Feliciano Barreiras Duarte, atual secretário-geral do PSD, também fez referências ao seu alegado estatuto de investigador convidado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, na sua tese de mestrado em Direito. O júri que o avaliou reconhece a gravidade do caso e pede a atuação da instituição. O deputado social-democrata chegou mesmo a enganar-se no nome da universidade californiana.
O novo homem do aparelho do PSD defendeu a sua tese na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) em 2014. Nessa altura, segundo a versão dos factos apresentada por Barreiras Duarte, o social-democrata assumia-se como “visiting scholar” da Universidade de Califórnia, em Berkeley, desde 2009. Hoje, o próprio já o assumiu, sabe-se que nunca entrou sequer nas instalações da universidade.
O júri que avaliou a tese de mestrado de Feliciano Barreiras Duarte era composto por Diogo Leite Campos, ex-vice-presidente do PSD (na qualidade de orientador), António Carlos dos Santos, ex-secretário de Estado num Governo PS (na qualidade de arguente) e era presidido por Constança Urbano de Sousa, ex-ministra da Administração Interna. Os três, em dimensões diferentes, reconhecem a gravidade do caso.
“A UAL vai ter que resolver isto. E repare que a universidade não tem sido muito laxista em relação a isso. É normal que um mestrando se esqueça de todos os dados do seu currículo ou que se engane numa nota final. Agora, fazer referência a uma universidade que nunca frequentou é grave, de facto“, admite ao Observador António Carlos dos Santos, que desempenhou o papel de arguente durante a defesa da tese de Feliciano Barreiras Duarte.
O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do primeiro governo de António Guterres compara mesmo a gravidade do erro de Barreiras Duarte à de um caso de plágio. “É evidente que o caso tem relevância. Diria o mesmo se tivesse copiado umas páginas de uma outra tese“, nota.
Mesmo garantido que a referência à universidade californiana não teve qualquer influência na sua avaliação da tese de Barreiras Duarte, António Carlos dos Santos sublinha outro detalhe: a tese do social-democrata não era uma “tese clássica”; era um “relatório profissional para a obtenção do grau de Mestre em Direito”, pelo que as referências ao percurso académico e profissional assumem outra dimensão e importância. “Não lhe exigimos prova do seu percurso porque não é essa a prática. No meu caso, cingi-me a avaliar o conteúdo da tese. E, do pouco que me recordo, queria dar uma nota inferior àquela que ele teve. Mas os meus colegas jurados preferiram dar uma nota superior”, comenta.
Diogo Leite Campos tende a desvalorizar o caso, ainda que não esconda alguma perplexidade. “Como é que pode dizer uma coisa se não é verdade? Não fico desconfiado dele, mas estou convencido que terá muito mais cuidado daqui para frente. Não acrescenta nada ao currículo dele”, sublinha o antigo vice-presidente do PSD.
Quanto ao resto, e tal como notou António Carlos dos Santos, as referências à universidade californiana em nada contribuíram para a avaliação de Barreiras Duarte, argumenta Leite Campos. “É irrelevante para o caso. Mas também não sou laxista. No futuro, não deverá cometer erros desses“, sugere.
Constança Urbano de Sousa, que foi presidente do júri que avaliou o social-democrata, é mais contida nos comentários. “Embora seja de evitar este tipo de imprecisões, foi o objeto da prova que foi avaliada, não o percurso ou currículo”, diz ao Observador.
Nas várias referências que faz ao seu suposto estatuto de investigador convidado, Feliciano Barreiras Duarte chega mesmo a enganar-se no nome da instituição. Escreveu o deputado social-democrata: “[Estou] a concluir o doutoramento com uma tese sobre ‘Políticas Públicas e Direito da Imigração’ em parceria com a Universidade Pública de Berkeley, Califórnia, EUA, com o estatuto de visiting scholar”. Na verdade, a instituição chama-se: “Universidade da Califórnia, Berkeley” ou simplesmente “UC Berkeley”. Não há qualquer referência à natureza pública da instituição no nome da universidade.
Excerto da tese de mestrado de Barreiras Duarte, que pode consultar na íntegra aqui.
O Observador contactou a Universidade Autónoma de Lisboa, que até ao momento ainda não respondeu se vai ou não abrir uma investigação interna.
“Nunca precisei de Berkeley para nada”
Contactado pelo Observador, Feliciano Barreiras Duarte desvaloriza eventuais consequências académicas pela falha no currículo que apresentou quando se candidatou ao mestrado na UAL: “Nunca beneficiei de nada”, por ter aquela referência no currículo. “Nunca precisei de Berkeley para nada, para nenhum grau académico ou qualquer bolsa de estudo. Nunca precisei de Berkeley para fazer o que fosse na vida pessoal, profissional e política. Já tinha uma vida pessoal, profissional e política antes disso”.
