Modificar geneticamente as células do sistema imunitário para atacar as células tumorais, neste caso as do linfoma não-Hodgkin, apresenta algum potencial, segundo os resultados apresentados na 59ª Conferência Anual da Sociedade Americana de Hematologia, em Atlanta (Estados Unidos). Mas, além do entusiasmo com os resultados dos ensaios clínicos, os investigadores alertam para os potenciais efeitos tóxicos e para o facto de não ser um tratamento que se possa aplicar a todos os doentes.
“Estamos a seguir uma abordagem muito calculada com esta nova terapia, que é eficaz, mas que também é potencialmente tóxica”, disse, em comunicado, Patrick Stiff, diretor do Centro de Cancro Cardinal Bernardin, nos Estados Unidos, co-autor de um dos ensaios clínicos publicado na revista científica The New England Journal of Medicine (NEJM). “A terapia não deve ser considerada uma solução para todos, visto que alguns doentes tiveram uma recaída depois do tratamento.”
Neste novo tratamento são as próprias células do doente que vão combater o cancro, mas antes disso têm de ser modificadas. Os células T do sistema imunitário são recolhidas do sangue do doente, são modificadas geneticamente em laboratório e reintroduzidas no doente. Esta modificação consiste na adição de um recetor — chamado recetor quimérico de antigénio (CAR, na sigla em inglês) — que vai identificar e ligar-se à proteína CD19 que existe na superfície das células tumorais. Localizadas as células tumorais, as células T CAR podem destrui-las.
As células T modificadas e reintroduzidas no doente vão comportar-se como as células T normais e multiplicar-se — cada célula pode originar mais de 10 mil células-filha, formando um autêntico exército. Outra das vantagens deste método é que as células modificadas podem manter-se no organismo durante vários anos.
Durante o ensaio clínico publicado na NEJM, 91 doentes receberam a terapia. Este doentes tinham grandes linfomas nas células B (do sistema imunitário) que não responderam aos tratamentos convencionais ou que tiveram uma recaída depois de recorrerem a pelo menos dois tipos de tratamentos, como quimioterapia ou transplante de células estaminais. 42% destes apresentaram uma remissão total do cancro depois de um acompanhamento, em média, de 15,4 meses. Os resultados com as células T CAR estão próximos da taxa de cura dos transplantes de medula com origem em dador (45%).
Os bons resultados obtido com este estudo permitiu que a autoridade do medicamento norte-americana (FDA, Food and Drug Administration) autorizasse o tratamento baseado em células T CAR chamado Yescarta, da empresa Kite Pharma.
Linfoma não-Hodgkin
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Linfoma é a designação genérica para cancro no sistema linfático. A origem dos linfomas não-Hodgkin é sempre conhecida — os linfócitos (glóbulos brancos do sistema imunitário). O tumor pode surgir em qualquer local no organismo e, como se tratam de células circulantes, espalhar-se facilmente por todo o organismo.
CUF
Outro dos ensaios apresentado na conferência contou com a participação de doentes de 10 países espalhados pela América do Norte, Europa, Austrália e Ásia. Neste caso, participaram no ensaio 81 doentes com a forma mais comum do linfoma não-Hodgkin. Destes 26 (32%) tiveram uma resposta completa e 5 (6%) tiveram uma resposta parcial ao fim de três meses. Dos doentes que tiveram algum tipo de resposta, 73% continuava sem sinais do cancro ao fim de seis meses.
“Cerca de um terço de todos os doentes para os quais falham as presentes terapias, mesmo o transplante, pode agora ter uma forma de terapia que lhe pode oferecer uma remissão durável”, disse, em comunicado, Stephen J. Schuster, médico no Centro de Cancro Abramson e na Faculdade de Medicina Perelman na Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), que liderou um dos ensaios clínicos. “Esta terapia tem o potencial de salvar vidas se for aprovado pela FDA com esta indicação.”
Apesar de os resultados poderem trazer alguma esperança a alguns dos doentes para os quais as outras formas de tratamento falharam, os efeitos secundários são uma grande preocupação para os investigadores, uma vez que todos ou quase todos os participantes no estudo tiveram algum tipo de problema.
Um dos efeitos secundários mais graves é a síndrome de libertação de citoquinas que levou à morte de dois doentes num dos ensaios clínicos. Os sintomas associados a esta doença são febres altas, náuseas, dores musculares e podem requerer o internamento nos cuidados intensivos. Outros efeitos secundários registados foram infeções, baixa contagem no hemograma ou problemas neurológicos.
No estudo publicado na NEJW, os investigadores verificaram que a incidência dos efeitos secundários severos diminuiu ao longo do tempo. Segundo o comunicado da instituição, é provável que esta melhoria se tenha devido ao acumular da experiência adquirida pelos centros onde decorriam os ensaios.
Mas além dos efeitos secundários, os investigadores têm de se preocupar com outro problema: o aparecimento de resistência ao tratamento. Aparentemente, algumas células tumorais deixam de ter a proteína CD19 na superfície das células. Como é este sinal que permite às células T CAR identificarem e combaterem as células tumorais, o tratamento fica comprometido porque as células tumorais ficam “invisíveis” para as células modificadas.