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As farmacêuticas que ganharam a corrida das vacinas de mRNA contra o SARS-CoV-2 também estão agora na linha da frente das vacinas de mRNA contra o cancro
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As farmacêuticas que ganharam a corrida das vacinas de mRNA contra o SARS-CoV-2 também estão agora na linha da frente das vacinas de mRNA contra o cancro

As farmacêuticas que ganharam a corrida das vacinas de mRNA contra o SARS-CoV-2 também estão agora na linha da frente das vacinas de mRNA contra o cancro

Vacinas de mRNA contra o cancro: "Estou convencido de que no final de 2024 teremos os primeiros resultados dos ensaios clínicos"

Não existirá uma só vacina para todos os cancros, nem vão surgir todas ao mesmo tempo, diz Nuno Vale, investigador na Universidade do Porto. Mas a pandemia ajudou a acelerar a investigação no cancro.

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Os últimos dois anos e meio tornaram mais comum o uso combinado de expressões como RNA mensageiro (mRNA), vacinas e resposta do sistema imunitário. Foi a pandemia de Covid-19 e as vacinas com a tal molécula de mRNA baseada no SARS-CoV-2 que normalizaram a sua utilização, mas a tecnologia não surgiu de repente por causa de uma emergência mundial. Esta plataforma de desenvolvimento de vacinas já estava a ser explorada para o tratamento do cancro (e contra outros vírus), ainda que com uma evolução mais lenta — ou, pelo menos, menos visível — do que aquela a que assistimos durante a pandemia.

Antes do avanço científico acelerado a que o mundo assistiu em 2020 não havia qualquer vacina de mRNA aprovada e os ensaios clínicos não permitiam antever que viessem a ter um sucesso indiscutível. A pandemia obrigou a farmacêutica alemã BioNTech a interromper a investigação na área do cancro para se dedicar ao SARS-CoV-2, mas agora que retomou essa linha de trabalho está pronta para afirmar que uma vacina contra o cancro pode vir a ser distribuída “em larga escala antes de 2030”, como referiu Uğur Şahin, co-fundador e diretor executivo da farmacêutica em entrevista à BBC. Outras duas empresas de biotecnologia, a Curevac e a Moderna, também estão nesta corrida.

Os cerca de sete anos que nos separam do final da década podem parecer um período curto quando comparado com os anos já dedicados a este tipo de vacina contra o cancro: Özlem Türeci, diretora clínica na BioNTech, e Uğur Şahin fundaram a empresa em 2008, mas já faziam investigação nesta área desde o final dos anos 1990. Nuno Vale, que coordena uma equipa de investigação em Farmacoterapia Oncológica, pelo contrário, diz que “2030 não é ser ambicioso demais, é um período razoável para ser lançado [o primeiro tratamento deste tipo]”.

BioNTech quer ter vacina de mRNA contra o cancro antes de 2030

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“A Covid-19 veio acelerar mesmo muito [as vacinas contra o cancro], porque as pessoas olham para o sucesso de uma e acham que o sucesso da outra também vai acontecer. Portanto, enquanto não existirem provas de que não funciona ou que os dados são muito fracos, os estudos vão decorrer e a um ritmo bastante acelerado”, justifica o coordenador do grupo OncoPharma no Cintesis, na Universidade do Porto.

Como é que as vacinas contra o coronavírus podem ajudar a criar vacinas contra o cancro?

Esta tecnologia, ou melhor, a plataforma que tem por base o uso de mRNA (ARN mensageiro) permite desenvolver vacinas rapidamente porque não obriga a começar tudo de novo para cada novo alvo identificado, bastando introduzir uma nova porção de código genético (neste caso, sob a forma de mRNA). A preparação desta plataforma, nomeadamente para o tratamento do cancro, era o ponto em que a investigação estava antes da pandemia de Covid-19, “só que, se calhar, ia demorar muito mais tempo”, suspeita o investigador Nuno Vale. “A Covid-19 veio dar um impulso a esta tecnologia, mesmo sem querer.”

