“Consigo imaginar o que é que as crianças passaram”. Consegue mesmo: Natascha Kampusch foi também mantida em cativeiro, durante oito anos e meio. “Mas não consigo imaginar porque é que as pessoas fazem coisas como estas”, disse numa entrevista ao The Telegraph. Kampusch considera “horrível” o que aconteceu às 13 crianças — que foram acorrentadas e torturadas pelos pais no número 160 da Rua Muir Woods, em Perris, na Califórnia — mas, apesar de tudo, defende que deviam contactar os pais.

A jovem, agora com 29 anos, falou de experiência própria e até deu conselhos. Criar um plano de assistência, segurança e educação que traga os jovens “de volta à civilização lentamente“. O outro é permitir que as crianças “mantenham contacto com os pais“. “Eles [os filhos] precisam de encontram uma maneira de ou perdoar os pais ou deixá-los para trás. Vai ajudá-los a começar um processo em que podem lidar com toda a situação e ficarem mais estáveis”, defende Kampush.

Kampusch defende que as 13 crianças e adultos deviam “ter a possibilidade de visitar os pais na prisão“. E acredita que as crianças devem falar com os pais “para seguir em frente” e “ter a oportunidade de os ver nem que seja só para dizer: «Eu odeio-vos, vocês são uns monstros»“. A jovem não teve essa oportunidade. Oito horas depois de Natascha ter fugido, Wolfgang Priklopil, o sequestrador, suicidou-se, atirando-se para a frente de um comboio em Viena.

[Veja aqui as imagens do interior da primeira “casa dos horrores”]

[jwplatform Px8cixNo]

Assim que as autoridades encontraram as crianças — “acorrentadas às suas camas com correntes e cadeados, na escuridão e num ambiente com cheiros nauseabundos” –, no passado dia 14 de janeiro, prenderam os pais, Louise e David Turpin. O casal está em prisão preventiva desde então e foi proibido de contactar com os filhos. Quando foi informada, Louise olhou para David e sorriu.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este é só um pormenor macabro de toda a história que tem vindo a ser conhecida nos últimos dias. Mais recentemente, Nellie Baldwin, que comprou a antiga casa dos Turpin, no Texas — casa onde terão começado os abusos — revelou o estado em que a encontrou: “Tinha fezes esmagadas nas paredes. Na sala de estar e em todos os quartos havia um odor terrível”, descreveu a mulher.

[Veja no vídeo o estranho sorriso da mãe quando soube que seria impedida de contactar os 13 filhos]

[jwplatform DchW49hI]

“Quando me libertei, tive apoio, mas não aquele que esperava”, conta Kampusch, acrescentando que as autoridades não tinham experiência em casos como o dela. A jovem acabou por recorrer a uma psicóloga, com quem teve terapia durante dois anos. Kampusch aponta ainda outros problemas: os meios de comunicação e as teorias da conspiração que surgiram na altura. “Para estas crianças, é importante mantê-las fora da atenção do público, para obter a ajuda certa desde o início e mantê-los juntos ou próximos uns dos outros para que eles possam se apoiar”. Para já, isso não será possível. Depois de deixarem os hospitais onde estão internadas, as crianças não vão viver juntas: os sete filhos adultos vão para um centro de assistência estatal. Os seis menores de idade serão divididos em duas casas de acolhimento.

Casa dos horrores: os 13 filhos não vão viver juntos e deverão ser impedidos de falar com os pais

Natascha Kampusch, a “menina da cave”

Durante oito anos e meio, Kampusch viveu em condições semelhantes às que viveram as 13 crianças acorrentadas pelos pais. Em 1998, quando tinha apenas dez anos, Natascha foi abordada por Wolfgang Priklopil quando ia a caminho da escola e levada para dentro de uma carrinha com destino ao número 60 Heine Strasse, na cidade de Strasshof, nos subúrbios de Viena, capital da Áustria — a cerca de meia hora de distância da casa onde Natascha vivia com os pais. Nessa morada, Priklopil, um antigo engenheiro de telecomunicações, tinha à sua espera uma cave de seis metros quadrados sem janelas, com paredes à prova do som, debaixo da garagem.

Priklopil tinha duas versões de si próprio: aquela em que batia e abusava sexualmente de Natascha e outra em que lhe dava alimentos e, até, lhe lia histórias. Com o passar do tempo, Natascha passou a poder sair da cave e limpar a casa do agressor, sempre nua ou seminua — a forma que Priklopil arranjou para prevenir que fugisse. Natascha chegou a sair de casa ao lado de Priklopil, mas sempre sob a ameaça de que, se tentasse fugir, seria morta por ele, tal como a sua família. Mas Natascha conseguiu escapar em agosto de 2006, quando tinha 18 anos.

Do “monstro de Amstetten” à “menina da cave”. Outras três casas do terror além da da Califórnia

“Por vezes, simbolicamente falando, ele era o meu apoio e, outras vezes, aquele que me batia. No meu ponto de vista a sua morte não era necessária. [Priklopil] foi parte importante da minha vida e, por isso, sinto tristeza por ele”, disse Natascha no primeiro comunicado de imprensa depois de ter fugido. Especialistas definiram este afeto que ganhou pelo seu agressor como síndrome de Estocolmo — quando a vítima cria laços com o criminoso e chega até a colaborar com ele.

Na altura, Kampusch lançou dois livros e foi acusada de se estar aproveitar do que lhe aconteceu para conseguir fama. Foi também criticada por nunca ter explicado os detalhes dos oito anos e meio que viveu em cativeiro. Chegou mesmos receber acusações de ter mentido sobre o que aconteceu. “Fugi de um inimigo e de repente tinha dezenas de inimigos, milhares até em fóruns da internet”, disse na época.