Numa noite de prémios em que a maioria das celebridades desfilou de preto, uma Frances McDormand de cabelo curto, ligeiramente despenteado, e vestido em tons berrantes deu nas vistas. Além do guarda-roupa inusitado, numa ocasião que pedia um dress code solidário com a luta contra o assédio sexual na indústria do cinema, a atriz de 60 anos provou ser a rainha da noite — não só ganhou o BAFTA de “Melhor Atriz”, como o filme em que é protagonista, “Três Cartazes à Beira da Estrada”, foi o grande vencedor com cinco prémios em nove nomeações (encostou “A Forma da Água” a um canto).

Com 5 prémios em 9 nomeações, “Três Cartazes à Beira da Estrada” ganhou os BAFTA

“Tenho um pequeno problema com a conformidade.” A citação é de Frances McDormand que, assim que recebeu a estatueta dourada, no domingo à noite, admitiu ser solidária com o movimento “Time’s Up”, apesar de ter escolhido um vestido tingido de vermelho e rosa vivos. Foi Frances quem o disse, mas podia ter sido Mildred Hayes, personagem à qual dá vida no muito aclamado filme, que aluga três cartazes junto à estrada em protesto e desagrado perante a ineficácia da polícia em apanhar o homem que violou, matou e incinerou a filha adolescente.

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O papel de Mildred é o segundo, depois daquele desempenhado em “Fargo”, pelo qual recebeu um Óscar, a elevar o nome de Frances. O The Guardian não tem dúvidas: estes são dois papéis que a definem enquanto artista, muito embora haja um intervalo de duas décadas entre ambos (não esquecer o Tony Award pelo seu papel na peça de teatro “Good People” e o Emmy pela minissérie “Olive Kitteridge”).

Foi em 1996 que Frances recebeu o Óscar por interpretar a polícia Marge Gunderson, em “Fargo”. A reação que teve à data, logo após levar a estatueta dourada para casa, sugeriu uma atitude complexa perante a fama, tal como escreve o jornal já citado. O muito cobiçado galardão dava a Frances a oportunidade de escolher qualquer filme, mas a artista preferiu os palcos ao invés da câmara — entrou numa peça no Gate Theatre, em Dublin, e pediu expressamente que qualquer referência ao Óscar fosse retirada do programa oficial.

Pouco vaidosa, frontal e honesta são outras das características associadas à atriz que nasceu em 1957 no Illinois, EUA, e que foi adotada com apenas 18 meses por uma enfermeira e um pregador de uma seita evangélica chamada Discípulos de Cristo. Frances — “Fran” para os amigos e para os colegas de profissão — depressa mostrou talento para a representação, ainda antes de estudar teatro no Bethany College (seguiu-se uma pós-graduação em Yale). No discurso de aceitação do BAFTA, este domingo, contou, porém, que nas aulas de representação foi-lhe dito que não era naturalmente dotada e que teria de se esforçar muito.

Apesar de uma infância feliz, Frances teve a sua dose de rebeldia. Em tempos admitiu ter experimentado drogas como LSD ou cogumelos mágicos. “Eu queria experimentar toda a droga que não envolvesse uma agulha”, disse, citada pelo The Sun. O fascínio pela Canábis, em particular, manteve-se e perdurou de tal forma que em 2003 apareceu na capa da revista High Times com um charro na mão.

Frances está casada com o realizador Joel Coen desde 1984 e já entrou em vários filmes dos irmãos Coen, incluindo “Sangue por Sangue” (1984), “Arizona Junior” (1987), “Fargo” (1996), “O Barbeiro” (2001), “Destruir Depois de Ler” (2008) e “Salve, César!” (2016). Um ponto baixo da carreira foi a participação no filme de ficção científica “Aeon Flux”, ridicularizado pela crítica.

Depois do Globo de Ouro por “Três Cartazes” — o primeiro da carreira, apesar de já ter sido nomeada seis vezes — e do BAFTA, Frances parece ser a atriz mais indicada a ganhar o Óscar de “Melhor Atriz” no próximo dia 4 de março. Não é por acaso que na crítica da Rolling Stone, feita ao filme em questão, se lê que McDormand é uma “força combustível da natureza”, detentora de uma representação “dinamite” e “fenomenal”.