As duas empresas alemãs, BioNTech e CureVac, trabalhavam na área do cancro e a norte-americana Moderna tinha nove vacinas candidatas contra doenças infecciosas (ainda que só uma tenha chegado a ensaios clínicos alargados), e estão entre as primeiras empresas de biotecnologia a avançar com vacinas contra o SARS-CoV-2 baseadas em mRNA — ainda que a CureVac não tenha conseguido alcançar os níveis de eficácia das outras duas. O Observador tentou contactar a BioNTech e a Moderna, mas não obteve resposta ao pedido de entrevista.

O princípio geral é o mesmo: o código inscrito numa molécula simples de material genético do alvo (do vírus ou da célula tumoral) é capaz de criar uma mensagem (um antigénio) capaz de ser lida pelo sistema imunitário (em particular, os glóbulos brancos), levando à produção dos anticorpos, que se colam ao alvo a abater.

As moléculas de mRNA — com o código para o fabrico da proteína spike, outras proteínas virais e até moléculas do tumor — são colocadas dentro de pequenas bolhas de gordura (as chamadas nanopartículas lipiídicas), que servem de transporte, mas também protegem o mRNA do ataque precoce pelo sistema imunitário — como um carteiro que entrega uma encomenda importante em sua casa, sem permitir que a chuva ou um cão a desfaça. A possibilidade de usar gotas de gordura para colocar mRNA dentro das células (e estas o utilizarem) foi descoberta já em 1987 por Robert Malone, como recorda a Nature News.

"A pandemia da Covid-19 levou certamente a um aumento sem precedentes do investimento nesta tecnologia."
Ulrike Gnad-Vogt, vice-presidente e chefe da área de Oncologia da CureVac

Nenhuma vacina aprovada, mas ensaios feitos desde os anos 1990

A primeira vacina de mRNA foi testada em ratos há quase 30 anos, em 1993, e tinha como alvo o vírus da gripe — só em 2015 chegou aos ensaios clínicos com humanos, recorda a Nature News. As moléculas de mRNA sempre foram consideradas muito instáveis e difíceis de controlar e o desenvolvimento de vacinas com base nestas moléculas mostrava-se pouco viável e muito dispendioso. Além disso, o uso destas vacinas tinha muitos efeitos secundários, pelo menos até os investigadores passarem a usar mRNA modificado — um dos blocos de construção do RNA (ou ARN, na sigla em português), a uridina, foi substituída por uma versão artificial, a pseudouridina.

Agora, o conhecimento e a experiência adquiridos durante o desenvolvimento, aprovação e fabrico das vacinas de mRNA contra o SARS-CoV-2 “vão com certeza acelerar a vacina contra o cancro”, defendeu Özlem Türeci, na entrevista à BBC, referindo-se ao trabalho da BioNTech. “Aprendemos a fabricá-las melhor, aprendemos num largo número de pessoas como é que o sistema imunitário reage contra mRNA, os reguladores aprenderam sobre as vacinas de mRNA e como lidar com elas.”

Nuno Vale não trabalha especificamente com vacinas de mRNA, mas alerta que afirmar que o que fizemos para o coronavírus pode ser feito para o cancro tem mais de marketing do que de científico. “Não se trata de replicar o que se passa no SARS-CoV-2”, diz. “Porque não há garantia de que o sistema imunológico acompanhe esta abertura — digamos assim — que se está a ter com a introdução do RNA mensageiro do SARS-CoV-2.” Ou seja, o caminho que as vacinas contra o cancro ainda terão de trilhar não será exatamente o mesmo.

Mas não existem dúvidas de que as vacinas contra a Covid-19 ajudaram a ultrapassar outras barreiras: foi identificada uma formulação estável e fácil de administrar as vacinas; foi estabelecida a capacidade de produção, distribuição e acondicionamento de vacinas com uma tecnologia nova; e estabeleceu-se os métodos de aprovação desta plataforma por parte dos reguladores. “Os investigadores [das empresas de biotecnologia] retomaram no ponto em que estavam, mas agora há maior abertura por parte da comunidade científica para aceitar estes ensaios clínicos”, afirma Nuno Vale.

