As transferências feitas de Portugal para paraísos fiscais atingiram no ano passado o valor de 8.665 milhões de euros, por ordem de mais 5,7 mil contribuintes. As novas estatísticas sobre as operações feitas para offshores, a partir das comunicações dos bancos feitas ao fisco, não são comparáveis com os valores dos anos anteriores. Isto porque os critérios de publicação mudaram, depois do polémico “apagão” no registo de operações na administração tributária.
E uma das principais mudanças foi alargar a obrigação de reporte de transferências por parte dos bancos, que não só passou a incluir todas as operações fracionadas que somam 12.500 euros — antes só tinham de ser comunicadas transferências individuais acima desse valor — mas também um universo mais vasto de paraísos fiscais. O critério seguido para selecionar jurisdições com um regime fiscal favorável foi o do Banco de Portugal e levou à inclusão de novos destinos, entre os quais se destaca, pelo peso no total, a Suíça.
As transferências para a Suíça totalizaram 3.647 milhões de euros. É uma fatia que representa 42% do bolo total do valor de operações para paraísos fiscais no ano passado. A fatia suíça está dividida entre 718,7 milhões de euros transferidos por contribuintes sediados em Portugal e os 2,9 mil milhões movimentados por não residentes. As operações bancárias com destino à Suíça também se destacam pelo seu número: foram cerca de 13 mil num total de 58,8 mil transferências.
De acordo com informação prestada pelo Ministério das Finanças, a aplicação destas novas regras de publicação fez disparar o número de operações que os bancos tiveram de reportar — mais 31.788 operações — e os valores — mais 4,3 mil milhões de euros, quase o dobro do que seria comunicado com as regras anteriores. A divulgação das estatísticas de offshores passou a ser obrigatória por iniciativa do PSD — que quando esteve no Governo com o CDS permitiu que essa publicação fosse interrompida. Mas a portaria com a definição das regras de reporte é da autoria do atual Governo.
Operações de tesouraria invocadas para justificar mais de sete mil milhões
Outra novidade nestas estatísticas é a publicação, pela primeira vez, dos valores e operações por motivo. O motivo mais invocado são as transferências de gestão de tesouraria (cash managent transfer) que movimentaram mais de sete mil milhões de euros. Este motivo é invocado sobretudos pelos residentes estrangeiros, onde justifica a quase totalidade dos valores movimentados. No caso dos residentes, a gestão de tesouraria continua a ser o principal argumento para a saída de dinheiro para paraísos fiscais, mais de metade do valor total, ou o equivalente a 1.478 milhões de euros. Assumem também relevância o pagamento a fornecedores e o comércio.
Já o pagamento de impostos é apenas invocado para justificar uma percentagem mínima do valor que saiu para offshores, representando cerca de 40 milhões de euros.
Hong Kong é o segundo país com valores mais altos de transferências para offshores, com operações na ordem dos 1.069 milhões de euros. Segue-se o Panamá, um destino especialmente famoso por causa dos Panama Papers, com transferências no ano passado de 684 milhões de euros, um valor que resulta quase todo de contribuintes não residentes.
Para além da entrada de mais países na lista de reporte, com a Suíça a pesar em valores e operações, as estatísticas agora divulgadas continuam a apresentar operações para destinos que saíram da lista oficial de paraísos fiscais — Uruguai, Ilha de Man e Jersey –, uma iniciativa do atual Executivo que foi muito contestada pela oposição à direita.
Mesmo com regras mais exigentes e um universo mais vasto, o valor movimentado para paraísos fiscais no ano passado não ultrapassa os montantes transferidos em 2015 — 8.854 milhoes de euros — que foram inflacionados por uma única operação: a compra da Portugal Telecom pela Altice à brasileira Oi.