O Serviço Nacional de Saúde precisa de “estratégias de longo prazo para enfrentar as consequências para a saúde da privação familiar, desemprego e pobreza infantil que foram exacerbadas durante a crise financeira”, conclui um relatório elaborado pelo departamento europeu da Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde, feito a pedido do Ministério da Saúde e apresentado esta sexta-feira, em Lisboa.

Segundo Hans Kluge, especialista em saúde pública e representante da Organização Mundial da Saúde (OMS) neste trabalho, Portugal não é caso único. “Portugal não está sozinho. Os principais desafios que encontrámos em Portugal também vemos nos outros países da Europa”, sublinhou o responsável. O especialista alertou para as “dramáticas” consequências de doenças como a obesidade e a hipertensão, tendo deixado alguns elogios à forma como o sistema de saúde português tem encarado problemas com o álcool e o tabaco.

Para Hans Kluge, o grande desafio do SNS deve ser “colocar o interesse das pessoas no centro do sistema”. “Precisamos de sistemas de saúde centrados nas pessoas e não centrados nos médicos”, defendeu lembrando que é necessário ter en conta as desigualdades entre pessoas no que toca à saúde. Pessoas com menores níveis de educação têm duas vezes mais probabilidade de serem obesos, exemplificou o especialista.

A mesma ideia foi deixada por Charles Normand, professor universitário irlandês e um dos académicos que realizaram o estudo, para quem a saúde em Portugal atravessa dois tipos de desafios: os que são comuns a todos os outros países, como o envelhecimento ou as doenças crónicas, e aqueles que são específicos ao país, como o historial de pobreza em Portugal que ainda hoje afeta muitas pessoas que passaram privações durante a infância.

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Sobre a crise financeira e o impacto do programa de intervenção da troika, este académico referiu que “Portugal pode estar orgulhoso”. “Os problemas poderiam ter sido maiores sem a intervenção da troika”, disse.

Charles Normand chamou a atenção para o desânimo que afeta os profissionais de saúde, com reflexos na sua atuação, defendendo por isso maiores incentivos. Entre as conclusões apresentadas pelo académico irlandês, é de notar a de que os profissionais de saúde portugueses são mal pagos em comparação com outros países europeus, o que, segundo Charles Normand, faz com que seja muito fácil perder médicos e enfermeiros para outros países que precisam de pessoas qualificadas e que conseguem oferecer melhores condições.

Os autores do documento sublinham que as dificuldades financeiras ainda são um entrave no acesso de alguma população aos serviços de saúde.

Já no que toca aos serviços digitais, apesar de Portugal ter “muito bons serviços online”, como o Portal do SNS, isso não significa que a maioria da população os consiga utilizar plenamente, defendeu o académico. “Confesso que fiquei invejoso quando abri o portal e vi a quantidade de informação que se pode descarregar”, admitiu Charles Normand. Porém, o académico irlandês sublinhou que “apenas uma parte da população” o consegue utilizar na sua totalidade. Normand destacou ainda que Portugal “tem muita informação”, pelo que precisa de “tirar partido da informação e implementar políticas baseadas nos dados”.

Outro sinal que o documento deixa vai no sentido da necessidade de investimento nas infraestruturas, o que poderá passar pelo recurso às parcerias público-privadas. No que toca ao papel dos privados nos cuidados de saúde, os autores do relatório sublinham a necessidade de clarificar qual o lugar destes prestadores de cuidados: se, por um lado, fazem parte do SNS ou se, por outro lado, representam um sistema de saúde paralelo.

Na mesma sessão, o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, apresentaou a comissão que irá trabalhar num livro branco subordinado ao tema “SNS: presente e futuro”, e que será coordenada pelo professor jubilado e antigo diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Constantino Sakellarides.