Outro dos fatores de sucesso das vacinas contra o SARS-CoV-2 — não só para as de mRNA, mas também para as outras — foi o fluxo de financiamento, com valores muito superiores aos que tinham sido investidos nas vacinas de mRNA contra o cancro. As duas equipas mais bem sucedidas na venda de vacinas de mRNA (BioNTech/Pfizer e Moderna) têm agora fundos suficientes para investir no desenvolvimento de novas vacinas, se assim o entenderem. As farmacêuticas acreditam que os investidores externos, por sua vez, terão muito menos receio de colocar dinheiro numa tecnologia que já viram ter resultados positivos.

“A pandemia da Covid-19 levou certamente a um aumento sem precedentes do investimento nesta tecnologia”, disse Ulrike Gnad-Vogt, chefe da área de Oncologia da Curevac, citado pela revista científica The Pharmaceutical Journal. “Isto não só validou cientificamente a abordagem como permitiu um crescimento significativo na área, devido à disponibilidade de financiamento, que não existia antes“, afirmou o também vice-presidente empresa de biotecnologia, que agora está focada na segunda geração de vacinas contra a Covid-19. Uma pequena alteração vai permitir que as proteínas codificadas pelo mRNA se aguentem durante mais tempo, provocando um estímulo maior no sistema imunitário, e isso também pode ser replicado nas vacinas contra o cancro.

“Esta tecnologia de vacinas contra o cancro permite, em princípio, atacar todas as células tumorais. Isso é uma grande vantagem relativamente à quimioterapia, à cirurgia [e a outros tratamentos convencionais].”
Nuno Vale, coordenador do OncoPharma, Cintesis - Universidade do Porto

Coronavírus proporcionou um ensaio clínico gigantesco

Outro aspeto inegável é que as vacinas contra o novo coronavírus permitiram testar a tecnologia em muito mais pessoas do que anteriormente se tinha sequer equacionado fazer: não só nos ensaios clínicos das fases de segurança e depois eficácia como no acompanhamento de todas as pessoas que foram vacinadas (nos esquemas vacinais primários e nos reforços) e dos efeitos secundários que foram sendo registados ao longo do tempo. Ao longo de quase dois anos, praticamente todos os grupos foram vacinados, das crianças aos idosos, passando pelas grávidas, pessoas saudáveis ou com vários tipos de doenças.

“A Covid-19 ajudou a perceber melhor a resposta do nosso sistema imunológico a esta tecnologia”, afirma o investigador da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Que é o mesmo que dizer: a administração universal das vacinas proporcionou o ‘maior ensaio clínico de segurança’ e a maior base de dados para vacinas baseadas em mRNA que alguma vez existiu. “E é por isso que a BioNTech acelerou agora os ensaios clínicos da vacina [contra o cancro]”, defende. Mais: os doentes com cancro tiveram uma boa resposta à vacina contra a Covid-19 e não apresentaram efeitos secundários distintos de outros grupos, refere o investigador.

“[Com a] informação de segurança que já existe, é possível que os efeitos secundários que venham a existir não sejam tanto da tecnologia da vacina, mas mais do estado em que se encontra o tumor.” Esse será um dos ângulos a ter em conta nesta área de investigação.

O que distingue os dois tipos de vacinas: contra o vírus e contra as células tumorais?

Identificar os alvos do tumor não é tão fácil como escolher a spike

O mRNA fabricado a partir da informação genética do SARS-CoV-2 transporta as instruções para o fabrico da proteína spike — aquela que dá o aspeto coroado ao vírus e que funciona como uma chave para entrar nas nossas células. As primeiras vacinas basearam-se no vírus original de Wuhan e as novas vacinas já têm também mRNA que leva à produção da proteína spike da variante Ómicron, com a vantagem de que podem estar ambas na mesma vacina.

No caso do cancro — ou, melhor dizendo, dos cancros — é preciso identificar que proteínas estão à superfície das células tumorais e que possam ser tornadas num alvo do sistema imunitário, como a spike do coronavírus. Não nos podemos arriscar a ter como alvo proteínas que também existam nas células saudáveis do organismo, porque levaríamos o sistema imunitário a atacar o próprio corpo.

