Nome: Embalando a Minha Biblioteca
Autor: Alberto Manguel
Editora: Tinta-da-China
Páginas: 143
Preço: 14,90€

Embalando a Minha Biblioteca chegou às livrarias este mês de março

Sempre que Alberto Manguel lança um novo livro, a editora descreve-o como “o mais pessoal” alguma vez escrito pelo ensaísta argentino. Foi assim com Uma História da Curiosidade (2015), com A Biblioteca à Noite (2016) e com o mais recente, Embalando a Minha Biblioteca, lançado neste mês de março pela Tinta-da-China, em simultâneo com a edição norte-americana e britânica. Questionado sobre isso mesmo em 2015, Manguel explicou ao Observador que todos os seus livros são, até certo ponto, pessoais, porque reflectem as preocupações de dado momento: “Qualquer livro que esteja a escrever é o meu livro mais pessoal, porque reflete aquilo que sou nesse momento. Nesse sentido, este é o meu livro mais pessoal, porque é o mais recente. O próximo livro vai ser ainda mais pessoal.” Mesmo que assim seja, com este novo lançamento é mesmo preciso dar o braço a torcer: é de facto o mais pessoal de todos os livros de Alberto Manguel.

Embalando a Minha Biblioteca começa com a triste história do desmantelamento da biblioteca de cerca de 35 mil livros de Alberto Manguel, instalada num antigo presbitério de pedra, a sul do vale do Loire, em França. No capítulo de introdução, o autor conta que teve a certeza de que queria viver naquela casa, situada numa “pacata aldeia” francesa, assim que abriu “as duas portas altas que conduziam da entrada ao jardim”. Viveu nela durante 15 anos, julgando que tinha encontrado o seu lugar, já que os seus livros tinham encontrado o seu. “Enganei-me”, confessa, partindo daí para analisar várias questões relacionadas com a leitura, os livros, o processo de escrita e a importância das bibliotecas públicas.

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Como é comum em todas as obras de Manguel, o manancial de referências é esmagador — Alice no País das Maravilhas, A Divina Comédia e Dom Quixote são apenas algumas das obras que vai citando de modo a justificar as suas próprias posições em relação aos mais diversos temas, que aborda sempre com grande lucidez. Talvez porque, tal como ele próprio admite no capítulo inicial, seja “incapaz de pensar em linha recta”. “Divago. Sinto que sou incapaz de partir de pontos factuais, continuar por uma rede linear de etapas lógicas até chegar a uma resolução satisfatória. Por maior que seja a minha intenção inicial, perco-me pelo caminho. Paro para admirar uma citação, ouvir uma história; deixo-me distrair por questões alheias ao meu propósito, e sou levado por uma torrente de associações. Começo a falar de uma coisa e acabo a falar de outra.”

Cada uma das dez “divagações” surge intercalada por um pequeno texto de tom mais pessoal, sempre em itálico, onde Alberto Manguel vai, a pouco e pouco, revelando o processo de desmantelamento da sua biblioteca e algumas experiências pessoais. E essa é a grande novidade deste livro: nunca antes o argentino se expôs desta forma, partilhando com os leitores o seu imenso amor pelos livros que foi reunindo ao longo dos anos e o sentimento de perda que se apoderou de si depois de os ter embalado, um por um, e guardado em caixas. O que fica por explicar é a razão dessa separação tão dolorosa, que levou a que, mais do que um livro de ensaios, Embalando a Minha Biblioteca se tenha transformado numa declaração de amor — à literatura, aos livros e às bibliotecas que explicam e revelam o verdadeiro carácter dos seus donos. Mas talvez nestas coisas do amor os pormenores sejam insignificantes.

“Muitas vezes senti que a minha biblioteca explicava quem eu era, me conferia um eu sempre em mudança, que se transformava constantemente ao longo dos anos”, escreve Manguel, admitindo que se sentiu “desesperadamente infeliz” quando disse o derradeiro adeus à sua biblioteca. “Li Dom Quixote demasiadas vezes desde os tempos de liceu e sempre me senti, especialmente no capítulo em que Quijano descobre a sua perda, uma simpatia profunda pelo velho enganado. Agora, perdida a minha biblioteca, julgo compreender melhor aquilo por que ele passou e a razão por que partiu novamente para o mundo. A perda ajuda-nos a lembrar, e a perda de uma biblioteca ajuda-nos a lembrar quem verdadeiramente somos.”