Nos primeiros meses de 2007, a questão de saber quem seria o sucessor de Belmiro de Azevedo na liderança executiva da holding que encabeçava o grupo Sonae animava uma larga especulação sobre o tema. O empresário que tinha erguido o maior grupo económico português do pós-25 de abril costumava afirmar que o mérito seria o critério decisivo quando chegasse o momento de se fazer a escolha e não perdia uma oportunidade para se revelar crítico de processos de sucessão de natureza “dinástica”.

Meses antes da assembleia geral da Sonae SGPS que se realizou em abril daquele ano, numa reunião em que os acionistas foram chamados a eleger um novo conselho de administração, Belmiro afirmava, em entrevista à RTP, que havia quatro candidatos e que qualquer um deles era “excelente”. A lista integrava os nomes dos quatro gestores que, na época, eram vice-presidentes, todos eles com um percurso longo na estrutura de topo do grupo: Álvaro Portela, que liderava a Sonae Imobiliária, Ângelo Paupério, responsável pela área financeira, Nuno Jordão, presidente da Modelo Continente, e o seu filho, Paulo de Azevedo, que ocupava a presidência da Sonaecom e que Belmiro foi envolvendo na gestão dos negócios.

Aparentemente, Belmiro de Azevedo, que, com 68 anos, tinha decidido passar o testemunho e ocupar a cadeira de chairman, presidente sem funções executivas, colocava os quatro potenciais sucessores no mesmo plano quanto às hipóteses de virem a ser o eleito na opção final. Mas, na mesma entrevista, fazia uma ressalva. Garantia não saber se os candidatos em causa estavam disponíveis para ascender à vaga criada com a sua saída e dizia que iria conversar com cada um dos gestores antes da realização da assembleia geral de acionistas e da apresentação de uma lista com os nomes destinados a preencher os cargos em aberto nos órgãos sociais.

Palco partilhado durante a OPA à PT

A oferta pública de aquisição (OPA) que a Sonaecom tinha lançado sobre a PT, em fevereiro de 2006, tinha fracassado a 2 de março, e Paulo de Azevedo, enquanto primeiro responsável pela unidade do grupo para a área das telecomunicações e media, tinha partilhado o palco com o pai em tudo o que tinha sido intervenção relacionada com a tentativa de assumir o controlo da maior operadora de telecomunicações em Portugal. No dia em que a oferta foi apresentada, o filho (Paulo, o filho do meio) surgiu ao lado Belmiro de Azevedo na conferência de imprensa que teve como objetivo explicar os contornos daquela que foi, até hoje, a operação mais ousada entre todas aquelas em que a Sonae se envolveu durante o processo de crescimento do grupo, nem sempre com sucesso, como se veria no desfecho desta OPA.

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Mais do que uma presença por inerência do cargo que ocupava na Sonaecom, especulava-se se o protagonismo adquirido por Paulo de Azevedo não seria um sinal de que o sucessor estava encontrado e se os critérios familiares, no fim de contas, não se iriam sobrepor ao mérito. O mistério era adensado devido a declarações do filho de Belmiro, coincidentes com a época em que foi lançada a tentativa de controlo da PT. Aos 41 anos, Paulo de Azevedo referia não ter a certeza de ser a pessoa mais bem preparada para agarrar o cargo de líder executivo do grupo, o que abria espaço para a conjetura de que Ângelo Paupério, que tinha entrado para a Sonae em 1989, seria o “senhor que se segue” na cadeira ocupada por Belmiro.

O processo tinha sido mantido em absoluto sigilo, mas durava há dez anos. Belmiro de Azevedo desdramatizava. “A sucessão nunca foi um problema, nem para mim, nem para as pessoas que trabalham comigo e muito menos um problema de família”, de acordo com a citação que integra o livro “O Homem Sonae”, da autoria de Filipe S. Fernandes. Mas uma preocupação norteava o cuidado que o empresário colocava em todo o processo. Queria evitar situações que já tinha observado noutras empresas como resultado de sucessões mal conduzidas e mal resolvidas, como pedidos de demissão dos altos quadros preteridos na escolha, algo que aconteceu na General Electric quando o seu amigo e inspirador Jack Welch foi nomeado chief exective officer (CEO) do gigante norte-americano.

Um inquérito cara a cara

Cara a cara, Belmiro de Azevedo realizou um inquérito aos quatro candidatos, constituído por três perguntas, segundo a descrição feita em “O Homem Sonae”. A primeira visava saber se o inquirido queria ou podia ser o número um da Sonae. A segunda questionava se, no caso de não ser a opção, o gestor confrontado aceitava a escolha de um dos outros três. A terceira era determinante para o nome eleito: “se não for você, quem é que escolhe?”. No fim, a resposta foi encontrada. Paulo Azevedo era um nome consensual e seria o sucessor. Os três restantes gestores não só respeitariam a decisão como se dispunham a manter a ligação ao grupo Sonae.

“São os bons profissionais que gerem. Se tal coincidir com alguém da família, tanto melhor. Mas esse julgamento tem de ser feito sobretudo por quem não é da família”. A declaração de Belmiro de Azevedo foi feita numa entrevista ao Expresso, publicada em 1999, e é citada no livro “Paulo Azevedo, Nascido para Liderar”, de Blandina Costa. Indicava que o processo de sucessão tinha acabado por ir ao encontro das expetativas do líder histórico da Sonae que, se defendia que ninguém devia ficar num cargo por ser da família, também argumentava que ninguém devia ser prejudicado por, “sendo mais competente, se limitar na intervenção na gestão”.

Paulo de Azevedo assumiu a presidência executiva e os gestores que derrotou na corrida ao cargo de topo do grupo Sonae ficaram com vice-presidências. Foi eleito, de acordo com o livro citado, por “ser o mais novo, ser considerado o mais competente” e por ser o quadro que “daria um maior potencial de crescimento à Sonae”. A 3 de maio de 2007, Belmiro de Azevedo passou o testemunho ao filho e abriu um novo ciclo de vida no grupo.