Vacinas de mRNA contra o cancro são de tratamento

Quando as gotículas de gordura cheias de mRNA entram nas células dendríticas (ou nas células tumorais ou outras), os componentes celulares traduzem a mensagem do mRNA, fabricam uma proteína (como a spike) e colocam-na na montra — que é como quem diz, presas à superfície da célula ou livres no espaço exterior — para que os anticorpos e células T aprendam a reconhecê-las e as ataquem. As células dendríticas têm precisamente essa função — apresentar os antigénios, ou seja, as moléculas que o sistema imune deve encontrar e combater — e são as células-alvo das vacinas contra a Covid-19. No caso da vacina contra o cancro há várias opções, desde as células dendríticas às próprias células tumorais.

Mas a grande diferença está no objetivo da utilização. As vacinas contra a Covid-19 tinham como função fundamental a prevenção: evitar que o vírus entrasse nas células (bloqueando a spike), para evitar a infeção e a doença grave. O mesmo princípio pode ser usado no caso dos cancros causados por vírus, como o HPV (vírus do papiloma humano), que aumenta o risco de cancro do cólo do útero, ou do vírus da hepatite B, que aumenta o risco de cancro do fígado. Mas aquilo que os investigadores procuram com as vacinas de mRNA é uma forma de tratamento para vários tipos de cancro.

Cocktail de imunoterapia pode aumentar a esperança de viva de doentes com cancro terminal

Muitas vacinas numa só ou como atacar o cancro de todos os lados

Uma das grandes vantagens das vacinas de mRNA é que podem conter vários mensageiros diferentes com instruções para proteínas distintas, como as novas vacinas contra a Covid-19 que têm a receita da spike de duas variantes. No caso do cancro, esta característica é ainda mais importante: uma mesma vacina pode incluir o código para várias proteínas-alvo do tumor, aumentando a probabilidade de sucesso do tratamento. A dificuldade será encontrar os alvos certos.

E se no caso da spike do SARS-CoV-2 um dos grandes objetivos era bloquear a proteína para impedir que o vírus infetasse as nossas células, no caso do cancro existem mecanismos alternativos: provocar a reação do sistema imune contra proteínas específicas, logo, contra o cancro; introduzir proteínas nas células tumorais que vão alterar o funcionamento destas células acabando por matá-las; ou fazer com que as células tumorais se distingam realmente das células normais para serem mais facilmente “vistas” pelo sistema imunitário.

Uma vacina para cada doente

A plataforma para as vacinas de mRNA permite fabricar rapidamente novas vacinas, trocando um código genético por outro. Esta plataforma tem potencial, por exemplo, para o fabrico das vacinas contra a gripe sazonal, que todos os anos podem ter uma formulação diferente com base nos vírus que estiveram em circulação na estação anterior. Mas a especialização para o cancro pode ser ainda maior.

Um cancro da mama não é igual a um cancro da bexiga nem a um cancro da pele e, como tal, também terá algumas proteínas diferentes à superfície, resultantes das mutações que o código genético da célula sofreu. Na verdade, mesmo subtipos diferentes de um mesmo tipo de tumor podem ter proteínas específicas e distintas, o que permite uma vacina direcionada para estes alvos singulares. No limite — e esse é o desejo das farmacêuticas —, pode ser criada uma vacina específica para cada tumor de cada doente, identificando que partes do código genético são únicas e diferentes de todas as células saudáveis — estas são as vacinas personalizadas.

O que falta para as vacinas contra o cancro se tornarem uma realidade?

Antes de mais, é preciso deixar claro que não haverá uma vacina única, porque o cancro não é uma única doença. E, como já vimos, esta tecnologia permite vacinas tão individualizadas que podem ser específicas para o cancro de cada doente. Também não surgirão todas ao mesmo tempo, destaca Nuno Vale. “Será, se calhar, para os cancros que estão mais bem estudados. E, se for aprovada uma vacina que tenha sucesso, sem dúvida que isso será replicado para os outros tipos de cancro.”

