O presidente da Comissão Técnica Independente que investigou as circunstâncias em que as autoridades responderam ao fogo de outubro, nas regiões centro e norte do país, concluiu que havia “instrumentos para minimizar” o impacto das chamas, que fizeram 46 mortos entre os dias 14 e 16 de outubro. João Guerreiro diz que “era possível encontrar soluções prévias” para dar resposta aos vários incêndios, ainda que, “a partir de certa altura”, as chamas se tenham tornado incontroláveis. Foi a resposta prévia, de prevenção, a maior falha naqueles dias. “As pessoas ficaram entregues a si mesmas”, refere o relatório.
O relatório foi entregue esta terça-feira, no Parlamento, ao presidente da Assembleia da República e aos diferentes partidos. Como já tinha acontecido a respeito dos fogos de junho, a comissão aponta a “necessidade de incorporar conhecimento” nas estruturas de Proteção Civil e de Bombeiros. Também refere, em jeito de recomendação, que as autarquias desempenhem um papel mais ativo na sensibilização das populações.
No resumo disponibilizado após a entrega, o grupo de especialistas aponta diretamente o dedo à Proteção Civil.
Poderia ter-se atuado, com melhor comunicação pública e com medidas robustas de pré-posicionamento e de pré-supressão, de forma a prevenir o que era esperado” para aqueles dias de meados de outubro, uma vez que “a excecionalidade prevista e confirmada das condições meteorológicas permitia prever o número de ignições”.
Os especialistas consideram que, dadas as condições meteorológicas “severas”, ter-se-ia justificado “uma chamada de atenção pública, com outros contornos, eventualmente semelhantes à situação vivida no mês de agosto, em que foi estabelecido o Estado de Calamidade Preventiva”.
Relatório aponta responsabilidades a câmaras municipais, Proteção Civil, bombeiros e Governo
O facto de ter sido dada por terminada a fase Charlie dos incêndios no final de setembro, num momento em que o calor e o tempo seco ainda se faziam sentir, merece um apontamento dos especialistas. “O ataque ampliado, implicando o recurso a forças exteriores, terrestres e aéreas, registou também enormes dificuldades”, uma vez que “muitas forças já estavam descontinuadas, designadamente os meios aéreos”. Por isso, “o número de solicitações impediu que a alocação de meios se fizesse de acordo com as normas operacionais estabelecidas”.
Mais tarde, já no nível de resposta ao incêndio, o relatório aponta para a ideia de que as “condições extremas” deveriam ter levado ao “uso de medidas mais robustas para atacar imediatamente as ignições que pudessem ocorrer”.
É preciso “introduzir melhorias no funcionamento das nossas instituições, no sentido de evitar repetir estes dramas”, apontou João Guerreiro logo após a entrega do relatório de 276 páginas.
No relatório, o grupo de especialistas aponta reparos a diversas instituições com responsabilidade na gestão da floresta e no combate aos incêndios. No caso do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, a comissão técnica faz referência às “destruições de áreas significativas” de território “sujeitas ao regime florestal”. Estão em causa “questões de suborçamentação, de impossibilidade de reinvestimento na floresta, de desarticulação” e de “reformas de contornos questionáveis” que são “naturalmente responsáveis desta situação”.
No caso dos corpos de bombeiros, o resumo do relatório disponibilizado pelo grupo defende que a “redução da disponibilidade do regime de voluntariado” e “a complexidade dos incêndios rurais, com características cada vez mais extremas”, deveriam “obrigar a uma maior profissionalização” destes corpos. Uma medida que já constava do relatório sobre os incêndios de junho.
É ainda feita uma referência às câmaras municipais. Aqui, os especialistas consideram que, entre a “escassez de recursos” e o seu “uso racional e a sua valorização”, o patamar de decisão deve passar para o nível intermunicipal e, assim, agregar vários municípios nas medidas a tomar para prevenir novos incêndios. “Trata-se de soluções que permitiriam estabilizar corpos qualificados vocacionados para a intervenção, associados às ações de prevenção estrutural em ambientes profissionais”, defende o grupo.
Sobre as causas que mais recorrentemente estão na origem dos incêndios, nada de novo: o “incendiarismo” (responsável por 33 a 36% das ignições), as queimadas (31 a 33%) e os reacendimentos (18 a 24%) lideram os motivos para a existência de fogos.
Numa descrição mais técnica, depois de deixar que era possível prever as condições que existiriam naquele período crítico, os especialistas referem que, a 15 de outubro, “foi a força do vento e a baixa humidade” a permitir o “rápido crescimento” das chamas. Os “movimentos erráticos e acelerados dos incêndios, por momentos pulsantes, coincidem com a ocorrência de vítimas mortais”, num cenário que já se tinha verificado em Pedrógão Grande, cerca de quatro meses antes.
Especificamente sobre as vítimas mortais, os autores do relatório revelam que “a maioria” das 46 pessoas que m0rreram “não estava em fuga”, um dado que “revela a intensidade do fogo e a velocidade da sua expansão, surpreendendo de forma violenta nos diversos locais por onde passou”.
Limpeza das florestas. Multas só serão aplicadas a partir de junho
A Comissão Técnica Independente aceitou, no final de novembro, o pedido do presidente da Assembleia da República para investigar os incêndios de outubro de 2017, depois de já ter investigado os incêndios de junho.
Previa-se que o relatório pudesse ser entregue ainda em janeiro mas, em meados de dezembro, o presidente da comissão, João Guerreiro, antigo reitor da Universidade do Algarve, admitiu que esse era um “prazo apertado”. A entrega das conclusões foi adiada para esta terça-feira.
Os 12 elementos que já tinham constituído o primeiro grupo de trabalho foram reconvocados e passaram os últimos dois meses a analisar o fogo de 14/16 de outubro do ano passado.