Feliciano Barreiras Duarte diz que ainda na tarde desta segunda-feira falou com o seu orientador, Diogo Leite Campos, e que este lhe reforçou que o seu “currículo é à prova de bala”, declarando-lhe solidariedade. Mas o secretário-geral do PSD também admite as consequências em termos de imagem pública de um caso como este, referindo várias vezes como a questão o tem “prejudicado significativamente”. “Já percebi que neste momento as pessoas querem tirar proveito de uma situação que me prejudica ao máximo”. Mas não diz a quem se refere, apenas repete que na sua vida “nunca” precisou da referência a Berkeley, apesar de “considerar a instituição” que assinala como “uma das mais importantes dos Estados Unidos”. E questiona: “Há pessoas habituadas a andar nas bocas do mundo, eu não. É pela política? Vale tudo? Pôr em causa a vida de uma pessoa?”
Retifiquei só porque me disseram. Pela pressão toda de que tenho sido alvo”.
O social-democrata nega ter mentido: “Eu disse que era de Berkeley porque era verdade”. E quando questionado sobre a retificação da nota que tinha no currículo, explica: “Entendi que se formalmente era preciso ter ido os 40 dias, apesar de todos os trabalhos que fiz, então abdicava da referência, porque nunca precisei dela”.
Parlamento. Barreiras Duarte declarou cargo que nunca desempenhou
A polémica em que se viu envolvido o secretário-geral de Rui Rio rebentou este fim-de-semana, depois de o semanário Sol ter revelado o caso. Apesar de Barreiras Duarte ter afirmado e reafirmado em várias notas biográficas que era, de facto, investigador convidado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, a universidade e a professora responsável pelo processo já desmentiram a versão dos factos apresentada por Barreiras Duarte — e entretanto retificada pelo próprio.
Ao Sol, o departamento de relações públicas da universidade foi claro: “O diretor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, para os programas de Doutoramento e assuntos dos ‘visiting scholar’ percorreu todos os registos até ao ano em que Feliciano Barreiras Duarte nasceu, não tendo encontrado qualquer documentação de que alguma vez tenha sido oficialmente um ‘visiting scholar’ nesta universidade. É possível que tenha vindo visitar um dos nossos departamentos, mas não temos qualquer registo disso, e nessa visita não terá sido certamente considerado um ‘visiting scholar’, na medida em que isso se trata de uma designação formal”.
Confrontado com esta informação, Barreiras Duarte apresentou uma carta, assinada pela professora Deolinda M. Adão e intitulada como certificado, em que se lê o seguinte:
“Em nome da Universidade Pública University of California, Berkeley, Estados Unidos da América (sic), e do seu Instituto de Estudos Europeus certifico e faço fé que o professor Feliciano Barreiras Duarte, com nacionalidade portuguesa, se encontra inscrito nesta Universidade com o estatuto de ‘visiting scholar’, no âmbito do seu Doutoramento em Ciência Política com a tese Políticas Públicas e Direito da Imigração. Mais faço saber nos termos das disposições legais aplicáveis em vigor, que o Professor Feliciano Barreiras Duarte me irá ter como orientadora dos seus estudos de investigação durante o período de tempo em que vigorar a sua relação e estadia nesta Universidade”.
A carta apresentada por Barreiras Duarte
Deolinda Adão, no entanto, desmentiu tudo e acusou Barreiras Duarte de ter forjado o documento — o que poderia constituir, no limite, um crime de crimes de falsificação de documentos. Confrontado pelo Observador com a possibilidade de poder vir a ser instaurado inquérito pelo Ministério Público sobre este caso, Feliciano Barreira Duarte diz estar “de consciência tranquila em relação e essa matéria também”.
Numa primeira declaração ao semanário Sol, Deolinda Adão foi confrontada com uma carta apresentada pelo atual secretário-geral do PSD que, alegadamente, comprovaria o estatuto de investigador convidado. A carta era, aliás, assinada pela própria Deolinda Adão. A professora reagiu de forma taxativa: “Esse documento é forjado”.
Esta segunda-feira, a professora fez chegar uma nota ao Observador onde reitera que o social-democrata nunca frequentou aquela universidade — embora não recupere as acusações de falsificação de documentos. Antes parece legitimar o documento que antes tinha dito ser forjado.
A professora escreve o seguinte: “O documento apresentado pelo Dr. Feliciano Duarte com a minha assinatura, exarado a 30 de janeiro de 2009, certifica apenas e somente a sua inscrição”. Ou seja, parece admitir a existência do tal documento que tinha dito ser forjado. O Observador insistiu com a docente para clarificar o assunto, mas Deolinda Adão não quis prestar mais declarações sobre o tema, deixando várias questões sem resposta.
