Para um país que preza a estabilidade e o consenso acima de tudo desde o final da Segunda Guerra, a incapacidade de Angela Merkel de formar o seu quarto governo está a deixar os alemães de nervos em franja e o seu abandono é já uma possibilidade. Mas sem candidatos óbvios à vista e perante um cenário inédito, será que a chanceler já esgotou mesmo a sua última vida?

Durante anos, Angela Merkel foi vista pelo sul da Europa como a ‘má da fita’ pela política de austeridade que defendeu para esses países, mas dentro de casa essas posições só a tornaram mais popular. Desde o outono de 2015, quando tomou a decisão de abrir as portas germânicas às centenas de milhares de migrantes que fugiam do caos na Síria, Iraque a Afeganistão que os portões do mundo se abriram também para a chanceler.

Mas o que a tornaria tão popular fora de portas, levando até comentadores e revistas internacionais a elegê-la como a nova líder do mundo livre – depois da eleição da Donald Trump -, teria custos pesados em termos de política doméstica.

Depois de semanas a negociar a possibilidade de avançar para negociações formais para formar uma coligação, as conversações falharam em definitivo na madrugada desta sexta-feira.

A CDU, o seu partido irmão da Baviera CSU, Os Verdes e os liberais do FDP estiveram reunidos em terreno neutro, na representação do Estado de Baden-Württemberg em Berlim, até às primeiras horas da madrugada de sexta-feira para tentar formar o que é conhecido na Alemanha como uma coligação Jamaica (as cores da CDU, preto, dos Verdes, e do FDP, amarelo, juntas são as mesmas das representadas na bandeira de Jamaica . Mas as questões ligadas à imigração – nomeadamente o limite de migrantes que o FDP de Christian Lindner queria impor – e a resposta às alterações climáticas – Os Verdes querem que a Alemanha abandone as centrais de carvão – acabariam por tornar o acordo impossível.

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Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha arrisca-se a ter um Governo minoritário ou a avançar para eleições antecipadas, tudo novidades no país da estabilidade. Os sociais-democratas do SPD não querem voltar ao governo coligados com a CDU/CSU de Angela Merkel, e o seu líder, Martin Schultz, já pediu novas eleições.

Muito vai depender da opção do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros de Angela Merkel.

“Espero que as partes assumam sejam responsáveis e isto quer dizer também não devolver a decisão para os eleitores”, disse Steinmeier antes das negociações colapsarem. Agora, poderá não ter outra opção.

Se der a Angela Merkel o mandato para formar um governo minoritário, a própria chanceler pode dissolver o Parlamento promovendo um voto de confiança no Parlamento alemão onde não teria grande apoio – SPD, FDP, AfD e Die Linke seriam votos contra quase garantidos.

Uma Alemanha sem Merkel?

Para o Die Linke, que não fez parte destas negociações, só pode haver uma Alemanha sem Merkel. A própria chanceler faz parte do problema e tem de sair, explica deputado do Die Linke Philip Bertram.

“O que estamos a dizer é que ela não pode voltar a ser a nossa chanceler. Angela Merkel é parte do problema e tem de sair”, diz Bertram. A possibilidade, aos olhos do Die Linke que sempre foram muito críticos de Angela Merkel – com exceção da decisão de abrir as fronteiras -, seria um novo Governo sem Merkel. “Uma grande coligação sem Angela Merkel pode ser a única forma de evitar novas eleições”, diz.

Quanto ao segundo maior partido, o SPD que é liderado por Martin Schultz, Bertram diz que o partido “está numa situação em que não sabem o que estão a fazer” e que “têm a sua própria crise interna”. Os riscos para os sociais-democratas estão sempre presentes. Ou entram numa coligação e arriscam perder ainda mais votos, ou fazem uma renovação e arriscam na mesma perder votos e podem ser culpados pela instabilidade.

A posição não é consensual, como não o é a análise à situação. A Alemanha entrou em terreno desconhecido e mesmo a forma como elas foram conduzidas e comunicadas foram diferentes. A confusão instalada fez-se notar à porta do edifício da representação de Baden- Württemberg, quando um representante do FDP veio à porta anunciar um acordo de principio para a questão das alterações climáticas, apenas para ser desmentido pouco depois.

Se o presidente alemão decidir empossar Angela Merkel, o seu governo tem de ser votado no Parlamento até conseguir uma maioria. Se não conseguir à terceira votação, a decisão voltará a ser tomada nas urnas pelos eleitores novamente.

De acordo com fontes de Berlim, toda a gente espera que Angela Merkel venha a liderar o próximo Governo e “seria preciso uma autêntica revolução dentro do seu partido, o que ninguém espera que aconteça”, porque a chanceler tem junto dos eleitores uma imagem de estabilidade, fiável, que pode continuar a garantir ao partido a maior fatia dos votos.

Ainda assim, diz a mesma fonte, o governo alemão está numa posição desconfortável e está tudo por decidir.

Angela Merkel disse publicamente esta terça-feira que se forem convocadas eleições antecipadas, será candidata, mesmo com as vozes que dizem que a chanceler ficou chamuscada com o falhanço negocial.

No entanto, há quem receie que novas eleições possam dar mais força à extrema-direita no Parlamento. A Alternativa para a Alemanha, foi o primeiro partido considerado xenófobo entrar para o Parlamento desde a Segunda Guerra Mundial e está expectante do que vai acontecer, tentando para já capitalizar o que é um falhanço dos partidos tradicionais, que têm governado a Alemanha desde o fim da guerra.

“O maior receio é sempre que novas eleições deem mais poder aos partidos eurocéticos [AfD à direita, Die Linke à esquerda]”, diz Michael Hössl, da comissão de Negócios Estrangeiros do Bundesrat, o senado alemão que junta os líderes dos governos alemães.

Para já, resta aos alemães esperar por uma solução, conjeturar cenários e adaptarem-se a uma situação que, apesar de muito frequente em alguns países do sul, é completamente inédita em terras germânicas.