O discurso mais agressivo terá sido o de Cíntia Gil. “Esta tutela acabou. Não tem credibilidade, não tem ideias, não tem capacidade de diálogo, não respeita regras básicas num Estado democrático”, decretou a diretora do festival DocLisboa, nesta sexta-feira à tarde, durante a manifestação de artistas que decorreu na Praça do Rossio, em Lisboa.

Quanto à principal novidade, foi levada por Inês Pereira, representante da comissão informal de atores que se formou há dias na capital: que o primeiro-ministro, António Costa, aceitou a reunião pedida e vai reunir-se com artistas na próxima quinta-feira.

Ao Observador, André Albuquerque, do CENA-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos), uma das entidades que convocaram a manifestação, tinha explicado, pouco antes, que os representantes dos artistas querem falar diretamente com o chefe do Governo “para lhe explicar mais uma vez quais as falhas deste modelo” de concursos de apoio da Direção-Geral das Artes (DGArtes). “Parece que o Governo não percebeu quando o setor foi chamado a pronunciar-se no ano passado”, acrescentou.

O dirigente sindical sublinhou também que o objetivo da manifestação foi o de “transformar o protesto num trampolim que agregue todo o setor cultural”, dando a entender que este foi apenas o primeiro de outros protestos que aí vêm.

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“Isto começou por ser um protesto relativo ao modelo de apoio às artes e queremos agora estendê-lo a todos os setores da cultura. Queremos trazer isto para um outro nível, já não só sobre o apoio às artes, mas sobre o serviço público de cultura e a política cultural em geral”. Ações concretas, para já, é cedo para anunciar, disse André Albuquerque.

A manifestação em Lisboa foi uma de seis, em várias cidades: Porto, Coimbra, Beja, Funchal, Ponta Delgada. O encenador Carlos Avilez disse estar ali “porque o problema não é um problema do Teatro Experimental de Cascais, mas um problema de uma classe profissional”. “Isto foi um bocado longe demais”, avaliou, referindo-se aos resultados dos concursos da DGArtes, principal origem do protesto. E será que a contestação pode ir ainda mais longe? “Isto chega, está aqui a classe toda. Agora o primeiro-ministro vai resolver, ele vai ouvir”, respondeu Carlos Avilez.

De facto, o meio artístico, em peso, tinha comparecido: atores, músicos, bailarinos, designers, artistas plásticos, escritores. Maria João Luís, João Grosso, Maria do Céu Guerra, Miguel Abreu, António Cordeiro,  José Manuel Castanheira, André Gago, Miguel Gomes, Pedro Penim, Miguel Guilherme, Leonor Teles, Carlos Pinillos, Ricardo Neves-Neves. Muitas centenas, quase metade da Praça do Rossio.

Começaram a chegar pelas cinco e meia da tarde e desmobilizaram já perto das oito da noite. “Quero, quero, quero cultura acima de zero”, gritaram os manifestantes. “Ladrão que não é apanhado passa por Honrado”, lia-se num cartaz.

Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, passou por lá e falou da “necessidade de reforço da dotação do orçamento da DGArtes” e de “um novo modelo de apoio às artes”. Questionado sobre se o apoio do PCP à onda de contestação nas artes pode afetar a relação dos comunistas com o Governo, Jerónimo sugeriu que não: “Sempre, desde a primeira hora, sublinhámos as diferenças que existem”, respondeu.

José Russo, do Centro Dramático de Évora, discursou para “afirmar a importância da descentralização da cultura em Portugal” e classificou o reforço de milhões de euros para a DGArtes, anunciado por António Costa nos últimos dias, como “um rebuçado para não estarmos hoje aqui”. Martim Pedroso, da Nova Companhia, disse sobre o Governo: “Têm de nos encarar de frente, sem paternalismo e sem medo, e têm de nos receber de braços abertos”. Pediu “diálogo” e “verdadeira auscultação dos artistas e técnicos no terreno”.