Já aconteceu um pouco de tudo nos jogos do Sporting em Espanha, daquelas coisas que ocorrem uma vez na vida. Ele foi relvados regados antes do início do encontro mesmo depois de um dilúvio durante o dia, ele foi um cartão amarelo (que depois resultaria em expulsão na segunda parte) ainda antes do pontapé de saída, ele foi três bolas nos postes na mesma partida. E podíamos continuar aquilo que os adeptos verde e brancos denominam algumas vezes como coisas-que-só-acontecem-ao-Sporting-e-a-mais-ninguém. Em Madrid, frente a um Atlético que já partia com favoritismo teórico, houve mais uma para juntar à lista: 30 anos depois, os leões sofreram no primeiro minuto…

Fenómenos estranhos à parte, as histórias passadas do conjunto de Alvalade em território espanhol já não eram famosas: em 12 encontros, a equipa nunca tinha conseguido ganhar, salvando-se ainda assim três empates entre nove derrotas. Por aqui, o cenário não estava famoso. E muito se falou sobre essa estatística quando havia outra, bem mais atual e preocupante, que deveria centrar as atenções: mesmo tendo uma defesa considerada por grande parte da crítica como uma das melhores e mais consistentes nos últimos dez anos (convém recordar que o quarteto Abel-Tonel-Polga-Caneira, que a nível de nomes pode não maravilhar, terminou o Campeonato de 2006/07 com a média mais baixa de golos sofridos por jogo do clube, 0.5), o Sporting tinha sofrido em 23 dos 26 jogos fora.

Ficha de jogo

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Atl. Madrid-Sporting, 2-0

1.ª mão dos quartos de final da Liga Europa

Estádio Wanda Metropolitano, em Madrid

Árbitro: Sergei Karasev (Rússia)

Atl. Madrid: Oblak; Juanfran, Savic, Godín, Lucas Hernández; Gabi, Saúl Niguez, Correa (Kevin Gameiro, 53′), Koke; Griezmann (Vitolo, 90′) e Diego Costa (Thomas Partey, 87′)

Suplentes não utilizados: Axel Werner, Olabe, Montoro e Fernando Torres

Treinador: Diego Simeone

Sporting: Rui Patrício; Piccini, Coates, Mathieu, Fábio Coentrão (Rúben Ribeiro, 80′); William Carvalho (Acuña, 45′), Battaglia; Gelson Martins, Bryan Ruíz, Bruno Fernandes (Montero, 87′) e Bas Dost

Suplentes não utilizados: Salin, Ristovski, André Pinto e Palhinha

Treinador: Jorge Jesus

Golos: Koke (1′) e Griezmann (40′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Saúl Ñíguez (25′), Fábio Coentrão (56′), Piccini (57′), Savic (63′), Bas Dost (72′) e Koke (81′)

“Organização defensiva” foi a ideia mais forte de Jorge Jesus na conferência de imprensa antes do encontro, já depois de ter referido em entrevista ao jornal Marca (mais uma) que era mais complicado defender Griezmann do que Messi. Tudo nascia, crescia e, tendo em conta que os colchoneros não sofriam golos no Wanda Metropolitano há quase 800 minutos, acabava ali. Em bom português, era tão simples como isto: marcar golos era importante, como em qualquer eliminatória europeia, mas havia uma só coisa obrigatória no jogo verde e branco e que era a solidez de processos defensivos e transições. Só uma. E foi a única que não fizeram (falharam noutros aspetos, mas de forma gritante só mesmo no pilar fulcral onde assentaria tudo o resto), por quem menos se esperava.

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Bryan Ruíz acabou por ser a única surpresa de Jorge Jesus para o encontro desta noite, com o costa-riquenho a ser colocado na ala esquerda com Fábio Coentrão, relegando Acuña para o banco de suplentes. Mas se compararmos de forma individual o valor das duas equipas, só havia uma zona de um sector onde provavelmente estaria “ela por ela”: Godin é um central de grande nível, mas faz muitas vezes dupla na seleção do Uruguai com Coates; Savic, com algum excesso de dureza pelo meio, tem enorme margem de progressão mas Mathieu, internacional francês, é muito mais batido e habituado a este tipo de jogos. Foi exatamente aqui que esteve a maior diferença entre Atl.Madrid: os centrais visitados não deram uma hipótese; os centrais visitantes, de forma involuntária, acabaram por proporcionar mais oportunidades aos avançados contrários do que os próprios médios de construção…

https://observador.pt/2018/04/05/atl-madrid-sporting-leoes-tentam-manter-intacto-o-sonho-de-chegar-a-liga-europa/

A primeira foi logo a abrir. Literalmente: o Atl. Madrid saiu com a bola, houve um primeiro corte, a bola ainda foi parar a Gelson Martins que estava pressionado e, quando aterrou nos pés do Coates, o uruguaio acabou por assistir Diego Costa que, sozinho, só teve de aproveitar a diagonal de Koke no corredor central para assistir o espanhol e celebrar o primeiro golo aos 22 segundos de jogo. Há 30 anos que os leões não sofriam um golo no minuto inicial de jogo, algo que nunca tinha acontecido na Europa. E foi no pior jogo possível para que tal acontecesse.

Apesar de ter falhado na Liga dos Campeões, onde acabou eliminado por Roma e Chelsea, o conjunto de Madrid, com um ADN Simeone enraizado de forma bem percetível, é das melhores equipas a jogar sem bola na Europa. Aliás, é talvez aquela que melhor se dá no jogo sem posse: sente-se confortável, tem controlo emocional e potencia como ninguém as transições rápidas que fazem brilhar nomes por si só cintilantes como Griezmann, Diego Costa, Koke, Correa ou Saúl Ñíguez. Também por isso, quanto mais aguentasse o nulo, mais hipóteses teria o Sporting. Ao invés, aos 22 segundos já perdia e, aos três minutos, Rui Patrício evitou o segundo golo com uma palmada para a frente após cabeceamento de Godin ao segundo poste na sequência de um canto batido da esquerda.

