Na primeira vez que juntou a bancada parlamentar do PSD, Fernando Negrão pediu desculpas pela forma como se referiu às votações para a liderança do grupo, numa eleição em que obteve 39% dos votos e em que lançou suspeitas sobre a falta de “ética” de alguns deputados. Os deputados aceitaram o mea culpa de Negrão, mas apontaram críticas. Os recados da bancada também atingem Rui Rio.
O líder parlamentar do PSD queria enterrar os machados de guerra. Surgiu perante a bancada para pedir desculpas por ter destratado publicamente os deputados sociais-democratas, ao afirmar que havia “um problema, não de natureza política, mas de natureza ética” no grupo parlamentar, “porque houve pessoas — eventualmente duas, podem ser mais — que aceitaram integrar a lista e depois terão votado em branco”.
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À saída, não escondeu essa tentativa de emendar da mão face a “excessos de linguagem” cometidos na sequência da sua eleição e que provocaram tumultos entre os deputados. Aos jornalistas, depois de mais de duas horas e meia de reunião, o presidente da bancada do PSD garantia que o encontro tinha sido uma “catarse” para todos os parlamentares, com intervenções “muito francas” que tinham permitido sanar feridas abertas nos últimos dias. Para o futuro, Negrão acreditava ter consigo um grupo “coeso”.
“Foi uma discussão mútua em que fizemos uma espécie de catarse dos problemas que ocorreram, estão todos resolvidos entre todos”, disse Negrão. Sobre esses problemas, o líder da bancada disse que “todos, em situações de mudança, temos exageros na linguagem e, no fundamental, a reunião foi positiva, temos o grupo unido, determinado, coeso para fazer oposição”, acrescentou.
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Mas as intervenções registadas no plenário dos deputados do PSD, à porta fechada, deixaram sinais distintos. Durante o encontro, dirigindo-se aos seus antecessores na liderança da bancada, tinha pedido pedido ajuda a Hugo Soares, Luís Montenegro, Aguiar-Branco e Marques Guedes para o trabalho que tem em mãos naquilo que resta da legislatura.
Os deputados aceitaram o pedido de desculpas, mas não esqueceram. Na resposta a Negrão, Hugo Soares (afastado por Rui Rio da liderança da bancada) disse ao seu sucessor que só agora, com o pedido de desculpas, se assumia como “líder” da bancada e não apenas como seu presidente formal. “Esta é a minha direção”, garantiu, no entanto, Hugo Soares, mostrando solidariedade para com a nova equipa e confiança no trabalho do ex-ministro que Rio escolheu para dirigir a bancada do PSD.
De todos os ex-líderes da bancada a que Negrão se dirigiu, José Pedro Aguiar-Branco protagonizou a intervenção mais dura. Num ajuste de contas com o passado mais recente, o ex-ministro da Defesa de Pedro Passos Coelho disse que o resultado de Fernando Negrão, há uma semana (35 votos a favor, 32 brancos e um nulo), se deveu em grande medida à forma como Rui Rio conduziu o processo da substituição de Hugo Soares.
Mas os recados não ficaram por aqui. Ainda com o debate desta quarta-feira fresco, Carlos Abreu Amorim aconselhou o líder a ter mais atenção aos sinais que a bancada do PSD — e, sobretudo, a sua direção — deixam transparecer para o exterior. Na base da intervenção do ex-vice-presidente da bancada do PSD estava o longo abraço e a troca de palavras entre Negrão e António Costa, no final do primeiro frente-a-frente.
Houve mais. Quando Paula Teixeira da Cruz interveio, os ecos da reunião começaram a extravasar as paredes da Assembleia República e dirigiam-se cada vez mais para a São Caetano. A ex-ministra da Justiça de Passos Coelho — que levantou dúvidas sobre a legitimidade da direção liderada por Fernando Negrão face à fragilidade do resultado que obteve –, disse esta quinta-feira que, apesar de estar disponível para colaborar com o novo presidente da bancada, mantinha reservas sobre a direção do partido. Há pessoas de quem Rui Rio se fez rodear que estão a minar internamente o PSD e pretendem dividir o partido, acusou Paula Teixeira da Cruz.
A ideia também esteve presente na intervenção de Teresa Morais. A ex-secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares preferiu focar-se na bancada e, numa dura intervenção contra a sua nova liderança, defendeu a ideia de que o novo líder da bancada está fragilizado, ao sugerir que o conjunto de novos rostos que representam o PSD no Parlamento não são uma escolha de Fernando Negrão, sugeriu Teresa Morais, segundo relatos sobre a reunião que o Observador ouviu.
Falando diretamente para o presidente da bancada, a ex-secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares criticou alguns dirigentes do partido e militantes do PSD que na última semana atacaram a posição assumida pelos deputados durante a escolha da bancada do PSD. Teresa Morais sublinhou o princípio de que o mandato dos parlamentares não é descartável nem pode ser dispensado em função dos momentos vividos a cada liderança partidária.
[Nota: foi corrigida a declaração de Teresa Morais, nomeadamente quando a deputada se refere ao mandato dos deputados. Teresa Morais não defendeu a demissão de dirigentes do partido]