Eduardo Catroga não irá fazer mais nenhum mandato como presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, porque o novo quadro legal português o impede de permanecer naquele cargo enquanto representante do maior acionista da elétrica, a China Three Gorges.

À margem de uma conferência sobre remuneração dos gestores, em que participou ainda como chairman da elétrica, Catroga esclareceu que a transposição feita em Portugal da diretiva europeia de auditoria o impede de continuar à frente do conselho geral e de supervisão da elétrica, uma vez que este cargo tem de ser desempenhado por um administrador independente dos acionistas — isto por causa de uma interpretação mais “restritiva” da diretiva da que terá sido feita em outros países, comenta.

Eduardo Catroga fez três mandatos — dois como vogal e um como presidente — na qualidade de independente no conselho da elétrica, situação que não poderia continuar por mais um mandato. Os acionistas quiseram que permanecesse no cargo a partir de 2015, o que só pode fazer como representante do maior acionista. Com a transposição no ano passado da diretiva europeia, o quadro legal aplicável em Portugal já não permite esta situação e Eduardo Catroga deixa de ser presidente do conselho geral e da supervisão da EDP este ano, sendo substituído por Luís Amado cuja nomeação será votada em assembleia geral a 5 de abril.

Questionado se pode permanecer nos órgãos sociais da EDP como representante do acionista chinês, Eduardo Catroga não é taxativo, mas adianta que se irá dedicar o tempo que dedicava à elétrica a projetos nacionais e internacionais, que não identifica. E garante: “Estou cheio de energia e vou voltar a trabalhar”.

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Na conferência promovida pela consultora Mercer e pela sociedade de advogados Sérvulo, em que se debateu a relação entre os acionistas e os administradores, Catroga já tinha feito uma referência às limitações legais à escolha dos órgãos sociais pelos acionistas: “A independência não se mede pelo número de mandatos”.

A independência dos órgãos que definem as políticas de remunerações dos gestores, fiscalizam o seu desempenho e decidem se merecem prémios de gestão, foi um dos temas fortes da conferência realizada esta quarta-feira em Lisboa sob o tema “Remuneração de Executivos e Corporate Governance”.

Apesar de reconhecer a importância da independência, José Gonçalo Maury, que lidera a comissão de remunerações do BCP, defende que quem define remunerações também deve conhecer o setor, a atividade e a empresa. E isso passa por falar com os órgãos da empresa, conselho de administração e outros, mas também com os acionistas.

Na sessão da tarde, António Gomes Mota, presidente do Instituto Português de Corporate Governance, sintetizou assim o problema.

“Prefiro um dependente esclarecido a um independente ignorante”.

Mas para a presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), esta é uma das áreas onde há trabalho a fazer. Gabriela Dias considera que existe ainda em alguns casos uma proximidade “excessiva e clamorosa” ente as comissões de remuneração e os acionistas das empresas. É um tema que ainda preocupa a CMVM, isto num ano em que entrará em vigor o código de boas práticas de governo do Instituto Português de Governance, uma entidade onde estão as empresas negociadas em bolsa, que irá substituir as regras que antes eram fixadas pelo supervisor do mercado.

Já José Almaça, presidente do regulador dos seguros e fundos de pensões (AFS), reconhece que não é muito fácil encontrar independentes para os órgãos de fiscalização que não tenham qualquer conflito de interesses.

E como se define a independência? “É a capacidade de ter uma posição externa e não condicionada por determinados vínculos com a equipa de gestão ou os acionistas”, define Soledad Carvalho Duarte, da Invesco Transearch, empresa de executive search (caça-talentos ou contratação de gestores).

Para Pedro Mello, vice-presidente da José de Mello SGPS (um grupo que só tem um acionista), defende que não é com os valores que se pagam que as pessoas se tornam independentes. “Todos estamos dependentes” de alguma coisa coisa ou de alguém. O mais importante é o rigor.

Mexia ganha muito? Um terço do que ganha o gestor no país vizinho

Num debate em que se falou muito de prémios de gestão, Eduardo Catroga não deixou de responder às críticas feitas em Portugal aos bónus pagos à administração da EDP e, em particular, ao presidente executivo. Quando estão incluídos os prémios de final de mandato, António Mexia, chega a receber um total de três milhões de euros, embora uma parte seja paga de forma diferida.

Lembrando que mais de metade dos resultados da elétrica são já feitos fora de Portugal, Eduardo Catroga diz que os valores totais recebidos pelo” gestor A” podem ser um terço ou um quarto do gestor que trabalha no país ao lado. E a dimensão do mercado português, “mais pequena”, não explica tudo. Tem de haver um equilíbrio.

A EDP é a mais internacional das empresas portuguesas, está em 15 países, tem de competir pelos melhores talentos à escala internacional dentro do seu setor.”

Os gestores em Portugal ganham muito ou pouco? Depende do que se compara. Todos os participantes na sessão que discutiu Visão dos Acionistas e das Comissões de Remunerações alertaram para a importância de fazer a comparação com as empresas concorrentes a nível internacional, quer ao nível das remunerações, quer ao nível dos indicadores que definem se um gestor cumpre os objetivos e merece a remuneração variável, os chamados bónus de gestão. Outro ponto fundamental destacado foi a vantagem de recorrer ao know how exterior à empresa e independente dos acionistas e do conselho de administração cuja política de remunerações se vai definir.

O recurso a consultores externos também pode ajudar na contratação dos próprios administradores, Eduardo Catroga ilustra com o exemplo recente da EDP onde se recorreu a profissionais de recrutamento para indicar mulheres para administradoras executivas e assim preencher as quotas recomendadas para mulheres. No próximo mandato, onde António Mexia se vai manter na presidência, este órgão vai ter duas mulheres Maria Isabel Ferreira e Vera Pinto Ferreira, esta última contratada ao canal Foz.

José Gonçalo Maury, presidente do conselho de remunerações do BCP, sublinhou o que qualifica de algum “voyeurismo” no que toca à divulgação dos salários dos gestores. “Não devemos ter vergonha”, desde que essas remunerações resultem de “um processo sério e rigoroso” e estejam associadas à criação de riqueza. Soledad Duarte, da Invesco Transearch, considera que há ainda uma cerca discrepância entre o que se paga em Portugal e em outros países que não pode ser apenas explicado pela dimensão do mercado. Mas acrescenta também que a remuneração não é necessariamente o critério mais importante para segurar um gestor. O projeto e a equipa têm um peso superior.