entre os 25 e os 60 anos em 85% dos agrupamentos.
A ideia dos especialistas deste programa criado na esfera da DGS é chegar a 2020 com uma cobertura de rastreios de 100% em cada um destes três tipos de cancro rastreáveis. E ainda reduzir para menos de 10% o total de cirurgias oncológicas que ultrapassa o Tempo Máximo de Resposta Garantido — que em 2015 se fixava em 19,7% — e, por fim, promover a integração entre cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares.
Uma das falhas neste raio-X oncológico nacional é que havia, no passado, muita falta de informação e números sobre o cancro. Mas esta lacuna deverá ficar resolvida em breve uma vez que este ano foi promulgada a criação do Registo Oncológico Nacional, que permitirá uniformizar a informação epidemiológica nacional, destacam os especialistas.