O discurso de Rui Rio foi mais ideológico do que de combate político-partidário. Na intervenção de encerramento do 37.º Congresso do PSD, o novo presidente do partido não arriscou. Nas ideias de Rio não se antecipa um “novo 25 de abril”, mas encontram-se três D’s no que pretende para o país: Descentralizar (defendeu institutos públicos fora de Lisboa e, por exemplo, a mudança do Tribunal Constitucional para Coimbra), Desenvolver (reformas de vários setores do Estado) e Derrotar (o Governo de António Costa, denunciando os setores em que os socialistas mais falham).

Ao longo do discurso, Rio admitiu pactos de regime com os restantes partidos, mas marcou as diferenças ideológicas: na Educação, “os professores não podem ser animadores“; na Saúde, “os lucros do privado não devem ser vistos como ilegítimos“; e, no Estado em geral, diz ser preciso rejeitar as “clientelas corporativas“.

Rui Rio não entusiasmou a sala, mas os congressistas ouviram-no atentamente. Logo no início do discurso, enalteceu o secretário-geral cessante, Matos Rosa, que arranca sempre os maiores aplausos. Deu-lhe confiança. A meio do discurso até se atrapalhou com o texto escrito, mas rapidamente recuperou, brincando com a situação: “Esta frase é importante. Ainda por cima foi aqui que falhou“. Ao arrancar, destacou-se ainda um piscar de olho a Cristas mais pronunciado, demonstrando que o parceiro preferido do PSD não é o PS, mas o CDS. Após saudar todos os partidos, Rui Rio deixou um “cumprimento especial à dra. Assunção Cristas, presidente do CDS”, lembrando que teve a “honra de trabalhar” com ela quando a líder centrista era ministra e Rio autarca no Porto.

Reformas. PSD disponível para dialogar com o PS (e com os outros)

Rui Rio insistiu nos pactos de regime, dizendo que há “estrangulamentos” que o país enfrenta que “não são passíveis de serem resolvidos sem a colaboração de todos, porque são questões de ordem estrutural que só com entendimentos alargados o País conseguirá ultrapassar”. Logo a abrir o discurso, Rio considerou “muito relevante, senão mesmo decisivo para o futuro de Portugal, o diálogo entre partidos” e elegeu as áreas a que se referia: “Entendimentos em matérias de soberania; a política externa, as Forças Armadas ou a política europeia” e “reformas importantes que o país já devia ter feito e que apenas conseguirá levar a cabo se todos fizermos um esforço nesse sentido.”

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Em matéria de diálogo entre partidos, o novo presidente do PSD foi até conciliador, dizendo que se os partidos se fecharem “completamente” só estão “a prejudicar o interesse nacional”. E acrescentou: “Não é preciso inventar diferenças. As que existem já são suficientemente marcantes para todos nos distinguirmos.”

A nível de reformas, Rui Rio voltou a convidar — o que Passos fez aos socialistas, mas o PS nunca aceitou — os restantes partidos para desenharem uma reforma da Segurança Social. O novo presidente do PSD lembra que a “evolução demográfica” obriga a “um olhar atento sobre a sustentabilidade futura”. O líder social-democrata fez depois um convite claro:

É um imperativo moral e ético das gerações atuais saberem honrar o compromisso inter-geracional que está na base do contrato social que une todas as gerações. Impõe-se, por isso, uma reforma que confira justiça, racionalidade económica e sustentabilidade à nossa Segurança Social. É este o desafio que o PSD faz ao Governo, aos demais partidos e aos parceiros sociais.”

Rui Rio quer ainda reformas que permitam resolver o problema da “fraca natalidade” e travar a “desertificação do interior”.

Descentralizar. Tribunal Constitucional em Coimbra?

O novo presidente do PSD alerta ainda que Portugal até pode atingir a média europeia, mas, se insistir “em ter um país irracionalmente concentrado e centralizado”, estará sempre a promover as desigualdades entre o litoral e o interior. Rio adverte ainda que “os países mais atrasados são aqueles que tudo concentram e tudo centralizam” e questiona, em jeito de sugestão: “Será que os institutos públicos têm de ter todos a sua sede na capital, mesmo que sejam ligados à agricultura, às pescas ou à floresta? Não haverá nada que outros pontos de Portugal possam acolher para, dessa forma, aliviarmos a pressão sobre a Área Metropolitana de Lisboa?”

Além de lembrar que toda essa concentração “degrada a qualidade de vida [de Lisboa]”, Rio voltou a lançar outra sugestão: “Será que o Tribunal Constitucional ou a Provedoria de Justiça não poderiam ser localizados, por exemplo, em Coimbra?” E rematou: “Tudo isto tem de ser diferente. Não pode ser mudado, obviamente, de um dia para o outro, mas tem de se inserir numa estratégia de médio e longo prazo, consistente, coerente e convicta.”

