O tribunal que julga o processo Operação Fizz emitiu na sexta-feira um mandado de detenção para notificar, em Portugal, o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente da acusação — mandado que é válido apenas para este fim de semana –, segundo despacho a que a agência Lusa e o Observador tiveram acesso. A defesa já veio desmentir que Manuel Vicente tenha viajado para Portugal e, segundo o Expresso, o antigo governante está em São Tomé e Príncipe. O Diário de Notícias acrescenta que Manuel Vicente está em São Tomé, com a família a passar o fim de semana, e regressa amanhã a Luanda.
A decisão judicial surge após o Ministério Público ter tomado conhecimento, através da PSP, da possibilidade de Manuel Vicente se deslocar a Portugal durante este fim de semana, segundo documentos que constam dos autos. Ao Observador, contudo, fonte da direção nacional da PSP recusa-se a comentar o caso. Não confirma, nem desmente que a indicação tenha partido da PSP e recusa-se a adiantar que informação em concreto foi essa.
O Ministério Público solicitou ao tribunal coletivo a emissão de mandados para que Manuel Vicente seja notificado do teor da acusação e preste o Termo de Identidade e Residência (TIR), com indicação de morada para a qual possa ser enviada correspondência no quadro do processo.
No primeiro dia do julgamento da Operação Fizz, a 25 de janeiro, foi determinado pelo coletivo de juízes separar o processo que envolve Manuel Vicente, acusado de corrupção ativa e branqueamento de capitais, do outro caso que está a se julgado e que tem como principal arguido um ex-procurador. Orlando Figueira é acusado de ter sido corrompido por Manuel Vicente, também antigo presidente da Sonangol, para que arquivasse inquéritos em que este era visado em Portugal.
Manuel Vicente deve ser de “imediato libertado” após notificação da acusação
De acordo com o despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi determinada a “imediata passagem de mandados de detenção, pelo tempo estritamente necessário e somente para efeitos da notificação do arguido da acusação contra si deduzida”. Isto é, o mandado de detenção não serve para prender Manuel Vicente. Serve apenas para cumprir “a prestação de TIR” — Termo de Identidade e Residência –, e do “termo de constituição de arguido”. Essa notificação também tem como objetivo informar Manuel Vicente do “prazo que a lei lhe faculta para, querendo, requerer a abertura de instrução”, lê-se no despacho juiz Alfredo Costa a que o Observador teve acesso. A fase de instrução criminal é facultativa. Caso o arguido não queira contestar a acusação do Ministério Público, passa diretamente para a fase de julgamento.
O despacho do juiz Alfredo Costa esclarece ainda que o mandado tem validade apenas para o presente fim de semana e que, cumpridas todas as formalidades acima mencionadas, Manuel Vicente deve ser “de imediato libertado”.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a Polícia de Segurança Pública e a Polícia Judiciária são os órgãos de investigação criminal encarregues de cumprir o mandado de detenção.
MP promoveu mandado de detenção após receber info da PSP
O Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa entregou a promoção da detenção do ex-vice-presidente de Angola — que está acusado de corrupção ativa do procurador Orlando Figueira enquanto presidente da empresa petrolífera Sonangol — às 18h26m desta sexta-feira, dia 2 de fevereiro. Segundo o despacho assinado pelo procurador José Góis, este magistrado que coordena o MP naquele tribunal entregou a promoção imediatamente depois de ter tido “conhecimento, através da PSP, da possibilidade de Manuel Domingos Vicente se deslocar Portugal no decurso do próximo fim-de-semana” (3 e 4 de fevereiro).
A promoção do MP também é clara nos objetivos: “determinar a emissão de mandados para que o mesmo seja notificado do teor da acusação e preste TIR, advertindo-o, nomeadamente, da possibilidade de abertura de instrução, a fim de que os autos possam prosseguir os demais termos”, lê-se no despacho a que o Observador teve acesso.
Ou seja, o MP não promove a prisão preventiva de Manuel Vicente — o que é normal, tendo em conta que está a decorrer o julgamento dos restante três arguidos da Operação Fizz (Orlando Figueira, Paulo Blanco e Armindo Pires) e já foi deduzida acusação contra Vicente. Além do mais, do ponto de vista formal, Manuel Vicente não está a fugir à Justiça, tendo em conta que a Procuradoria-Geral de Angola se recusou a cumprir as duas cartas rogatórias que Portugal enviou para Luanda para ser-lhe entregue a acusação.
Defesa desmente que Manuel Vicente esteja em Portugal
A defesa de Manuel Vicente, a cargo do advogado Rui Patrício (escritório Morais Leitão Galvão Teles Soares da Silva & Associados), já emitiu um comunicado a propósito do mandado de detenção para notificar Manuel Vicente. Os mandatários do ex-vice-presidente angolano dizem que vão “analisar e tomar posição nas instâncias devidas se e quando entenderem”, mas que não podem deixar de assinalar que a iniciativa do Ministério Público se baseia “em invocadas informações da PSP”, que “não têm qualquer verdade quanto à alegada viagem” de Manuel Vicente.
Os mandatários referem ainda que a resposta da República de Angola à carta rogatória expedida em novembro processo que envolve o ex-vice-presidente angolano “se encontra por apreciar em toda a sua extensão e nas suas várias implicações” e que “estão pendentes também recursos sobre matérias relevantes em instâncias superiores”. A defesa de Manuel Vicente refere-se a um recurso que está pendente no Tribunal da Relação de Lisboa a propósito da alegada imunidade do ex-vice-presidente de Angola e, consequentemente, do envio dos autos que dizem respeito a Vicente para a justiça angolana.
“Finalmente, não é de mais repetir que a questão das imunidades a que se encontra vinculado é uma questão de Estado, que não depende do senhor eng.º Manuel Vicente, razão pela qual não está na sua disponibilidade sujeitar-se ou não à jurisdição portuguesa”, lê-se no comunicado. Diz a defesa, em jeito do conclusão, que Vicente não vai criar “qualquer obstáculo à normal tramitação desse processo e à boa administração da justiça em tudo o que de si pessoalmente dependa”.