A política de concessão de créditos do Novo Banco continuou a sofrer “deficiências significativas” já depois de o Banco de Portugal ter ficado responsável pelo controlo da gestão da instituição. A avaliação é feita pela Comissão Europeia na decisão em que autoriza a nova ajuda de Estado associada à venda do Novo Banco ao fundo Lone Star. A DG Comp (Direção Geral da Concorrência da Comissão Europeia) alerta para falhas significativas na capacidade de gestão e no reporte de informação sobres créditos problemáticos, em particular no que toca a probabilidades de default, estimativas de perdas, ou até sobre a existências de colaterais para exposições de crédito.
Estas falhas foram encontradas na informação enviada pelo Novo Banco para Bruxelas, no quadro da avaliação que foi feita ao acordo para a venda do Novo Banco. A operação foi autorizada pela Comissão Europeia em novembro do ano passado, mas só agora foi divulgada a decisão e os seus fundamentos, uma vez eliminada a informação considerada confidencial.
Bruxelas pediu informação sobre uma amostra de alguns dos ativos problemáticos cuja herança a Lone Star não quis assumir quando comprou o Novo Banco. Esses ativos “tóxicos”, sobretudo créditos e imobiliário, foram destacados num veículo e as perdas que gerarem serão compensadas pelo Fundo de Resolução, na medida em que afetem os rádios de capital do Novo Banco. Os ativos têm um valor nominal bruto de 8,7 mil milhões de euros (à data de julho de 2016). O Fundo de Resolução pode vir a assumir uma fatura de até 3,89 mil milhões de euros para compensar o buraco (perdas) que esses ativos venham a provocar nos rácios de capital do Novo Banco.
A Comissão diz que o Novo Banco não foi capaz de apresentar registos históricos (loan tapes) desses empréstimos com informação completa e correta sobre as probabilidades de incumprimento e sobre o nível de exposição que estava garantido com colaterais, ou até que colaterais específicos serviam de garantia para determinados créditos. Estas constatações são “por si só problemáticas, na medida em que apontam para problemas graves no sistema de tecnologias de informação e, mais importante, nas capacidades de gestão e de reporte do risco”. A inexistência de uma correlação entre a informação sobre o preço do crédito e a probabilidade de default ou custo do risco, indica “uma falha grave no modelo de gestão do banco”.
A Comissão regista que estas falhas não se limitam à gestão do período anterior à resolução do Banco Espírito Santo (BES), em 2014, “mas continuam a ter impacto na performance do Novo Banco sob a gestão do Fundo de Resolução e sob a Responsabilidade do Banco de Portugal. Mesmo novos empréstimos concedidos em 2016, depois de o Banco de Portugal ser o responsável por mais de um ano, mostram deficiências significativas em todas as categorias”. Os exemplos dados pela DG Comp:
- ausência de análise de cash-flow ou indicação da capacidade de reembolso do cliente em ficheiros sobre empréstimos;
- acordos de renegociação de crédito sem proteção suficiente para o banco;
- documentação não rigorosa, incompleta ou desatualizada, em particular em revisões de empréstimos;
- existência de empréstimos concedidos por favor;
- avaliações inconsistentes de imóveis dados como colateral, que variam em função das agências e das regiões;
- fixação errática de preços (spreads) para créditos, não ajustada ao risco do retorno, em novos créditos e empréstimos reestruturados;
- avaliação inconsistente ou deficiente do risco de crédito e da probabilidade de default (incumprimento).
A reavaliação da qualidade e informação sobre estes créditos confirma, segundo Bruxelas, que as práticas passadas de concessão de crédito do antigo BES contribuíram para o colapso do banco, mas também indica “que, mesmo depois de criado o banco de transição — o Novo Banco — sob o controlo direto do Banco de Portugal — parece ter sido feito pouco para corrigir as práticas problemáticas de concessão de crédito e de normas de gestão de risco”, acrescenta Bruxelas.
Sob a orientação do Banco de Portugal e tendo o Fundo de Resolução como acionista, o Novo Banco teve já três presidentes — Vítor Bento (julho a setembro de 2014), Stock da Cunha (outubro de 2014 a julho de 2016) e António Ramalho (desde agosto de 2016) — e várias alterações na composição da administração. Mas o Novo Banco, enquanto instituição de transição em processo de venda desde 2015, tem estado sob constante pressão para reestruturar e cortar custos, por um lado, e recuperar receita e negócio bancário, por outro.
Perdas nos ativos tóxicos subavaliadas, Bruxelas quer limpeza rápida
As falhas detetadas fundamentam as reservas da DG Comp sobre a qualidade destes ativos tóxicos, chamados de Legacy (herança do antigo Banco Espírito Santo). Até porque confiar na avaliação feita pelo Novo Banco para avaliar a qualidade desses créditos “pode conduzir a uma séria subavaliação das perdas reais que podem resultar desses ativos”. Ainda que o acordo feito com o Fundo de Resolução permita cobrir uma parte substancial dessas perdas, a Comissão Europeia admite que, num cenário adverso, os prejuízos com esses ativos podem atingir três a quatro mil milhões de euros ou até mais, dependendo das circunstâncias. Embora o risco de perda seja muito difícil de quantificar, reconhece.
O alerta tem por base um cenário mais negativo desenhado pelos próprios serviços da DG Comp que consideraram o cenário negativo apresentado pelo Lone Star demasiado cor-de-rosa. Bruxelas avisa ainda que há sérios riscos de execução das metas de melhoria da rentabilidade do banco, que para serem atingidas “implicam uma implantação que rompa com a cultura e a performance passadas do Novo Banco”. Ainda que reconheça validade ao argumento de que o novo acionista privado estará especialmente focado em reestruturar e transformar a instituição e torná-la lucrativa em 2021.
Para os serviços da concorrência, o reconhecimento das perdas no portefólio da herança BES, onde estão destacados os tais ativos tóxicos, e a cultura corporativa ainda dominante do Novo Banco, sugerem, que “decisões arbitrárias de atribuição de empréstimos, bem como insuficiente gestão de risco têm sido endémicas no Novo Banco, também sob a tutela do Banco de Portugal. Neste quadro, a Comissão Europeia considera necessário “limpar o balanço o mais depressa possível”, uma posição que é partilhada pelo Banco de Portugal e que pode originar a apresentação de prejuízos recorde relativos a 2017 por parte do Novo Banco — entre mil e 1,8 mil milhões de euros, tal como já foi noticiado. Este cenário pode antecipar a injeção de capital por parte do Fundo de Resolução.
Novo Banco vai continuar a “limpar a casa”. Prejuízos devem duplicar para 1,8 mil milhões