Para Rio, uma verdadeira “reforma do Estado” é aquela que também seja “capaz de garantir um país mais equilibrado territorialmente e com uma melhor e mais rigorosa gestão da despesa pública.” Lembrou que “o Estado central faz mal aquilo que outros podiam fazer melhor”.

Além do tema da Justiça, que voltou a dizer que gera “descontentamento nos portugueses”, Rio adverte que “também a segurança vai mostrando fragilidades como, muito recentemente, os fogos florestais deixaram bem patente perante todos nós“. Foi, portanto, recuperar o pior exemplo para o Governo de Costa: os incêndios do último Verão.

As diferenças ideológicas e as falhas do Governo PS

Rui Rio criticou áreas controladas pelo Estado central que acredita que são aquelas que o Governo gere pior e aproveitou para vincar as diferenças ideológicas relativamente ao PS. Fê-lo na economia, mas acima de tudo nas áreas da saúde e da educação.

A saúde, adverte Rui Rio, é uma área onde “manifestamente a atual solução governativa não tem tido a capacidade para dar uma resposta capaz aos anseios das populações”. E enumerou situações que denuncia estarem a debilitar o Serviço Nacional de Saúde: “Urgências caóticas, serviços de internamento permanentemente sobrelotados, falta de recursos humanos, desertificação de médicos no interior do país, défice de investimento, deficiente manutenção dos equipamentos, atrasos no serviço de emergência médica e cativações cegas“.

No plano da Saúde, Rio fez questão de vincar uma diferença ideológica face à esquerda, dizendo que acredita que um “serviço público de qualidade pode coabitar” com um “serviço privado, desde que competentemente regulado e fiscalizado”. Acrescenta ainda que o negócio da saúde não deve ser diabilizado: “O lucro no setor da saúde não pode ser visto como algo de ilegítimo“.

Na educação, a estratégia foi a mesma: apontar falhas e vincar diferenças ideológicas. Nesta área, Rio denuncia que “o que se tem andado a fazer é a reverter alguns avanços significativos que o País já tinha conseguido”. Para o líder do PSD, em vez de “melhorar o que estava a dar bons resultados” a realidade é outra: “Reverte-se, subverte-se e lança-se a instabilidade nas escolas, só porque se teima que tudo tem de mudar — mudar sem diagnóstico rigoroso, sem avaliação do que foi feito e sem compromisso com as principais forças políticas e sociais”.

Para Rio voltou o tempo da “desorganização”, do “experimentalismo pedagógico”, do “eduquês” e antecipou mesmo a chegada do diabo às escolas: “Não surpreende que (…) a passageira paz social no setor esteja cada vez mais ameaçada”.

Em mais uma marca ideológica, Rio pediu mais exigência e rigor nas escolas. O novo líder do PSD defende que é preciso “dignificar o papel dos professores através de uma formação inicial mais exigente e de uma profissionalização mais rigorosa”. E arrancou um dos mais fortes aplausos do Congresso, quando atirou:

Os professores são profissionais do conhecimento e não animadores de salas de aula”.

Rio critica Governo: Crescimento é filho da conjuntura

Sobre a economia, Rio insistiu no binómio que já tinha dividido a esquerda e a direita durante as legislativas de 2015 que opuseram Passos e Costa. O líder social-democrata defendeu que “o motor do crescimento económico, fator absolutamente decisivo para o futuro de Portugal, não pode assentar no consumo — nem público nem privado”. E lembrou: “Esse foi o erro que nos conduziu à recente desgraça financeira”. A receita de Rio para o crescimento económico assenta em “dois elementos estratégicos”: “Captar investimento e aumentar as exportações“.

Para Rui Rio, “o atual Governo não em condições para levar a cabo políticas públicas capazes de induzir o crescimento económico”, uma vez que está “amarrado aos seus compromissos com a esquerda adversária da iniciativa privada, aliada do aumento da despesa e do endividamento público“.

O novo líder do PSD destaca ainda que “o fraco crescimento económico que Portugal tem conseguido — e que, mesmo assim, já está a definhar — é filho da conjuntura internacional favorável e não de qualquer semente que, para o efeito, tenha sido lançada por esta solução governativa do Partido Socialista.”

Rio defende ainda que Portugal deve rejeitar ir “atrás de utopias ou do irrealizável”, mas tem de colocar no seu horizonte “objetivos coincidentes com a grandeza da sua história”. E aponta valores: não chega 77% da média europeia, é preciso chegar aos 101%.”

No final do discurso, Rui Rio foi aplaudido, embora não  tenha sido de forma apoteótica. Minutos antes, uma escolha sua, Elina Fraga, tinha sido vaiada no Congresso.