Independentemente desta questão, que o Observador está a tentar esclarecer com a Universidade da Califórnia, Deolinda Adão deixa claro na sua nota que Feliciano Barreiras Duarte nunca frequentou a instituição, nem apresentou quaisquer trabalhos.
Já Feliciano Barreiras Duarte dá nota desta mudança no discurso de Deolinda Adão. “Mais vale tarde do que nunca, no mínimo vem repor alguma verdade”, diz em relação ao comunicado divulgado esta segunda-feira. Diz, no entanto, que só “lamenta que demorasse tanto tempo, seja quem for, a corrigir uma coisa que me tem prejudicado significativamente”.
Sobre a sua relação com Deolinda Adão, o social-democrata diz que sabe que é “uma pessoa de bom senso” e que, depois de “ter sido convidado” como investigador, só não foi para Berkeley por motivos familiares. E que em 2010 não foi porque tinha sido convidado para chefe de gabinete de Pedro Passos Coelho e que no ano seguinte acabou por ir para o Governo. Já em 2014, quando poderia ter ido para Berkeley não teve “condições financeiras” para o fazer. Mas garante que, durante esses anos, “houve troca de correspondência com Deolinda Adão que soube sempre que a relação existiu e sucessivamente foi perguntando” sobre matérias em estudo, explicou ao Observador Feliciano Barreiras Duarte. E diz mesmo que professora da instituição “ainda em setembro, quando passou uns tempos em Portugal, também perguntou ao professor Pinto de Abreu” quando é que ele ia para a Berkeley.
Seja como for, o secretário-geral do PSD já veio reconhecer que nunca esteve em Berkeley, garantindo que ia rectificar a sua nota curricular. Acontece que durante muitos anos Barreiras Duarte garantiu no Parlamento que era, de facto, investigador convidado da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
A primeira vez que o fez foi em 2008, quando pediu à Comissão de Ética da Assembleia da República que se pronunciasse sobre a compatibilidade entre o cargo de deputado e o doutoramento na universidade californiana — algo que aconteceu por unanimidade, com exceção do PCP, que não se fez representar. Um pedido de clarificação que o social-democrata usa agora em sua defesa: “Se estivesse de má fé não tinha solicitado se era incompatível ou não ter esse estatuto“.
Mas isso foi em julho de 2008. Nesse período, Barreiras Duarte estava de facto tentado a frequentar o doutoramento naquela universidade. Os primeiros contactos com aquela instituição aconteceram nessa altura. De acordo com a documentação apresentada pelo secretário-geral do PSD, a carta que o legitima como investigador convidado é de 30 janeiro de 2009. No entanto, para ser de facto de “visiting scholar” daquela universidade teria estar pelo menos 40 dias naquela instituição. Tal nunca veio a acontecer.
Dois anos depois, Barreiras Duarte tomava posse como secretário de Estado adjunto de Miguel Relvas e teve de entregar o seu registo de interesses ao Tribunal Constitucional, onde reafirmava o seu estatuto de investigador convidado na universidade californiana. Algo que não era, de todo. O deputado social-democrata pode sempre alegar que julgava ser “visiting scholar” quando não era, mas a verdade é que transmitiu informação errada à Assembleia da República.
Excerto do registo de interesses de Barreiras Duarte, disponível na íntegra aqui.
O presidente do PSD veio este fim de semana mostrar-se satisfeito com as explicações então dadas pelo seu secretário-geral neste caso. Rui Rio disse ser “inequívoco que ele [Feliciano Barreiras Duarte] fez referência a um aspecto do seu currículo que não era preciso e corrigiu”. O líder social-democrata disse mesmo que Feliciano Barreiras Duarte “já se explicou” sobre o assunto e tentou dar por encerrada a questão. A verdade é que, nesse dia, Rio era para ter sido acompanhado pelo seu secretário-geral quando se deslocou ao congresso do CDS, em Lamego. Feliciano acabou por não ir, como estava previsto, surgindo a questão se a ausência se devia à polémica noticiada no sábado pelo semanário Sol. Rio tratou de desvalorizar a questão, dizendo que Feliciano Barreiras Duarte “não estava mesmo na delegação, depois houve um momento em que disseram que ele estava, mas nunca esteve”. Só que o e-mail enviado às redações pela assessoria de imprensa do líder do PSD de comunicação detalhava que na “delegação do PSD” que viajaria até Lamego no domingo estaria o Feliciano Barreiras Duarte. Não aconteceu.