A revelação ao público do primeiro veículo pesado da Tesla teve muito de expectável, mas ainda mais de surpreendente. Começando pelo início, por aquilo com que já sabíamos que podíamos contar, a apresentação decorreu na Califórnia, onde o fabricante tem a sua sede, centro de investigação e uma das fábricas, e teve como cicerone o próprio Elon Musk, que não sendo um apresentador de televisão, tem o dom de manter uma plateia presa nas suas palavras. Também não foi surpresa para ninguém que o evento tivesse muito de efeitos especiais, habilidades ao nível da iluminação até e alguns truques tirados da manga no último momento, como que por magia, para delírio do público.
Mas o mais importante nesta apresentação do novo tractor semi-reboque eléctrico foi a revelação das características do veículo e, sobretudo, das suas vantagens face aos concorrentes equipados com os enormes e tradicionais motores diesel. Aí sim, a surpresa foi total. E no bom sentido.
Mais aerodinâmico do que o Bugatti Chiron
Esta afirmação, assim a seco, passa por completamente inverosímil. Mas já lá vamos. A primeira surpresa decorre do aspecto do camião, que na realidade é um tractor com semi-reboque (porque o reboque apoia parte do seu peso na traseira do tractor), com uma frente mais inclinada, sem arestas ou entradas de ar que lhe prejudiquem a aerodinâmica. Até a ligação do tractor ao semi-reboque possui um sistema que fecha a distância que os separa, incrementando a eficiência.
É isto que permite que o camião da Tesla, que a marca baptizou Semi, anuncie um coeficiente de penetração aerodinâmica (Cx) de apenas 0,36 – bem melhor do que o habitual nos camiões a gasóleo convencionais, que oscila, segundo a marca, entre 0,65 e 0,70. E até um superdesportivo como o Bugatti Chiron perde para o Semi, uma vez que o seu Cx se fica pelos 0,38. E isto não é apenas uma questão de estilo, pois é um melhor Cx que vai assegurar uma maior economia e, por tabela, uma autonomia superior.
Curiosamente, o Semi da Tesla possui um imenso pára-brisas, à semelhança de muitos veículos pesados convencionais. Mas, ao contrário destes, o vidro do tractor eléctrico é à prova de impactos, impedindo que volta e meia (uma vez por ano, segundo o construtor) se tenha de trocar o pára-brisas, o que obriga a parar o camião durante, no mínimo, um dia.
Um camião que se conduz como um fórmula 1
Outra particularidade do Semi é o seu habitáculo. Como não possui o imenso motor diesel à frente ou parcialmente por baixo dos assentos, o Tesla coloca o condutor bem à frente, o que conjugado com o imenso pára-brisas, assegura uma visibilidade total, em todas as direcções. E, para que tudo seja perfeito e simétrico, o condutor ocupa o centro do habitáculo, como se estivesse ao volante de um fórmula.
Para o ajudar na sua tarefa, o condutor tem de ambos os lados dois grandes ecrãs digitais, que o mantêm conectado com o veículo e o mundo, a começar pela sede, que assim pode controlar a evolução do veículo e contactar com o condutor a toda a hora. E, para facilitar a condução e reduzir os riscos, todos os Semi estão equipados com o Autopilot que já conhecemos dos automóveis da marca, capaz de manter o camião na sua faixa de rodagem, regular a velocidade pelo carro da frente e avisar o condutor e até mesmo travar em caso de embate iminente, seja em veículos ou em peões.
Vai dar 10 a 0 aos camiões diesel
Neste capítulo ainda há algum mistério, se bem que Elon Musk tenha afirmado que o Semi vai montar quatro motores do Model 3, dois por cada eixo traseiro do tractor. O problema é que ainda não é ainda conhecida a potência dos motores eléctricos do mais acessível dos Tesla, com a certeza de que nunca será tão potente quanto os Model S ou X, tanto mais que também já se sabe que vai ser introduzida em 2018 uma versão mais possante do Model 3.
Se o mais potente dos Model S e X possui 612 cv, é bem possível que o Semi usufrua dos serviços de uma potência entre 1.200 e 1.500 cv, ou seja, um pouco abaixo das estimativas, mas ainda assim muito acima da concorrência com motor a gasóleo, que oscilam entre 500 e 750 cv.
Com esta potência, Musk afirma que o seu tractor semi-roboque pode puxar 36 toneladas, o máximo permitido nas auto-estradas americanas a 104 km/h (65 milhas velocidade máxima nos EUA para estes veículos) numa subida com 5% de inclinação, situação em que os camiões diesel não conseguem passar dos 72 km/h (45 milhas). São mais de 50% de velocidade em subida, o que será excelente para os veículos pesados e mais ainda para os automóveis, que por vezes ficam presos atrás deles, quando as ultrapassagens não são fáceis.
Talvez das fases mais divertidas da apresentação do Semi da Tesla – pelo menos para Elon Musk, mas decididamente não para os fabricantes de camiões a gasóleo –, teve lugar quando o CEO da marca americana decidiu comparar a rapidez do seu camião eléctrico com aqueles equipados com motor a gasóleo. Musk começou por revelar que o Semi, com o semi-reboque, mas sem carga, consegue atingir as 60 milhas por hora (96 km/h) em apenas 5 segundos. Isto torna ridículos os 15 segundos necessários para os adversários diesel atingirem a mesma fasquia.
