O Governo tem até março para cumprir o prometido em matéria de valorização das longas carreiras contributivas. Se António Costa não o fizer, o Bloco de Esquerda vai avançar de forma unilateral com legislação própria nesse sentido.
A garantia foi deixada esta terça-feira por Pedro Filipe Soares, líder da bancada do Bloco de Esquerda, no encerramento das jornadas parlamentares do partido, em Leiria. “Até ao final do primeiro trimestre é o tempo do Governo legislar nesta matéria. Acabando esse primeiro trimestre nós tomaremos em mãos essa legislação e aí disputaremos, no âmbito da Assembleia da República, uma maioria para poder aprovar este diploma”, concretizou o deputado bloquista.
E até já há data para esse confronto: se o Governo nada fizer até ao final de março, o Bloco avança com um debate potestativo com carácter de urgência a 11 de abril e leva para o Parlamento uma proposta própria nesse sentido.
Em causa está o acordo celebrado ainda em maio de 2017, entre Governo e Bloco de Esquerda, que previa uma segunda fase na valorização das longas carreiras contributivas. Na prática, os socialistas comprometeram-se a acabar com o corte de 14,5% (decorrente do fator de sustentabilidade) aplicado às reformas dos pensionistas com 63 ou mais anos de idade que, à data em que realizaram 60 anos, tivessem 40 ou mais anos de carreira. Mas o acordo, firmado por escrito, não está a ser cumprido, denunciou Pedro Filipe Soares.
Esta foi a primeira vez que o Bloco de Esquerda assumiu publicamente a existência desse compromisso escrito com o Governo. O acordo prevê três fases de valorização das longas carreiras contributivas: a primeira, já em vigor, permite a todos os trabalhadores que tenham pelo menos 48 anos de descontos, bem como os que começaram a trabalhar com 14 anos de idade, ou menos, e tenham a partir dos 60 anos de idade pelo menos 46 anos de descontos, possam pedir a reforma antecipada, sem qualquer tipo de penalização.
A segunda fase, revelou Pedro Filipe Soares, já deveria ter entrado em vigor em janeiro deste ano, mas o Governo nada fez. “O Governo tem de cumprir a palavra que deu. Quando assumiu esse compromisso o Governo previa um crescimento abaixo do que ficou e um défice acima do que ficou. Com melhores contas públicas e melhor economia não percebemos porque é que [a medida] não avança“, criticou o bloquista.
Desafiado a revelar se o Governo tinha dado alguma justificação para não estar a cumprir o compromisso a assumido com o Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares preferiu deixar outro recado ao Executivo socialista: os bloquistas não estão dispostos, nem “disponíveis” para andar para trás e renegociarem uma proposta que já tinha recebido luz verde.
E como é que se obriga o PS acolher as propostas do Bloco? “Iremos bater-nos por uma maioria social para imponha na Assembleia da República a alteração nas leis. Lembram-se bem quando fomos criticados várias vezes ao longo destes três anos das geometrias variáveis que utilizávamos para aprovar iniciativas na Assembleia da República, A nossa imaginação não tem limites e acima de tudo se for potenciada pela mobilização social capaz de trazer progressos ao país então aí é que não tem limites mesmo”, sugeriu Pedro Filipe Soares.
A referência às “geometrias variáveis” não passou despercebida — pode ser um sinal de que o Bloco pode procurar o apoio do PSD, agora disposto a dialogar com todos os partidos? “Não esperamos nada do PSD em matérias de avanço da vida das pessoas“, rematou o bloquista.
Precários. Pedro Filipe Soares anuncia “choque parlamentar” com o Governo…
As jornadas parlamentares do Bloco de Esquerda acabaram por ficar marcadas, aliás, pelos ultimatos lançados ao Governo socialista. Além do prazo bem definido para a concretização do plano de valorização das longas carreiras contributivas, os bloquistas definiram uma outra data: o Executivo tem igualmente até ao final de março para lançar os concursos para regularizar os trabalhadores precários da Administração Pública.