"Ao contrário do SARS-CoV-2, que afecta os seres humanos de forma semelhante, o cancro de cada indivíduo é único, necessitando de uma abordagem mais personalizada."
Praveen Aanur, vice-presidente e responsável pela área de Oncologia na Moderna

Por muito sucesso que venham a ter estas vacinas, não vão substituir todos os outros tipos de tratamento contra o cancro e dificilmente poderão ser usadas por si só, defende o investigador do Cintesis, dando eco ao trabalho de outros investigadores. “A monoterapia baseada em vacinas de mRNA poderia ser um tratamento eficaz para doentes oncológicos diagnosticados numa fase inicial, mas parece improvável que estas vacinas tenham sucesso como tratamento de monoterapia para cancros avançados, devido aos desafios relacionados com o microambiente altamente imunossupressor do tumor”, escreveu a equipa de Inge Marie Svane, investigadora no Departamento de Oncologia do Hospital Universitário de Copenhaga, na revista científica The Lancet Oncology.

“Não compreendemos completamente porque é que, entre todas as imunoterapias diferentes que temos, umas não funcionam para algumas pessoas e funcionam para outras”, disse Sam Godfrey, coordenador da equipa de informação no Cancer Research UK. “Tenho a certeza de que [as vacinas de mRNA contra o cancro] serão bem sucedidas no futuro para um subconjunto de pessoas. Mas não é de forma alguma uma cura milagrosa.

A equipa liderada pela investigadora da Dinamarca acrescenta: “As vacinas terapêuticas de mRNA contra o cancro têm mais probabilidades de sucesso em combinação com outros métodos de tratamento de imunoterapia.” Isto é, de facto, o que tem acontecido nos ensaios clínicos: uma única vacina pode ter dezenas de potenciais alvos tumorais.

Um desses tratamentos de imunoterapia pretende bloquear o travão que as células tumorais aplicam nas células do sistema imunitário. Posto de outra forma, as células tumorais nem sempre passam despercebidas ao sistema imunitário, nomeadamente às células T, mas têm uma outra estratégia para as impedirem de atuar: um “pé” (proteína tumoral) que carrega no “travão” da célula T (um recetor) e que adormece a célula defensora. Os tratamentos de imunoterapia pretendem tirar esse travão e a vacina de mRNA ainda ajuda a carregar no acelerador.

O novo caminho para combate ao cancro que faz aumentar esperança de vida

A combinação das vacinas de mRNA com terapias adjuvantes, tais como a quimioterapia tradicional, a radioterapia e os inibidores do ponto de controlo imunitário [os “travões”], pode contribuir ainda mais para as vantagens da abordagem em oncologia”, escreveu Mehmet Sitki Copur, diretor de Oncologia no Morrison Cancer Center (Estados Unidos), na revista científica Oncology. “Os desafios podem incluir manter as boas práticas de produção das vacinas em larga escala, estabelecer regulamentos, aumentar o registo de segurança e aumentar a eficácia [das vacinas].”

Tal Zaks, antigo médico-chefe da Moderna, acrescenta ainda outros desafios: “Primeiro, pode uma vacina de mRNA gerar uma resposta com células T? Segundo, será que estamos a gerar uma resposta contra o antigénio certo? E terceiro, será [uma resposta] suficientemente boa?”. As preocupações de Tal Zaks, que agora é parceiro de risco da OrbiMed (uma empresa de investimento em cuidados de saúde), foram apresentados pelo jornal Politico.

Tanto as vacinas personalizadas como as terapias combinadas têm um objetivo comum: eliminar o tumor sem lhe dar oportunidade de evoluir e escapar aos tratamentos, como acontece, por exemplo, com alguns tratamentos de quimioterapia quando os tumores se tornam resistentes à terapia. Num único tumor podem existir células diferentes, umas serão eliminadas pelo tratamento e outras podem não ser. As que ficarem já não vão ser eliminadas pelo tratamento que estava a ser usado anteriormente e podem voltar a fazer crescer o tumor, um tumor diferente.

Uma vacina que tenha vários mRNA para alvos diferentes nas células tumorais e que adicionalmente seja combinada com outras terapias diminui o risco de o tumor evoluir, de ter novas mutações e de conseguir escapar ao sistema imunitário, destaca a equipa de Luigi Aurisicchio, investigador no Instituto de Investigação Genética (Biogem), em Itália, num artigo publicado na revista científica Journal of Experimental & Clinical Cancer Research.

