Naquela final, a final que ficará para sempre na história nos Jogos, estavam nomes como Anna Veith, austríaca que ganhou o ouro olímpico no Super-G em 2014, Lara Gut, suíça que foi bronze em Sochi no downhill, ou Lindsey Vonn, americana que ainda hoje é o maior fenómeno mediático no mundo do esqui com um currículo que dispensa apresentações. Por isso, quando olhou para o quadro dos resultados, a checa de 22 anos não acreditava no que via. “Pensava mesmo que era um erro do cronómetro”, admitiu. Não era. E foi assim que Ester Ledecka se fixou como principal figura da edição de PyeongChang, com uma explosão de emoções no interior que não se conseguiu viu no exterior: apareceu na conferência de imprensa após a prova ainda com os óculos de esqui na cara. “Porquê?”, perguntou-se. “Porque, ao contrário das outras atletas, não pensava nisto e não me maquilhei…”, atirou.

O que tem Ester de especial? É que quando subiu àquela colina do Jeongseon Alpine Centre, era “apenas” bicampeã mundial de snowboard e, quando chegou cá abaixo, tornara-se campeã olímpica de esqui no Super-G, numa viragem com tanto de fantástico como de complicado. “Quando passo de esqui para o snowboard, volto ao meu nível normal em apenas dois dias; quando vou do snowboard para o esqui, é muito mais complicado. Os meus treinadores dizem que faço esqui como uma snowboarder e que ando na tábua do snowboard como se fosse uma esquiadora”, referiu após o primeiro triunfo, no outro fim de semana, em declarações citadas pelo El País.

“Perguntei para mim mesma: será que isto é mesmo possível?”, admitiu no final a grande favorita (e derrotada), Anna Veith. “Quem me dera ter a capacidade atlética dela, é impressionante”, acrescentou Lindsey Vonn (que falhou uma nova medalha, acabando a prova na sexta posição), ao The New York Times.

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A história não ficou por aqui: além de nunca ter passado do sétimo lugar em Taças do Mundo de esqui, teve de recorrer à amiga (e também ela grande figura) Mikaela Shiffrin, americana que ganhou o ouro olímpico na Coreia do Sul no slalom gigante e que lhe emprestou os esquis para cumprir a prova. Este sábado, houve outro capítulo neste maravilho mundo de Ester, este mais “aguardado”: venceu o slalom paralelo gigante no snowboard.

Não achava que isto poderia acontecer e agora tenho duas medalhas de ouro… Estou muito feliz e vou recordar este momento até ao resto da minha vida mas espero repetir mais vezes. Desde miúda que sempre me disseram que tinha de me especializar apenas num desporto, que não era possível competir ao mais alto nível em mais do que um. Dizia sempre que não, que era possível. Consegui provar isso”, comentou após a segunda vitória.

Para que não restem dúvidas, um pormenor: nunca nenhum atleta, masculino ou feminino, tinha conseguido ganhar a medalha de ouro em dois desportos distintos na mesma edição dos Jogos. Ester Ledecka conseguiu. E puxando o filme um pouco mais à frente, pode não ficar por aqui: amante de desporto de Verão como o voleibol de praia ou o windsurf, não descarta a participação nos Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio. “Não acredito que tenha um talento fora do normal, tive sim a sorte de conhecer as pessoas certas ao longo da minha carreira. Próximos objetivos nos Jogos? Tentar a qualificação para 2020 no surf, porque não?”, admitiu a polivalente atleta.

Neta de um antigo medalhado nos Jogos Olímpicos de Inverno (Jan Kaplac, bronze em 1964 e prata em 1968 no hóquei em gelo) e filha de uma ex-patinadora artística (Zuzana Ledecka) e de um consagrado cantor e compositor (Janek Ledecka, que escreveu um musical inspirado no Hamlet que foi um sucesso na Rep. Checa e… na Coreia do Sul, como contou a Time), Ester, que nasceu em Praga, inspirou-se um pouco em cada um deles: começou a esquiar com três anos, conheceu aos cinco o snowboard, também passou pelo hóquei em gelo e pela patinagem e, nos tempos livres, gosta de tocar guitarra e piano. Diferente, só mesmo a paixão pela praia e pelo mar, uma paixão que a leva a passar dois meses por ano na Grécia, onde pode não só descansar como pode praticar outros desportos de eleição como o surf, o voleibol de praia ou o windsurf.

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Foi essa vertente mais descontraída da jovem que ficou também bem patente no dia em que ganhou o Super-G, quando foi apanhada a ter um jantar comemorativo num restaurante de fast food do complexo, como contou o USA Today. “Ok, tudo bem, apanharam-me… Mas não digam nada aos meus treinadores, pode ser?”, disse, envergonhada. Certo é que Ester Ledecka está a ganhar uma enorme legião de fãs entre os próprios desportistas e não é apenas no snowboard e no esqui: após o primeiro ouro, Katie Ledecky, a menina querida da natação americana, também deixou uma mensagem curiosa na sua conta oficial no Twitter. “Ester, acho que somos familiares, precisamos de fazer um teste ADN”, escreveu com a hashatg #CousinsInGold (Primas de Ouro).

Katie tem 6,3km para fazer. No primeiro dia, nadou 900 metros. E já ganhou dois ouros