Essa exigência já tinha sido vincada por Catarina Martins na noite de segunda-feira, durante o jantar-convívio com militantes bloquistas. Esta terça-feira, no encerramento das jornadas parlamentares do Bloco, Pedro Filipe Soares aumentou a pressão: a 7 de março, os bloquistas vão avançar com uma interpelação ao Governo para denunciar os “atropelos” e “boicotes” à lei que dizem estar em curso.
“Este atraso leva a que muitos dos contratos estejam a chegar ao seu término e, por isso, as pessoas que não veem o concurso para ingressar na Administração Pública, rompendo com o vínculo de precariedade, correm o risco de ficarem no desemprego”, começou por dizer Pedro Filipe Soares.
De acordo com a resolução do Conselho de Ministros de 28 de fevereiro de 2017, que definia o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, os concursos deveriam ter sido lançados até meados de fevereiro deste ano, algo que não aconteceu até ao momento.
Tal como Catarina Martins, o líder da parlamentar do Bloco garantiu que há “dirigentes de instituições e até comissões de avaliação que estão a tentar boicotar este processo”, dando como exemplos os investigadores da Universidade de Aveiro, os estagiários das Águas de Portugal ou os terapeutas da fala em muitas escolas espalhadas pelo país.
“Não se pode deixar a meio o que pode ser levado a bom porto. Esta é uma matéria muito importante para o Bloco de Esquerda. Estes atrasos estes atropelos e estes boicotes não podem ter sucesso. O Governo tem de cumprir o que o espírito da lei o obriga e o Estado como um todo tem de ser consequente”, defendeu o deputado bloquista.
Conscientes de que, muito provavelmente, não terão força para obrigar o Governo a tomar uma atitude consequente, os bloquistas desafiaram todos os trabalhadores precários a juntarem-se ao movimento, enviando por e-mail os seus testemunhos. “Queremos ser a voz de todos os precários”, assegurou Pedro Filipe Soares, enquanto segurava um papel com o e-mail indicado (prevpap7marco@bloco.org). A convicção do Bloco é que a pressão dos trabalhadores obrigue os socialistas a serem consequentes com a lei aprovada. “Não me parece que o Governo seja mudo ou surdo“, sugeriu o bloquista, assumindo que será um “choque parlamentar“.
… e debate de urgência sobre inclusão de deficientes
Se dúvidas restassem, o mês de março será um mês de muita tensão entre bloquistas e socialistas. Além das discussões parlamentares sobre precários e reformados, o Bloco de Esquerda anunciou ainda um debate potestativo agendado para 3 de março para exigir ao Governo que preste todos os esclarecimentos sobre os alegados obstáculos à atribuição da Prestação Social para a Inclusão.
Na conferência de imprensa de encerramento das jornadas parlamentares do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares denunciou a existência de casos em que pessoas com deficiência (ou tutores) são confrontados com a necessidade de terem de pagar 412 euros em custas judiciais para terem acesso a uma prestação social cujo valor máximo pode atingir os 262 euros.
A 2 de outubro, cerca de 13 mil beneficiários do extinto Subsídio Mensal Vitalício migraram para o Subsídio Mensal Vitalício. O Governo, recordou o deputado bloquista, prometera uma “transição pacífica e fácil”, mas isso não está a acontecer, garantiu. Além das questões burocráticas que implicam custos insuportáveis, há “novos pedidos” que datam do “verão passado” ainda sem resposta.
Os bloquistas querem, por isso, ouvir os esclarecimentos do Governo nesta matéria. Numa altura em que a atual legislatura parlamentar caminha a passos largos para o fim — e com ela o fim da atual maioria parlamentar — o Bloco de Esquerda aumenta a pressão sobre o Executivo de António Costa. Sinal de urgência em conquistar as últimas batalhas parlamentares? Pedro Filipe Soares apontou ao lado: “O tempo está a esgotar-se. Nós sentimos urgência, a urgência que essas medidas têm na vida das pessoas.”