Havia um claro descontrolo emocional, que foi sendo atenuado com argumentos que iam surgindo com o passar dos minutos: 1) a fluência de jogo que o corredor direito ia conseguindo proporcionar, não só por Gelson Martins mas também por Piccini, que numa jogada tipo extremo fintou meio mundo e cruzou para o cabeceamento ao lado de Bas Dost (13′); 2) o aparecimento de William Carvalho com bola, conseguindo dar critério na primeira fase de construção e equilibrando por completo a luta no meio-campo; 3) a exploração da profundidade com as diagonais de Gelson Martins, como aconteceu quando Bruno Fernandes deixou o extremo em boa posição mas Oblak conseguiu defender de forma apertada um remate já dentro da área (32′). Nessa fase, Rui Patrício não fez sequer uma defesa.

Mesmo com uma postura demasiado macia (fazer uma falta em 45 minutos, algo que alguns até podem elogiar, é dos piores erros que uma equipa pode cometer), os comandados de Jorge Jesus conseguiram subir as linhas, perturbar a saída de bola do Atl. Madrid e equilibrar o jogo com muito mais posse do que o adversário (62% à meia hora). No entanto, voltaram a falhar naquilo onde estavam proibidos e, já depois de um mau passe de Bruno Fernandes à entrada da área que ficou em Correa mas William foi ainda a tempo de cortar para canto, Mathieu atrapalhou-se com a bola, permitiu que Griezmann se isolasse e o Atl. Madrid aumentou para 2-0 aos 40′. Se já tinha sido um início de jogo para esquecer, os minutos que antecederam o intervalo voltaram a tornar-se demasiado pesados, ainda mais quando William teve de sair (provavelmente por queixas físicas) em cima dos 45 minutos.

No balneário, e apesar da desvantagem comprometedora, Jorge Jesus pode não ter tido a palestra mais difícil da carreira. Longe disso. Por um lado, bastava “pedir” aos jogadores que nunca perdessem aquela organização defensiva que tanto tinha falado antes do encontro; por outro, preparar planos B e C para marcar em Madrid e reentrar na eliminatória. Se foi isso que disse, saiu tudo ao contrário. E se não fosse Patrício, as coisas podiam ser piores…

Aproveitando uma autêntica cratera no corredor central (também nisso William fez falta após a saída), Koke ganhou espaço para solicitar a profundidade de Diego Costa e Coates ficou de novo mal na fotografia, falhando o corte e permitindo que o avançado se isolasse (48′). Patrício, como sempre, foi o bastião que segurou o jogo, roubando a bola dos pés do espanhol nascido no Brasil quando estava à vista o 3-0. Depois, num lance onde parecia estar a controlar, o uruguaio deixou-se enganar (e ultrapassar) pelo ex-dianteiro do Chelsea (50′). Patrício, como sempre, foi o bastião que segurou o jogo, defendendo como conseguiu um remate à queima roupa descaído sobre a esquerda.

Fábio Coentrão, após cruzamento de Battaglia, ainda foi à área do Atl. Madrid tentar fazer de Bas Dost mas o cabeceamento saiu muito por cima, numa das raras oportunidades verde e brancas na segunda parte. O que se via, isso sim, eram mais imagens da noite mais desinspirada da dupla de centrais leoninos, até em pormenores que provavam ter entrado numa espiral tipo lei de Murphy de onde nunca sairiam: aos 64′, no seguimento de um lançamento longo de Piccini, o primeiro jogador colchonero de marcação falhou mas Coates, quando tentava dominar a bola, deu um toque que saiu para as mãos de Oblak; aos 66′, na sequência de um ataque dos visitados, Mathieu tinha tudo para dominar, cortar ou limpar mas fez uma rosca sozinho que acabou por dar canto.

Juanfran ainda obrigou Patrício a mais uma grande defesa, quando o Sporting poucas ou nenhumas esperanças parecia mostrar em reduzir pelo menos a desvantagem (e numa altura em que já sabia que não poderia contar com Fábio Coentrão e Bas Dost na segunda mão, por castigo), mas o melhor, que acabou por ser o pior, estava guardado para esse período tão querido aos leões em alguns encontros na presente temporada: os descontos. A três minutos do final, Jorge Jesus lançou Montero para o lugar de Bruno Fernandes e o colombiano teve nos pés a grande chance verde e branca de todo o jogo, após defesa incompleta de Oblak a remate fortíssimo de Bryan Ruíz de fora da área. No entanto, a recarga, sozinho e em ótima posição, saiu por cima, perante o desespero do sul-americano.

Nos primeiros segundos de jogo, Coates colocou o Sporting a jeito de ficar com a eliminatória dos quartos de final resolvida a favor do Atl. Madrid; nos últimos segundos de jogos, Montero poderia ter colocado a jeito a eliminatória dos quartos de final para o Sporting. Koke não falhou, o colombiano desperdiçou. Claro que os espanhóis foram superiores, ganharam e fizeram-no com a maior das justiças, mas tudo poderia ser diferente se esses dois lances nos extremos da partida tivessem outro epílogo. Ainda assim, se quisermos resumir a uma frase 90 minutos, os leões perderam porque não fizeram a única coisa que tinham obrigatoriamente de fazer. Mesmo com mais uns exemplos para os adeptos verde e brancos de coisas-que-só-acontecem-ao-Sporting-e-a-mais-ninguém à mistura.