O diretor do departamento jurídico do Benfica, Paulo Gonçalves, e um técnico de informática do Instituto de Gestão Financeira e Equipamento da Justiça foram detidos esta terça-feira no âmbito da operação “E-toupeira”. De acordo com um comunicado da Polícia Judiciária (PJ) os detidos são suspeitos dos “crimes de corrupção ativa e passiva, acesso ilegítimo, violação de segredo de justiça, falsidade informática e favorecimento pessoal.” Em causa estará uma rede montada pelo Benfica junto do sistema judicial para recolher informações de processos que envolvem o clube encarnado e que corriam, sobretudo, no Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, numa informação que já tinha sido avançada pelo Correio da Manhã e a revista Sábado. Um dos inquéritos sobre o qual Paulo Gonçalves terá recebido informações em segredo de justiça é o famoso caso dos emails.
O esquema passaria por dar ofertas a funcionários judiciais e ter, através destes, informações antecipadas sobre os vários processos em que o Benfica está envolvido. Isso permitia ao departamento jurídico do clube estar sempre um passo à frente da investigação. As primeiras suspeitas deste processo têm seis meses, quando o caso dos emails foi junto à investigação dos voucheurs. A informação na posse do Benfica era do conhecimento de tão pouca gente que gerou desconfianças. A partir daí adensaram-se as suspeitas de que haveria pelo menos uma “toupeira” no sistema judicial que fornecia informações ao clube. Para que que essa “toupeira” fosse apanhada terá sido plantada informação falsa, que acabaria por se revelar fatal e incriminatória para os envolvidos.
Ao que o Observador apurou, os indícios de corrupção recolhidos pela PJ assentam em prendas que alegadamente terão sido dadas por Paulo Gonçalves aos funcionários judiciais suspeitos de corrupção passiva. Bilhetes para lugares cativos ou privilegiados do Estádio da Luz para assistir a jogos do Benfica ou até peças de merchandising do clube encarnado são algumas das alegadas contrapartidas que a PJ suspeita que terão alegadamente sido dadas por Gonçalves aos funcionários judiciais sob suspeita. Tais prendas terão, de acordo com os dados recolhidos pela investigação, um valor financeiro significativo que não estava ao alcance do poder de compra daqueles funcionários públicos.
As buscas no Estádio da Luz terminaram por volta das 18h15, revelou fonte da Polícia Judiciária ligada ao processo. Paulo Gonçalves, que foi detido em sua casa ao início da manhã desta quinta-feira e assistiu às buscas no Estádio da Luz, em particular no seu gabinete sob custódia, saiu com os inspetores e foi para o Estabelecimento Prisional da PJ de Lisboa, onde vai permanecer durante a noite, para ser presente a juiz esta quarta-feira. Os dois detidos devem ser inquiridos durante a tarde.
As buscas, que além do Estádio da Luz tiveram lugar também nos tribunais da Guarda e de Fafe, acabaram com a apreensão de vários documentos em papel, pastas informáticas, telemóveis e iPads.
A Sábado avançou que no caso de José Silva, o informático detido, estaria também em causa um emprego dado ao seu sobrinho no Museu Cosme Damião, o museu do Benfica. Mas a informação foi desmentida pelos encarnados em comunicado. “Essa informação carece de qualquer fundamento sério porque invoca o nome de alguém que não pertence, nem nunca pertenceu, aos quadros profissionais de qualquer estrutura do Sport Lisboa e Benfica e Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD”, garantiram as águias.
[Veja no vídeo dois momentos-chave em que Francisco J. Marques denuncia Paulo Gonçalves na tv]
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Uma das alegadas ofertas feitas por Paulo Gonçalves aos funcionários judiciais foi conhecida a 2 de janeiro de 2018 quando, no seguimento da colocação na Internet de uma série de emails que teriam sido enviados por Paulo Gonçalves, Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, leu uma dessas comunicações alegadamente enviada pelo assessor jurídico da SAD dos encarnados para Ana Zagalo, funcionária do Benfica. “Para além dos bilhetes que requisitei, preciso dos seguintes convites: Nuno Cabral, 3; Ferreira Nunes, quatro; Júlio Loureiro, três (…)”, diria o pedido feito a 27 de março de 2017, vésperas do Benfica-FC Porto.
