Sem luzes no céu, do escuro total rompem os faróis ligados. As sirenes da polícia ecoam ao longe. Não é só um carro à beira da estrada. É um portal para aqueles que um dia decidiram deixar a sua terra e partir em busca de uma vida melhor. “Ficou um estigma na nossa sociedade de que aqueles que fugiam para outro país eram cobardes”, nota Tiago Correia, autor e encenador de O Salto, peça sobre a emigração durante o Estado Novo que sobe ao palco do Teatro São Luiz, em Lisboa, de 4 a 8 de outubro.

A nova criação da companhia A Turma dá espaço às histórias menos felizes da emigração portuguesa nos anos 60 e 70. “Fala-se dos casos de sucesso”, como de quem regressa nas férias com grandes carros ou um pé de meia para uma casa, “mas não se fala muito sobre os horrores que essas pessoas viveram nessas travessias e nesses primeiros tempos nos bairros de lata de Paris, em condições não tão diferentes daquelas que estão a ser dadas agora aos migrantes que cá chegam”, compara o encenador, a quem interessou recuperar esse passado para falar de semelhantes tragédias contemporâneas.

“É importante recordar que fomos um povo de migrantes para discutir a forma como agora acolhemos aqueles que chegam cá. Parece que há uma espécie de lapso de memória. Os nossos avós, os nossos pais, os nossos tios, familiares, estiveram exatamente nesta situação. Agora muito facilmente se ouve alguém a dizer que é contra a abertura das fronteiras aos migrantes, que vêm para cá roubar o trabalho. É preciso ter realmente falta de memória histórica para conseguir afirmar isso. Foram milhares e milhares e milhares de portugueses que tentaram partir para a Europa por várias razões, ou em fuga à pobreza, à miséria, à opressão ou à guerra colonial. Tinham de fugir clandestinos do país e em redes organizadas. Mas é algo de que não se fala assim tanto.”

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