“A combinação das vacinas de mRNA com terapias adjuvantes, tais como a quimioterapia tradicional, a radioterapia e os inibidores do ponto de controlo imunitário [os “travões”], pode contribuir ainda mais para as vantagens da abordagem em oncologia.”
Mehmet Sitki Copur, diretor de Oncologia no Morrison Cancer Center

Conseguir que estes múltiplos alvos estejam todos na mesma vacina e não em tratamentos diferentes dados em momentos diferentes, como acontece na quimioterapia, também tem a vantagem de reduzir os potenciais efeitos secundários e o impacto nas células saudáveis do organismo. Como a função das vacinas é ensinar o organismo a defender-se, a expectativa é a de que o sistema imunitário seja capaz de identificar e eliminar qualquer célula tumoral que se tenha escapado e que esteja a tentar instalar num outro ponto do corpo.

Nuno Vale alerta, no entanto, que mesmo esta combinação e as vantagens prometidas terão de ser bem estudadas, porque o efeito pode depender do momento em que é dada a vacina, da saúde do sistema imunitário e da fase em que se encontra o cancro. “Será que a partir de um dado momento é tarde demais para este tipo de tratamento?”

Que tipo de vacinas serão usadas e como serão administradas são também abordagens que não estão completamente fechadas. As vacinas contra a Covid-19 mostraram que as nanopartículas lípidicas são uma boa forma de introduzir o mRNA dentro das células e que podem ser injetadas diretamente no doente com uma vacina. Mas outra opção pode passar por recolher células dendríticas do doente, levá-las a produzir as proteínas de interesse (também com recurso às moléculas de mRNA) e, depois, escolher as melhores e voltar a introduzi-las no doente. Este método é, no entanto, mais invasivo, mais demorado e mais caro.

Injetar as pequenas bolinhas de gordura recheadas de mRNA por baixo da pele é uma forma de garantir uma resposta rápida e eficaz do sistema imunitário, mas também por isso causa tantos efeitos adversos no local da picada. As vacinas inaláveis ou injetadas diretamente nos nódulos linfáticos chegam diretamente às células que devem traduzir o mRNA e colocá-los na montra, mas o volume da vacina que pode ser usada nestes casos é muito pequeno.

As injeções intramusculares, tal como são atualmente usadas para as vacinas contra a Covid-19, parecem ser a melhor solução também para as vacinas de mRNA contra o cancro: “O tecido muscular é altamente vascularizado, contém diversas células imunitárias para processarem o mRNA e a injecção intramuscular induz, em geral, menos reações no local da picada”, escreveu a equipa de Inge Marie Svane.

A equipa de Luigi Aurisicchio acrescentou outras questões que ainda não estão esclarecidas sobre estas vacinas: será preciso adequar a forma de administração da vacina ao antigénio (proteína) que o mRNA vai codificar? Poderá existir uma reação cruzada entre diferentes antigénios codificados na mesma vacina ou com os que existem naturalmente no organismo? No primeiro caso, pode haver uma diminuição da eficácia se não for usado o método correto. No segundo, os efeitos secundários podem ser cumulativos e exacerbados.

Nuno Vale ainda acrescenta mais uma dúvida, que podemos também associar à vacina contra a Covid-19: por quanto tempo se vai manter a resposta imunitária? Ou seja, será que o sistema imunitário se pode “esquecer” dos sinais do cancro que estava a tratar e não ser capaz de identificar células que apareçam em circulação passado alguns meses? Nesta situação, o investigador do Cintesis não fala em “reforço”, como fazemos contra o coronavírus, mas de vários ciclos de vacinação contra o cancro, tal como já existem vários ciclos de tratamentos com as terapias convencionais. Falta, naturalmente, definir como serão esses ciclos.

“Isso pode fazer com que os resultados dos ensaios clínicos da vacina contra o cancro demorem a ser publicados, porque estes ciclos têm que ser estudados pelo menos durante dois anos”, diz Nuno Vale. “Mas eu estou convencido de que no final de 2024 teremos os primeiros resultados dos ensaios clínicos que estão a ser desenvolvidos agora.”

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