A SAD do Benfica saiu em defesa de Paulo Gonçalves, dizendo que tudo o que diretor do departamento jurídico fez foi legal. O Benfica confirmou apenas as buscas na Luz e disse estar inteiramente disponível para colaborar com as autoridades. Mas anunciou que vai pedir, com urgência, uma audiência à Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, sobre esta investigação.
Benfica confirma buscas e pede audiência à Procuradora-Geral da República
A operação da Polícia Judiciária envolveu cerca de 50 elementos da PJ, um juiz de instrução criminal e dois magistrados do Ministério Público. De acordo com o comunicado da PJ foram “realizadas trinta buscas nas áreas do Porto, Fafe, Guimarães, Santarém e Lisboa que levaram à apreensão de relevantes elementos probatórios.” Um comunicado da Procuradoria-Geral da República especifica que foram cumpridos “seis mandados de buscas domiciliárias, um mandado de busca a gabinete de advogado e 21 mandados de buscas não domiciliárias.” Um destes locais alvos de buscas é o Estádio da Luz. O outro a casa do próprio Paulo Gonçalves.
A revista Sábado lembra que é num destes tribunais que trabalha o funcionário Júlio Loureiro, já visado no caso dos emails por alegadamente ter enviado para o assessor jurídico do Benfica uma notificação do tribunal de Guimarães referente a uma audição do treinador dos encarnados, Rui Vitória.
Há também um empresário de futebol, Óscar Cruz, suspeito neste processo. Filho de um antigo vice-presidente do FC Porto com o mesmo nome, o agente que está ligado à empresa True Soccer (sem jogadores “conhecidos”), conhece há muitos anos não só Paulo Gonçalves mas também Alexandre Pinto da Costa, filho do presidente do FC Porto. De acordo com o Expresso, Óscar Cruz terá sido sócio de Alexandre Pinto da Costa (e Pedro Pinho) na Energy Soccer, mas hoje em dia já nem se falarão.
A PJ esclarece ainda ainda que “nesta investigação, iniciada há quase meio ano, averigua-se o acesso ilegítimo a informação relativa a processos que correm termos nos tribunais ou Departamentos do Ministério Público a troco de eventuais contrapartidas ilícitas a funcionários“. No mesmo comunicado, a Unidade de Combate à Corrupção informa ainda que “os detidos vão ser sujeitos a primeiro interrogatório judicial” e que “a investigação prossegue com vista à continuação de recolha de prova e ao apuramento dos benefícios ilegítimos obtidos”.
Haverá indícios que o técnico informático do IFGEJ, bem como os outros funcionários judiciais suspeitos, recolhiam informações através do Habilus (sistema que contém informação sobre os processos judiciais durante a fase de investigação) e passavam depois esses dados a Paulo Gonçalves. O comunicado da Procuradoria Geral da República reitera isso mesmo: “No inquérito indicia-se a prática de acessos por funcionários a diversos inquéritos em segredo de justiça para obtenção de informação sobre diligências em curso, informações que eram depois transmitidas a assessor da administração de uma sociedade anónima desportiva a troco de vantagens”.
Numa primeira fase, foi noticiado que esta informação provinha da plataforma Citius. Na SIC Notícias, o advogado Miguel Matias esclareceu a confusão criada entre o Citius e o Habilus – duas plataformas informáticas com informação sobre os processos judiciais.
“O sistema Citius é um sistema que nós advogados todos utilizamos para comunicar com o tribunal e com os colegas. No processo penal, até à acusação ou ao despacho de arquivamento, o processo na fase de investigação é normalmente decretado o segredo do processo na fase de investigação e não é possível este tipo de comunicação dos advogados ou o acesso ao processo”, explicou Miguel Matias, esclarecendo que a informação obtida por Paulo Gonçalves estava alojada no Habilus, e não no Citius.
Quando questionado sobre se um advogado poderia ter acesso ao processo enquanto este estivesse no Habilus, Miguel Matias não tem dúvidas: “Advogados não, de forma nenhuma”. Nesta fase, as únicas pessoas que podem consultar o processo são magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais.
De acordo com o Correio da Manhã, a sociedade de advogados Vieira de Almeida chegou a dar formação aos funcionários do Benfica sobre a forma como se deveriam comportar caso a PJ fizesse buscas à SAD. Quando as buscas aconteceram, a PJ encontrou processos que se encontram em segredo de justiça que envolvem não só processos do Benfica, mas também de outros que envolvem o Sporting e o FC Porto.
(em atualização)