O Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu esta quarta-feira que a Uber é uma empresa de transportes (e não uma empresa digital, como defende) e que tem de cumprir com a legislação em vigor no setor dos transportes. O que é que isto significa para a operação em Portugal? Que o argumento que a Uber utiliza para dizer que é uma empresa de intermediação de serviços cai por terra e que a regulamentação proposta pelo Governo vai ao encontro do que quer a Europa. Mas as propostas de regulamentação estão desde março para discussão na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas.

Para entender o que está em causa nesta decisão, há cinco questões que tem de saber sobre o estado da operação da Uber.

O argumento de que a Uber servia apenas como intermediária continua válido?

Não continua. Quando a Uber começou a operar no mercado português, refugiou-se no facto de ser “uma plataforma de tecnologia”, como explicou ao Observador o diretor da Uber para a Península Ibérica, Rui Bento, numa entrevista em março de 2016. Demarcando-se dos serviços que são efetuados através da aplicação, o gestor explicava na altura que não existiam regras, em Portugal, que impedissem a operação de plataformas eletrónicas de intermediação.

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“Ou seja, a Uber pode operar como plataforma de tecnologia, tal como a Booking pode ligar pessoas a hotéis, a Airbnb pode ligar pessoas a casas, uma central de táxis, no limite, pode ligar pessoas a motoristas de táxi. Não existe qualquer inibição à operação de plataformas de intermediação em Portugal”, disse Rui Bento. Este argumento foi agora completamente refutado pela decisão do Tribunal da Justiça da União Europeia, que diz explicitamente que “a Uber deve ser excluída da liberdade da prestação de serviços em geral, bem como da diretiva relativa aos mercados internos sobre o mercado eletrónico.

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Sob que legislação tem estado a empresa a atuar em Portugal?

Como Rui Bento esclareceu na mesma entrevista, a Uber veio “potenciar serviços que já estavam previstos na lei” — a regulamentação a que o diretor da empresa se refere é a que rege o transporte de passageiros em veículos com motorista privado, que inclui Táxis Letra A, Táxis Letra T, operadores turísticos e empresas de rent-a-car, explicou Rui Bento numa carta que enviou ao deputado Bruno Dias, do PCP.

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Os taxistas sempre argumentaram que a lei pela qual a Uber se regia servia para transportes ocasionais e não para transportar pessoas ao ritmo que a Uber faz. Em entrevista ao Observador, o responsável reconheceu que a atual lei não foi escrita a pensar em plataformas tecnológicas. “Reconheço que a lei atual não foi escrita a pensar em plataformas tecnológicas e na Uber, em específico. E essa é uma das razões pelas quais defendemos que é importante que haja uma atualização regulatória”, afirmou.

É por este motivo que fonte oficial da empresa reagia hoje à decisão do Tribunal da Justiça Europeu, afirmando que “não vai mudar a situação na maioria dos países da União Europeia” onde a empresa já opera “de acordo com as leis de transporte”.

A proposta de regulamentação do Governo prevê o quê?

Desde março deste ano que a proposta de regulamentação do Governo para o serviço de transporte em veículos descaracterizados (TVDE), onde se inclui a Uber e a Cabify, está para discussão e aprovação na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas. O documento não chegou a ser votado no Parlamento por não merecer concordância dos restantes partidos com assento parlamentar, que apresentaram propostas próprias.

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Na proposta do Governo, a regulamentação dos veículos descaracterizados passa por quatro condições mínimas:

  1. exigir aos motoristas da Uber e Cabify que sejam titulares de um certificado de motorista (que tem de passar pelo IMT e é válido durante cinco anos);
  2. ter carta de condução há pelo menos três anos;
  3. frequentar um curso de formação de 50 horas (que pode ser dispensado se já tiver certificado de motorista de táxi);
  4. ter a sua idoneidade certificada.

Quanto aos carros que circulam na estrada, não podem ter mais de nove lugares nem mais de sete anos. Devem ter seguro de responsabilidade civil e acidentes pessoais e estarem identificados com um dístico visível.

O Governo não cede, contudo, naquela que é a grande luta dos taxistas: o contingente, ou seja, um limite aos carros que circulam nas ruas através destas plataformas e que merece o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista.

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A Uber vai ter de seguir as mesmas regras dos táxis?

A decisão do tribunal europeu conclui que a Uber é uma empresa de transportes e que, por isso, deve cumprir com a legislação em vigor para o setor dos transportes. O tribunal diz ainda que cabe a cada Estado-membro definir a regulação a adotar, salvaguardando que a empresa “deve ser excluída da liberdade da prestação de serviços em geral, bem como da diretiva relativa aos mercados internos sobre o mercado eletrónico”.

Não diz, contudo, que essa legislação deve ser a que rege o setor do táxi. “O serviço que estabelece a ligação entre motoristas não profissionais e clientes prestado pela Uber constitui um serviço no domínio dos transportes. Por conseguinte, os Estados-membros podem regulamentar as condições de prestação desse serviço”, lê-se no documento disponibilizado pelo Tribunal Europeu.

Numa nota enviada às redações, o secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Gomes Mendes, diz que “o comunicado do Tribunal começa por dizer, em título, que o serviço da Uber é um serviço prestado no âmbito do campo dos transportes e que os Estados-membros podem regular as condições para a respetiva disponibilização. Em momento algum se diz que o serviço da Uber é igual ou equiparável ao do táxi.”

O que é que o Governo diz da decisão do Tribunal Europeu?

O secretário de Estado Adjunto e do Ambiente, José Gomes Mendes, afirmou na mesma nota que “a decisão divulgada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia confirma aquela que é a interpretação do governo português e mais que legitima o processo legislativo para a regulação do transporte em veículo descaracterizado a partir de plataformas eletrónicas”.

O secretário de Estado acrescenta que a proposta de regulamentação apresentada pelo Governo vai ao encontro da decisão do Tribunal Europeu. “Foi justamente isso que fizemos, ao propor uma lei que integra as plataformas eletrónicas na cadeia de serviços associados ao transporte de passageiros, regulando a sua atividade”, refere o comunicado.