Mário Centeno e o ministério que dirige foram apontados como “força de bloqueio” à libertação de despesas “absolutamente necessárias” nos setores da saúde e ferrovia. A deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, lembrou uma expressão do ex-primeiro-ministro, Cavaco Silva, ao dizer esta terça-feira que o ministro e o Ministério das Finanças continuam a ser uma “força de bloqueio”, que trava estas despesas que, apesar de necessárias, “ficam na gaveta”, à espera da autorização das Finanças.
Numa audição ao ministro das Finanças na comissão de orçamento e finanças, a deputada do Bloco afirmou ainda que este bloqueio acontece porque existe “uma enorme vontade de ter uma enorme reputação do Governo e do Sr. ministro em Bruxelas e no Eurogrupo“ e deixou perguntas retóricas.
“Mas qual é a reputação de um Governo que não consegue pagar a tempo as dívidas atrasadas dos hospitais? E que não faz as contratações necessárias no Serviço Nacional de Saúde? Apesar do reconhecimento do argumento usado pelo Governo de que as verbas têm sido reforçadas, Mariana Mortágua aponta para a “verba vergonhosa ” de 15 milhões de euros para as estruturas culturais e denuncia o que qualifica de “razia completa de serviços”.
Numa audição em que muito se citou o ministro da Saúde — que na semana passada disse no Parlamento que “todos somos Centeno“ — Mariana Mortágua até começou por defender o Governo dos ataques do PSD a propósito do aumento da carga fiscal no ano passado em percentagem do PIB, para o nível mais alto em mais de 20 anos. Confundir aumento da carga fiscal com aumento de impostos é “intelectualmente desonesto”, reconheceu a deputada do Bloco: Para logo depois contrariar a tese do deputado do PSD Leitão Amaro, segundo o qual os deputados do Bloco e do PCP também “são todos Centeno”, ao dizer que o ministro das Finanças tem sido uma força de bloqueio.
Na resposta, Centeno justificou: “Só podemos poupar em juros — um dos fatores que apontou como tendo permitido baixar o défice — se criarmos a reputação de cumpridores”, uma reputação, sublinha o ministro, que Portugal não tinha. “A evolução orçamental em 2017, que tem como sinais positivos o reforço do investimento, corte dos juros e o aumento da receita fiscal com crescimento económico, tem por trás uma execução orçamental rigorosa e que consideramos responsável”.
Bloqueio das Finanças é perceção? Realidade, diz Mariana Mortágua
O ministro comenta ainda que Mariana Mortágua foi buscar inspiração a um ex-Presidente da República — a expressão “força de bloqueio” é atribuída a Cavaco Silva, que enquanto primeiro-ministro, se queixava dos entraves colocados à governação por órgãos de controlo, como o Tribunal de Contas, e o próprio Presidente da República. A deputada esclarece que apenas usou a expressão para o setor da saúde. Centeno reconhece que o Ministério das Finanças às vezes parece uma força de bloqueio, mas realça que vivemos demais das perceções. “Aqui vivemos de números”. O ministro reafirma ainda que o Governo tem mantido uma política de reforço das áreas sociais que mais foram castigadas — saúde e educação.
Numa nova intervenção, Mariana Mortágua contestou a tese da perceção. “Não é perceção que há despesas que têm de ser feitas” e que não são porque não são autorizadas pelo Ministério das Finanças. É a realidade, diz, remetendo para as explicações dadas por outros ministros no Parlamento aos atrasos na realização das despesas, quando questionados.
Antes, o ministro das Finanças garantiu em resposta a Paulo Sá, do PCP, que o concurso para contratar mais enfermeiros para os hospitais no Algarve só ficou 15 dias à espera da autorização do Ministério das Finanças. Paulo Sá e Mariana Mortágua insistiram ainda com Centeno que explicasse porque não aproveitou a folga no défice do ano passado — que ficou mil milhões de euros abaixo da previsão — para acelerar a execução da despesa no ano passado.
“Cumprimos a despesa ao centímetro”, responde Centeno
Na última fase da audição, o ministro responde aos que estão preocupados com o suposto não cumprimento do que estava no programa de estabilidade. Centeno dá dois exemplos que mostram como a despesa foi executada ao centímetro, em resposta à deputada do Bloco. Refere um desvio 0,002% (um milhão de euros) face à despesa com prestações sociais (um milhão de euros) assumida no Programa de Estabilidade de 2017 e um outro desvio de 50 milhões de euros (o,1%) na restante despesa corrente, face ao previsto no Orçamento do Estado e no programa. A única rubrica em que isso não aconteceu foi nos juros que ficaram 450 milhões de euros abaixo da estimativa, em parte por causa da saúde do lixo da divida portuguesa. “Se isto não é cumprir a despesa…..”Centeno admite que podia ter previsto mais receita, ainda na resposta a Mariana Mortágua.
Numa primeira resposta, o ministro concordou que o número dos valores atribuídos às artes é reduzido, mas destacou que há um crescimento de 35% nas verbas para a Direção Geral de Artes. Centeno fala ainda nos concursos lançados já este ano na ferrovia – para o investimento mais avultado em anos no setor – mas que ainda não está no terreno. “Trabalhamos para que este equilíbrio não se destrua. E os que querem desequilibrar sentam-se do lado direito e não do lado esquerdo”.
Maiores beneficiários do apoio ao emprego são o Pingo Doce, TAP e Banco de Portugal
No início da sua intervenção, Mariana Mortágua questionou ainda a lógica de um benefício fiscal (à criação de emprego) que custa 40 milhões por ano ao Estado quando este está a ser é aproveitado por grandes empresas – cita Jerónimo Martins, TAP, Banco de Portugal e Teleperformance – que não precisam, quando se podia eliminar esta despesa e apoiar as empresas que de facto precisam de apoios fiscais ao emprego. Centeno responde que os benefícios fiscais vão estar em revisão e acrescenta que haverá oportunidade de debater no parlamento.
O secretario de Estado dos Assuntos Fiscais explicou que a revisão em curso pretende adequar o beneficio fiscal ao benefício económico efetivamente alcançado. Há 15 benefícios fiscais cujo prazo de cinco anos tinha caducado em 2016 e o Governo comprometeu-se a fazer relatório e apresentar proposta de lei ate 31 de março. Optou ainda por não prolongar três desses benefícios porque ou eram obsoletos ou tinham associada receita municipal e as câmaras entendem que devem ser elas a decidir as isenções fiscais.
Para outros três, explica António Mendonça Mendes, foram propostas alterações e um regime de aplicação transitório. É o caso dos benefícios fiscais à criação de emprego referidos por Mariana Mortágua. A proposta do Executivo procura evitar sobreposições e afina os conceitos de jovem e desempregado de longa duração. Foram introduzidas mudanças para proteger a estabilidade do vínculo laboral nos contratos abrangidos e introduzida uma diferenciação positiva para pequenas e médias empresas. Outro objetivo passa por adaptar a medida à criação de emprego no Interior e aos projetos de interesse estratégico. Estas alterações serão ainda discutidas no parlamento, acrescentou.