A eurodeputada socialista Ana Gomes revelou ao Observador que vai fazer queixa da justiça portuguesa junto da Comissão Europeia devido ao desfecho do caso Tecnoforma — empresa onde Passos Coelho foi consultor e administrador. O processo foi arquivado em setembro pelo Ministério Público mesmo depois do gabinete anti-fraude da Comissão Europeia (OLAF) ter considerado que houve “fraude” da empresa na obtenção de fundos comunitários.
Depois de o Observador ter noticiado, há dois meses (a 13 de setembro) as diferenças entre as conclusões da OLAF e do Ministério Público, o jornal Público voltou ontem à história, dando detalhes sobre o relatório dos técnicos europeus. Segundo o diário, a OLAF entende que, uma vez que houve fraude, a empresa deve restituir aos cofres europeus o montante de 6.747.462 euros. A investigação do Público revela que — nas contas dos projetos financiados a partir de 2004 — existiam casas de que a empresa era proprietária em Angola, além “veículos topos de gama, frigoríficos, arcas congeladoras, placas de aquecimento, televisores, geradores, máquinas de lavar roupa, colchões, armários e quadros, etc.”
Tecnoforma. Ministério Público arquiva processo contra Passos Coelho e Miguel Relvas
Ana Gomes explica que, depois do trabalho da OLAF, “é suposto as autoridades judiciais fazerem o seu trabalho, o que não aconteceu em Portugal”, já que as autoridades “fizeram tudo para deixar prescrever o processo”. A eurodeputada lamenta que comece a ser “hábito em Portugal, quando estão em causa políticos, principalmente políticos de direita, como aconteceu nos vos da CIA, dos submarinos ou dos Pandur, deixarem prescrever os processos”. Para Ana Gomes “o que está em causa não é só o desvio de fundos ou mau uso de fundos europeus, mas também atividade criminosa e o próprio Estado de Direito, se os políticos foram protegidos”:
A socialista deixa o aviso: “Não vou ficar quieta. Vou usar as revelações do relatório da OLAF para levar o assunto à Comissão Europeia. Quer à comissária responsável pelo emprego [Marianne Thyssen], quer a comissária responsável da justiça [Věra Jourová], que tem o pelouro da corrupção”. Ana Gomes critica a “inoperância da justiça” e que, perante estes factos, “a Comissão Europeia não pode deixar de atuar junto do Governo português”. O inquérito da OLAF tinha sido iniciado, precisamente, devido a uma queixa da eurodeputada Ana Gomes.
Na sua edição desta segunda-feira, o Público destacava as contradições entre a justiça portuguesa e as entidades europeias. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e o Departamento de Investigação e Ação Penal de Coimbra (DIAP) não encontraram ilícitos na empresa onde Pedro Passos Coelho foi consultor e administrador por oposição à OLAF, que considerou que “foram cometidas graves irregularidades, ou mesmo fraudes, na gestão dos fundos europeus”. Essas verbas foram atribuídas entre 2000 e 2013, aos projetos da Tecnoforma e da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) — em casos em que a execução foi sub-contratada também à Tecnoforma. Em causa estão programas como o Foral, mas acima de tudo o Programa Operacional do Potencial Humano (POPH), que esteve em vigor de 2007 a 2013.
A diferença é justificada porque o procurador responsável solicitou — em determinado momento do processo — a ajuda da da Agência para o Desenvolvimento e Coesão (ADC). Um inspetor da ADC, escrutinou o trabalho dos inspetores da OLAF, e apresentou um relatório, ao qual a PJ recorreu para concluir “não existirem indícios da prática de qualquer ilícito criminal (…), mas sim divergências interpretativas” entre o consultor da ADC e o OLAF. A decisão ficou nas mãos do procurador que, segundo o Público, concluiu que “atenta a escassez de elementos probatórios (…) não é possível indiciar suficientemente as suspeitas constantes do relatório do OLAF”.
Relvas diz ser “despropositado” e “malicioso”
Após a notícia do Público, o ex-ministro Miguel Relvas enviou um comunicado para as redações a considerar “despropositado e malicioso” que tenham associado o seu nome “a eventuais atos concretos de aplicação dos programas, realizados pelas empresas referenciadas, nomeadamente quanto a ‘despesas listadas nas contas desses projetos a partir de 2004’ ou demais procedimentos internos decorrentes da aplicação daqueles programas”.
Miguel Relvas lembra ainda que nunca fez parte de “qualquer órgão de gestão da empresa Tecnoforma (ou das empresas Oesteconsult ou LDN também referenciadas no artigo)”, considerando por isso a ligação do seu nome a atos de gestão dessas empresas “capciosa e suscetível de lesar a [sua] honra” quer quando desempenhava funções públicas, quer na sua “presente atividade profissional exclusivamente privada, exercida consabidamente fora de Portugal.”
Relvas lembra ainda que exerceu as funções de secretário de Estado da Administração Local entre 2002 e 2004 e apenas voltou ao Governo em junho de 2011, saindo no princípio de abril de 2013, como ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares. Além disso, recorda a aprovação de projetos desta natureza “era feita, não pelo secretário de Estado mas pela gestão independente desses programas a cargo da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro”.
O ex-ministro lembra ainda que foi ouvido pelo ministério Público, mas a seu pedido, quando começaram a surgir as primeiras notícias sobre o assunto. No comunicado, Relvas exigia ainda um pedido de desculpa a Ana Gomes e a Helena Roseta que denunciaram o caso publicamente.
Passos Coelho não reagiu à notícia do Público, mas o seu assessor, António Valle, sugeriu que o assunto estava a ser requentado pelo Público.
A notícia de hoje do Publico, sobre a Tcnoforma, já tinha sido dada pelo Observador em Setembro… https://t.co/QUgiwRMWbF
— Antonio Valle (@ARMNValle) November 13, 2017
Também um apoiante de sempre de Pedro Passos Coelho, Paulo Gorjão, escreveu no Facebook que “há dois anos que Pedro Passos Coelho deixou de ser primeiro-ministro” e que o mandato de PSD e CDS “já foi seguramente vasculhado pela rapaziada do PS de trás para a frente e de frente para trás”. Na opinião de Gorjão, os socialistas não encontraram “nada”, já que “não há o raio de um cêntimo por onde se lhe possa pegar, quanto mais 34 milhões de euros como o outro”. E acrescenta: “O homem, chato do caraças, continua a morar em Massamá e a fazer a mesma vida sem sinais exteriores de riqueza. Uma merda. Em caso de aperto, resta regressar repetidamente à Tecnoforma. Pois. Compreendo. A vida está difícil.”