Algumas ofertas das principais operadoras, Meo, Nos e Vodafone, estão a violar os regulamentos comunitários da Internet aberta (neutralidade da Internet) e do roaming.  A conclusão é da Anacom (Autoridade Nacional das Comunicações). Em causa estão sobretudo tarifários com preços mais reduzidos em que o acesso à Internet móvel fica limitado a alguns sites ou aplicações depois de esgotado o plafond geral de tráfego.

O projeto de decisão foi anunciado esta quarta-feira e dá 40 dias a estas operadoras para alterarem as ofertas que violam as regras da neutralidade da rede e do roaming, sem implicar mais custos para os consumidores. A Anacom tem a expetativa de que as operadoras corrijam estas situações, mas o presidente, João Cadete de Matos, reconhece que a atual lei das comunicações não permite avançar com processos sancionatórios para estas “violações” das regras europeias. As operadoras já reagiram e avisam que esta determinação “prejudica gravemente” os consumidores. 

Segundo o presidente da Anacom, os regulamentos definem que as ofertas de acesso devem permitir a liberdade de escolha dos consumidores em relação aos conteúdos disponíveis na Internet. “Os utilizadores finais têm direito a aceder aos conteúdos sem discriminação ou interferências”, disse João Cadete de Matos”, em conferência de imprensa. A garantia de acesso à internet  também é importante do ponto de vista da inovação, porque permite que surjam novas ofertas e soluções e serviços no “ecossistema da Internet”, acrescentou. Para o regulador, não deve ser feita qualquer diferenciação que é uma prática proibida no regulamento da internet aberta.

Em circunstância alguma os consumidores devem ficar restritos a algumas aplicações ou conteúdos na internet. Essa limitação de acessos não deve acontece.”

Os operadores devem alterar os procedimentos para evitarem este tratamento diferenciado que acontece em algumas ofertas quando são esgotados plafonds globais de dados. Mas o prazo de 40 dias só começa a contar depois da decisão final da Anacom que ainda tem de ouvir as operadoras. Todo o processo pode demorar ainda quatro a cinco meses, admitiu Cadete de Matos.

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Operadoras “perplexas” dizem que decisão prejudica consumidores

As três operadoras visadas já reagiram a esta determinação do regulador, manifestando “perplexidade” e sublinhando que não houve discussão prévia sobre o tema. Consideram ainda que esta determinação prejudica os consumidores.

“Os operadores entendem que esta decisão da ANACOM prejudica gravemente os interesses dos consumidores, na medida em que vem banir um conjunto de ofertas que os clientes querem e procuram e, mais ainda, foram, e são, decisivas para a massificação da sociedade da informação e para o desenvolvimento da economia digital em Portugal.”

NOS, MEO e Vodafone dizem que estas “ofertas correspondem a uma resposta dos operadores às necessidades que os consumidores lhes têm apresentado”. E realçam que existem dúvidas sobre a aplicação do regulamento europeu. Lembram ainda que os operadores aguardam há dois anos pela posição do regulador. O presidente da Anacom admite esta será uma reação precipitada e recomenda aos operadores que analisem com atenção as situações detetadas no processo de consulta.

“Nós temos que os ouvir para saber o que fazem, mas a Anacom tem como princípio tomar decisões independentes e soberanas. Decidimos em função das nossas obrigações de defesa dos consumidores”, respondeu. Agora começa o período de ouvir as operadoras. Quanto à parte sancionatória, o presidente da Anacom reconhece que o quadro legal nacional ainda não permite abrir processos de contraordenação por estas práticas. Há propostas de revisão da lei das comunicações móveis nesse sentido.

O tema da neutralidade da internet já estava a ser analisado pela Anacom quando nos Estados Unidos Portugal foi apontado como exemplo de um pais onde esse principio não estaria a ser cumprido. Na sequência do regulamento europeu sobre o acesso livre à internet, outros reguladores nacionais estão a produzir recomendações para os respetivos mercados que, no essencial, vão no mesmo sentido. Os responsáveis da Anacom citaram os casos da Suécia e da Itália.

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Acesso à internet. Limites de tráfego discriminam conteúdos

O regulador detetou ofertas para internet móvel em que os operadores — Meo, Nos e Vodafine — adotam práticas de gestão de tráfego distintas para tarifários com limites e sem limites de tráfego, contrariando o princípio da neutralidade da rede. Ou seja, estas ofertas contrariam o princípio de que o acesso tem de ser o mesmo para todos os conteúdos online e que não pode discriminar sites, favorecendo, por exemplo, algumas aplicações. 

Outra dos problemas detetados resulta de que alguns plafonds específicos de dados não podem ser usados no espaço europeu nos mesmos termos que são usados em Portugal, o que contraria o princípio roam like at Home. “Os consumidores quando viajam para outros países devem poder aceder a serviços e conteúdos contratados com os seus operadores nas mesmas condições de acesso, sempre observando uma “política de utilização responsável”, refere Cadete de Matos.

Os operadores devem fazer uma avaliação de todas as ofertas no sentido de corrigir desvios a estas regras. E essa correção deve ser feita, preservando os direitos de escolha, mas sem implicar qualquer custo ou prejuízo para os consumidores, afirmou ainda presidente da Anacom. Se um cliente contratou um plafond específico para determinados serviços ou aplicações, não pode ficar restrito a esses conteúdos. Os operadores têm de encontrar soluções que podem passar por transformar o plafond especifico não utilizado em plafond genérico quando este se esgotar, exemplifica.

Esperamos que os fornecedores de serviços da Internet cumpram estas regras e que encontrem as soluções que vão ao encontro das necessidades dos consumidores.

Cadete Matos destaca ainda uma “recomendação importante” aos operadores para que nas suas ofertas de acesso móvel aumentem os plafonds de volume geral de tráfego de forma a aproximá-los aos volumes de tráfego previstos no plafonds específicos. Entre 2016 e 2017, o plafond geral aumentou, mas o zero rating (os plafonds específicos para o acesso a algumas aplicações ou sites) têm muito mais capacidade. João Cadete de Matos sublinhou a “preocupação de que não haja nestas ofertas uma distorção que vá contra a neutralidade da rede e a liberdade de escolha dos consumidores”.

“Queremos que o acesso à internet responda de forma eficaz às necessidades dos consumidores hoje e no futuro. O acesso à net deve acautelar toda a inovação que está a acontecer todos os dias.”

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