Hummmmm (suspirar forte), Ufffff, uffff, uffff (respirar profundamente por três vezes), ffffffffffeeeeee (soprar devagarinho). Pronto, acho que estou pronta. Tem que ser. Custa, mas não há outra forma. Podia assobiar e fingir que não tinha ouvido. Mas ouvi e é preciso pegar nisto de frente: é mau. O novo disco de Camané, em que canta Marceneiro, é fraco. Ufa, ffffffffeeeeee. Já está, já disse. Pela primeira vez disse mal de Camané e de um disco dele.

Isto parece uma heresia. Como é que eu posso dizer mal do Camané? Como é que posso dizer mal de um disco que tem aquele que era o fado preferido do meu pai? Como é que posso desrespeitar a memória de Alfredo Marceneiro, que está no meu pedestal dos likes à moda antiga? Pois, custa. Mas é verdade. O disco é mau. Ponto.

“Camané canta Marceneiro”, de Camané (Warner)

Camané canta mal? Não, não canta (isso seria, aliás, um ‘inconseguimento’, citando alguém). A seleção de fados de Marceneiro está mal feita? Não, não está. Estão no disco as grandes canções de um dos maiores do fado. Não é nada disso.

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É verdade que o facto de eu não gostar de covers também não ajuda nada. Mas o próprio Camané também não gosta (é, até nisto concordamos). Uma vez disse-me numa entrevista que não cantava aqueles que mais admirava porque achava que eles eram de tal forma perfeitos que seria impossível ultrapassar a perfeição. Por isso não valia a pena. E quando numa rara vez entoou Amália no Museu do Fado só com Laginha ao piano eu vi cá de cima das escadas como ele estava nervoso e não se sentia confortável, apesar de a sua voz não ficar aquém da da sua deusa e de me ter feito tremer as pernas (ter estado de pé mais de uma hora só para o ver num espetáculo de acesso limitado também não ajudou, confesso).

Sendo mesmo justa, tenho de dizer em abono da verdade que Camané não imita Marceneiro. Interpreta Marceneiro. Reinventa-o. Coloca o seu cunho, a sua marca. Era isso que queria e isso ele conseguiu. Mas o problema é que o disco é monocórdico. É isso. O tom de Camané quase não muda ao longo dos 11 fados. Não há nenhum momento com salero, como ele nos vinha habituando até agora. Não há um “Maria”, como na Linha da Vida; uma “Maria II”, como em Esta Coisa da Alma; um “Ela tinha uma Amiga”, como em Pelo Dia Dentro; o “Sei de um Rio”, do Sempre em Mim; a “Guerra das Rosas”, Do Amor e dos Dias… e chega que a lista vai longa. Não, não há. O disco toca do princípio ao fim, volta a tocar de novo e não há ali nenhum daqueles momentos Carolina bebé (oh, mãe põe ‘outa’ vez a 7).

E podia haver. No “Lucinda Camareira”, que canta com Carlos do Carmo, bastava um bocadinho mais. Na “Casa da Mariquinhas”, ui, como o Camané podia ter esticado a corda; e, claro, o “Mocita dos Caracóis” podia ser um daqueles que eu colocaria a tocar em repeat eterno, para o meu pai ouvir lá onde está. Assim, ouvir o fado que ele me cantava apenas me causa um aperto no peito e o cerrar de olhos húmidos das saudades.

Pronto, mas já chega de bater. Desculpa pai. E desculpa Camané. Isto não é uma traição. Sei que os teus erros apenas te tornam humano e fazem sobressair o que mais de genial tu tens (que é quase tudo). Mas como estás no meu Olimpo pessoal de deuses, fiquei desiludida.

Pffffffeeeee (suspiro profundo, de alívio).