Há uma festa absurda numa casa com piscina – a piscina está a encher há horas e continua vazia quando os convidados chegam. Vai acontecer um crime, e o público já sabe isso, mas na maior parte do tempo é o calibre das personagens que fica em evidência.

A peça poderia ter sido inteiramente sobre excesso, barroco e grotesco. Foi a primeira intenção da encenadora, Mónica Garnel. O cartaz ainda faz prova desse universo: uma imagem do fotógrafo Vitorino Coragem, com os atores em pose sinistra, uns assombrados, outros desconfiados, inspiração direta nas pinturas de Jacob Jordaens (1593-1678), um dos mestres do barroco flamengo.

Acontece que a montagem durou mais de dois anos, com o texto a ser escrito ao longo desse período, e a ideia inicial transformou-se bastante. “De repente, a peça cresceu para um lado mais feérico e menos barroco, mas não é uma encenação realista, as personagens esforçam-se por transmitir um artificialismo na representação”, resume Mónica Garnel, em conversa com o Observador.

“The Swimming Pool Party”, que se estreia nesta quinta-feira à noite no Teatro São Luiz, em Lisboa, tem duração de 90 minutos e inspira-se nos romances policiais de Agatha Christie, bem como em T. S. Eliot, nomeadamente o texto “Cocktail Party”, de 1948.

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“As personagens são aristocratas de terceira, talvez de Oeiras, e dizem imensos disparates, estão cheias de certezas, mas sem maldade, cresceram assim”, observa a encenadora.

Oito atores em palco: Álvaro Correia, Ana Água, Inês Vaz, José Miguel Vitorino, Mónica Calle, Rute Cardoso, Tiago Vieira e a própria Mónica Garnel. O espectáculo inicia-se com um longo compasso de dança, acompanhado de música ao vivo, a cargo de Sofia Vitória. “Beber champanhe do copo, beber champanhe da garrafa. Não há tempo a perder. Dois dias de cada vez. Experiências únicas, um prazer sem igual”, cantam em coro, para celebrarem um estilo de vida. “Nós somos a fina-flor, a existência delicada, o diamante talhado”, dizem em coro. No centro está um casal,  Eduardo e Judi, que se tratam um ao outro por “pai” e “mãe”.

Uma fotografia de Vitorino Coragem serve de cartaz da peça e mostra o universo sinistro que estava na mente da encenadora

“The Swimming Pool Party” é um texto de Ricardo Neves-Neves, escrito a pedido de Mónica Garnel. Leitora habitual das aventuras de Miss Marple, a encenadora partiu do romance Anúncio de um Crime, em que uma notícia de jornal pede aos habitantes de uma aldeia para estarem numa certa casa, a certa hora, para assistirem a um homicídio.

Trata-se da segunda colaboração entre os dois criadores. Em 2012, Mónica Garnel criou o monólogo “Sem Título – Carvão Sobre Tela”, com texto de Miguel Castro Caldas, que implicava acolher diariamente um convidado com quem contracenava de improviso. Um desses convidados foi Ricardo Neves-Neves. Depois, em 2015, na Casa Conveniente, a encenadora montou “Drive-In”, com textos inéditos de Dulce Maria Cardoso, José Miguel Vitorino e René Vidal, Luís Mário Lopes, Miguel Castro Caldas e Ricardo Neves-Neves.

“Gosto muito do universo do Ricardo e achei que cruzar o universo dele com o da Agatha Christei poderia dar um resultado interessante”, conta Mónica Garnel. “Começámos a falar há mais ou menos dois anos. Conversámos muito sobre as minhas ideias para a encenação ou a cenografia. Mas o Ricardo trabalhou o texto sozinho, tem um método mais autónomo do que, por exemplo, o Miguel Castro Caldas. Eu não sabia mais nada, fui criando uma realidade para a peça sem ter o material textual ainda. Quando chegou o texto, coisas que eu tinha imaginado para a encenação saltaram fora e outras vieram por acréscimo.”

Estreada como atriz em 1994 no Teatro Nacional D. Maria II –  no espectáculo “As Fúrias”, de Filipe La Féria, a partir de Agustina Bessa-Luís –, Mónica Garnel iniciou em 2000 uma colaboração permanente com o grupo de teatro Casa Conveniente, de Mónica Calle. Nos últimos anos, passou a dedicar-se também à encenação, em ritmo irregular.

“Não estou só na Casa Conveniente, também estou na Mala Voadora e no Meridional. Às vezes, recebo de todos os lados e sinto necessidade de eu própria pôr as minhas questões em cena. Só decido encenar quando tenho urgência de me questionar. Gosto muito do diálogo que existe entre o ator e o encenador, gosto da ideia de compromisso entre aquilo que penso e quero fazer e aquilo que ainda não sei e que os atores me vão pedir. Dá-me imenso prazer jogar com aquilo que não sei. Talvez seja um pouco como o Pollock, que pintava em perigo, com telas grandes no chão, sempre à espera de que alguma coisa interferisse na tela, para aproveitar o inesperado. Gosto dessa ideia de perigo.”

Para ambientar o público com o mistério que se vive em cena, antes de a peça começar, é exibido no Jardim de Inverno do São Luiz (atual Sala Bernardo Sassetti) um excerto de cinco minutos do filme “O Espelho Quebrado” (1980), de Guy Hamilton, baseado numa história de Agatha Christie.

“Normalmente, nos romances policiais, o crime ocorre nas primeiras três páginas. Depois, são 70 páginas sobre as investigações do detective. E nas três últimas o crime é resolvido”, diz Mónica Garnel. “Nesta peça, fazemos o contrário. A maior parte do tempo as personagens falam sobre coisas, aparentes trivialidades, o que nos permite entender a condição humana.”

“The Swimming Pool Party”, de Mónica Garnel e Ricardo Neves-Neves, de 15 a 25 de fevereiro. Quarta a sábado, 21h00; domingo, 17h30. Sala Mário Viegas do Teatro Municipal São Luiz, em Lisboa.