Faltava um ano e meio para José Sócrates chegar à liderança do PS, dois para ser eleito primeiro-ministro. Em março de 2003, Carlos Santos Silva assina um contrato com o dono da Calçoeme, S.A. em que se compromete a comprar 40% da empresa da área da construção civil. Seria apenas um meio para — segundo argumenta o Ministério Público na acusação da Operação Marquês, a que o Observador teve acesso –, o “amigo de infância” de José Sócrates alcançar um fim maior: “Angariar contratos e concessões com o Estado” depois de o socialista chegar a São Bento. Foi o primeiro plano – um plano falhado – para canalizar vários milhões de euros para as contas de Santos Silva.
A decisão de entrar no capital social da Calçoeme terá sido acordado entre o empresário e José Paulo Pinto de Sousa, primo do ex-primeiro-ministro. Segundo os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, “a intenção” da dupla era “vir a utilizar a sociedade Calçoeme S.A. para participar em consórcios, ainda que de forma minoritária, que concorreriam a grandes empreitadas de obras públicas, em Portugal e no estrangeiro”.
Essa promessa de compra das primeiras ações foi assinada em março de 2003. Segundo o contrato, até ao final desse ano, Santos Silva comprometia-se a comprar mais 50% da empresa por 500 mil euros. É, pelo menos, isso que fica acordado no contrato assinado com José da Conceição Guilherme – o dono da empresa que era construtor na Amadora, e ficaria associado à prenda de 14 milhões de euros que ofereceu a Ricardo Salgado, ex-presidente do Grupo Espírito Santo. Esse passo não saiu do papel.
Aliás, as únicas ações que Santos Silva adquire na empresa não vão além dos 25% do capital social. Essa participação foi comprada a João Manuel Maia Santos, sócio do construtor da Amadora. A posição minoritária que tinha na empresa não impediu, no entanto, que, entre 2003 e 2004, o empresário tivesse sido nomeado administrador da Calçoeme. Em três anos, Santos Silva recebeu quase 76 mil euros da empresa.
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Aproveitar obras públicas
As conversas multiplicavam-se, mas não havia forma de chegarem ao ponto que Santos Silva pretendia. Faltou consenso entre o amigo de Sócrates e “Zé” Guilherme sobre a “vocação comercial e áreas de negócio da sociedade”, refere o despacho de acusação da Operação Marquês. Por essa razão, dizem os procuradores, “foi procurada uma alternativa para a detenção do capital social” de Santos Silva. Por isso, cerca de dois anos depois de assinar o primeiro – e nunca concretizado – contrato, o empresário vende as suas ações a Cristina Rosa Monteiro Oliveira Moreira. Recebeu 268 mil euros pelo negócio.
“Ficou assim frustrado” aquele que o MP acredita ter sido o grande plano inicial de Santos Silva: “Com a perspetiva de o arguido José Sócrates chegar à liderança do Partido Socialista e de assumir a posição de primeiro-ministro, em futuras eleições”, o empresário pretenderia “aproveitar o incremento de obras públicas que então se viesse a verificar e a sua proximidade” ao líder socialista, “no sentido de angariar contratos e concessões com o Estado”.
As atenções de Santos Silva – e, segundo o MP, também as de José Sócrates — viraram-se então para o grupo Lena. Quanto à Calçoeme, José Guilherme manteve-se na presidência até ao final de 2004 e o filho continuou como vogal. “Em dezembro de 2014, foram registados a dissolução e encerramento da liquidação, bem como o cancelamento da matrícula desta mesma sociedade”. A empresa fechou portas 24 anos depois da sua fundação.
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