Ainda antes de ser uma longa-metragem propriamente dita – a passar em várias salas de cinema portuguesas ou com uma equipa no set de rodagem — o filme “Nem sempre nunca é tarde demais” está prestes a tornar-se o primeiro filme português a recorrer a um modelo de financiamento diferente do usual, sem apoios do Estado ou de instituições públicas. O mais recente projeto de António Aleixo está a reunir investimento junto de várias entidades privadas, através de uma troca de serviços e produtos nas redes sociais. Para o realizador natural de Setúbal, e com experiência em publicidade e telediscos, o objetivo passa por “democratizar o acesso aos meios de produção” e travar o lobby que diz existir nos apoios estatais ao cinema português.

Foram necessários quatro anos para que António Aleixo, juntamente com os guionistas Miguel Crespo e Ricardo Leandro, escrevesse o texto que haveria de dar origem ao filme “Nem sempre nunca é tarde demais” – agora numa fase de produção e a cimentar o modelo de financiamento. O que inicialmente seria uma curta-metragem de ficção científica, mais tarde ganhou outros contornos na duração e na história: será uma longa-metragem com 75 minutos e transporta o espectador à vida de Jorge, o protagonista que durante a fita entra num processo de auto-redenção perante um passado tumultuoso e criminoso. “Quando cheguei a uma versão que me apetecia muito fazer, eu comecei a pensar como iria conseguir produzir este filme”, diz António Aleixo ao Observador.

Habituado ao mundo das histórias, o realizador encontrou na publicidade a forma possível de financiar a produtora da qual é sócio, Tom And Jelly, e de fazer face à falta de financiamento na área do audiovisual.

“A publicidade entra como subterfúgio de quem reconhece que não é fácil fazer ficção em Portugal. Comecei por fazer umas curtas, mas a publicidade é o que paga as contas”, explica o realizador.

António Aleixo tem trabalhado na área da publicidade e telediscos © Tom And Jelly/Facebook

Para dar vida a algumas das longas-metragens que tem “guardadas na gaveta”, António Aleixo foi reunindo algumas opiniões. Juntos de amigos e conhecidos, todos lhe falavam do crowdfunding. Mas a experiência de outras pessoas também lhe mostrava que o método de financiamento não era dos mais bem-sucedidos em Portugal. “É uma quantia muito elevada para ser financiada pelo público”, refere.

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No entanto, não descartou a ideia. Aplicou-a ao mundo corporativo: “Temos uma tabela em que cada valor corresponde a uma oferta de produtos e serviços”. Ou seja, contrariamente ao típico crowdfunding, em que cada pessoa dá uma quantia, o mesmo processo é aqui aplicado às empresas. E à medida que o montante investido aumenta, também o trabalho prestado à empresa será de maior envergadura.

Por exemplo, se uma empresa investir 500 euros no “Nem sempre nunca é tarde demais” terá uma publicação patrocinada nas redes sociais do filme – estão estimadas cerca de 11 a 30 mil visualizações. Caso o valor de investimento seja mais generoso — 50 mil euros ou mais — a empresa torna-se uma patrocinadora principal e coprodutora da longa-metragem portuguesa e terá um vídeo de apresentação até 120 segundos, dez publicações patrocinadas e um vídeo institucional até dez minutos. Todos estes serviços são prestados pela produtora do filme, a Tom And Jelly, que não está sozinha neste projeto: a longa-metragem é coproduzida pela Filmes da Mente e agenciado na comunicação pela Pointfull.

“Estes produtos e serviços vivem muito das redes sociais, o que fazem é garantir um retorno quantificável e qualificável em termos de visibilidade dos investidores nas redes sociais. O que propomos é mais um produto de marketing do que um mecenato”, esclarece António Aleixo.

No entanto, o realizador clarifica que este processo de financiamento de cinema não é necessariamente mais fácil do que os subsídios estatais. “Existe um caráter de risco porque, para um modelo destes resultar, temos de nos expor publicamente muito antes de termos o dinheiro. Podemos cair no ridículo de nunca vir a ser feito”.

Apesar das possíveis condicionantes, António Aleixo acredita que o crowdfunding aplicado às empresas é um trabalho mais direto, rápido e justo para fazer filmes. “Se qualquer pessoa que tivesse a ideia de um filme e quisesse concretizá-lo pudesse pegar neste modelo, uns iam conseguir e outros não. Mas, pelo menos, existiria uma coisa mais parecida com uma indústria e que não estaria tão dependente de subsídios estatais”, afirma o realizador, que acredita que os apoios do Estado estão circunscritos a alguns realizadores.

“Nos últimos 20 anos, o facto de o cinema português ter 99% de cariz autoral fez com que o público se afastasse das salas e fez com que o cinema português não tivesse grande interesse”, acrescenta António Aleixo.

Até este momento, o filme reuniu cerca de 120 mil euros através deste modelo de financiamento – uma percentagem deste valor será dedicada à produção dos conteúdos audiovisuais que acordaram com as empresas. António Aleixo avança que já existem duas empresas com potencial de serem patrocinadoras principais do filme, enquanto uma dezena de entidades está a oferecer valores mais baixos de investimento. Os contratos estão ainda a ser assinados e, por isso, o realizador não revela quais são os investidores. Todos eles são de setores de negócio diferentes.

Até ao início do próximo ano, a equipa quer fechar a fase da “montagem financeira” para, em março, começarem a filmar – a rodagem vai acontecer em Setúbal. Para cumprirem o objetivo do orçamento, o projeto de financiamento da longa-metragem terá de angariar cerca de 363 mil euros. “Vamos fazer o filme na mesma, mas veremos com quanto dinheiro”, diz António Aleixo. Ainda antes de ser rodado, “Nem sempre nunca é tarde demais” conta já com os atores Albano Jerónimo, Anabela Moreira e Alfredo Brito.