Como se este poder de aceleração em vazio não chegasse, Musk continuou a enaltecer a capacidade do seu camião, mas agora carregado ao máximo, ou seja, a puxar 36 toneladas. Nestas condições, e mais uma vez segundo a Tesla, o Semi necessita de apenas 20 segundos, contra uma verdadeira eternidade para os concorrentes diesel.
Para termos um termo de comparação mais prático, nada melhor do que confrontar a aceleração do Semi com os melhores SUV a gasóleo do mercado. Não os que mais se vendem, mas sim os mais potentes. Os anunciados 5,0 segundos de 0-96 km/h para o camião da Tesla deverá significar que o Semi cumprirá os 0-100 km/h em cerca de 5,5 segundos, o que é uma verdadeira monstruosidade. E se não acredita, basta ver que o Audi Q7 3.0 TDI (com 2.070 kg e motor 3.0 de 272 cv) necessita de 6,3 segundos para superar os 100 km/h, o BMW X5 4.0d (com 2.185 kg e um motor 3.0 de 313 cv) de 5,9 segundos, e o Mercedes GLE 350d (2.175 kg e motor 3.0 de 258 cv) 7,1 segundos. E, até um Porsche 911 com 370 cv precisa de 4,6 segundos para atingir 100 km/h.
Autonomia acima das expectativas
A grande limitação que se antecipava para o Semi da Tesla dizia respeito à sua autonomia, limitada por uma capacidade de bateria que, quanto maior é, mais cara fica e mais pesa. Mas também aqui a marca americana conseguiu tirar um coelho da cartola, pois o Semi anuncia 800 km (500 milhas) de autonomia com a carga máxima – e obviamente muito mais se não tiver a rebocar 36 toneladas – sendo que os camiões a gasóleo conseguem percorrer um máximo de 800 a 900 km nestas condições.
Quanto ao tempo de carga, outra das limitações mais fortes para os veículos eléctricos, o camião do construtor americano anuncia a possibilidade de carregar energia para 640 km em apenas 30 minutos, nada mau considerando que, para abastecer um depósito de um camião em média é necessário 15 minutos.
É claro que esta rapidez em introduzir tanta energia eléctrica, num tão curto espaço de tempo, só é possível com aquilo a que Musk chama megacarregadores, isto por oposição aos supercarregadores que já possuía, para servir dos Model S e X, além do novo Model 3. Ora se os “super” tinham uma potência de 120 kW, é de esperar que os novos “mega” atinjam no mínimo 350 kW, similares portanto aos que a Efacec já pôs no mercado. Mas, mesmo assim, só será possível alimentar quatro imensos packs de baterias com alguma “habilidade”, que deverá passar por um sistema em que cada Semi possa ser ligado em simultâneo a, no mínimo, dois postos de postos de carga “mega”, para apressar a transferência de energia.
Com esta facilidade de recarregar em 30 minutos, o dobro do que é necessário esperar para abastecer 800 litros de gasóleo, mas menos do que se perde numa refeição, o Semi resolve tudo o que poderia limitar o seu sucesso face aos motores a gasóleo.
E vamos lá aos preços
O fabricante não anunciou ainda o preço definitivo do seu novo Semi, apesar de já estar a aceitar reservas – por 5.000 dólares cada –, para um camião eléctrico que só vai começar a produzir em 2019. Mas a verdade é que o preço pouco importa num veículo deste tipo. O que é fundamental são os custos de utilização e, na prática, o custo real por quilómetro percorrido, isto considerando o leasing, a manutenção, o seguro e tudo o resto que uma empresa transportadora tem de suportar para levar a mercadoria dos clientes do ponto A ao ponto B.
E é aqui que começa a surgir o outro importante conjunto de vantagens do Semi. Não só a Tesla dá uma garantia de 1,6 milhões de quilómetros para o veículo e mecânica, como assegura ainda que não vai haver necessidade de substituir as pastilhas e calces de travão – os motores eléctricos realizam o esforço de travar o Semi e ainda geram energia no processo, guardando os travões convencionais, por fricção, para situações de emergência. Não vai ser preciso mudar o óleo, ou resolver problemas com a caixa ou com os diferenciais, porque obviamente não existem.
Numas contas rápidas e de acordo com a realidade americana – muito mais favorável ao diesel, pois é muito mais barato lá do que cá (o litro custa o equivalente a 0,56€) –, o Semi da Tesla apresenta um custo total por 1,26 dólares por milha (1,6 km), contra 1,51 em média para os veículos diesel. São 16,6% a menos em favor do camião eléctrico, o que na Europa pode disparar para 20 ou 30%, consoante o preço do combustível e da electricidade.
Mas Musk recordou ainda que já existe na Tesla, hoje, tecnologia capaz de permitir que os seus camiões eléctricos circulem em comboio (três ou mais, relativamente próximos uns dos outros, o que lhes confere vantagens aerodinâmicas e, logo, maior autonomia e menores custos), sistema que os Semi vão oferecer de série. Com esta solução, o tractor semi-reboque da Tesla reduzirá os custos por milha para apenas 0,85 dólares, o que assegura um ganho para os seus utilizadores (nos EUA) de 46,7%, valor que, mais uma vez segundo a marca, é inclusivamente menor do que o transporte ferroviário.
Se nas próximas horas vamos ver a reacção da bolsa ao anúncio do novo camião da Tesla, poderemos acompanhar nos próximos dias o nível de interesse suscitado pelo novo veículo pesado junto das empresas de transporte. Tendo sempre presente as vantagens em termos ambientais que o novo Semi vai assegurar.
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